Veja a Apelação

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3 de setembro de 2001, 10h18

Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal em caso em tudo análogo ao presente, no qual a Excelsa Corte não só reconheceu a necessidade de dolo para que se configurasse a calúnia, como decidiu, por unanimidade, que se trata apenas de aplicação do art. 15 do Código de Processo Civil. Nesse sentido, o voto do Relator Ministro Marco Aurélio:

“Ocorre que, na hipótese, não se fez presente o elemento subjetivo do tipo – o dolo. Os Querelados atuaram na defesa da União – interesse público – narrando fatos e, com isto, embora utilizando tintas fortes, buscaram lançar elementos suficientes à convicção do Órgão julgador.

Impossível é emprestar às expressões utilizadas o propósito de ofender. Acreditando na valia de fatos de que tiveram conhecimento, ligados ao desempenho das partes, do respectivo representante processual e dos peritos, passaram à narração, visando, com isto alcançar provimento judicial a favor da União.

Verifica-se, portanto, a ocorrência pura e simplesmente do animus narrandi, insuficiente à configuração do tipo penal invocado pelo Querelante que exige, segundo melhor doutrina, consciência e vontade realizar a expressão ofensiva”, sendo que “em nenhum caso deve afirmar-se que o dolo resulta da própria expressão objetivamente ofensiva” (Heleno Cláudio Fragoso em Lições de Direito Penal – Parte Especial – Forense – RJ – 7ª edição – págs. 183 e 184). À hipótese não têm pertinência as regras do Código Penal evocadas, mas, tão-somente, à do Código de Processo Civil de que cogita o artigo 15: […]”. (INQ 380, RTJ 145/381-406)

Corroborou o Ministro Carlos Velloso em seu voto:

“No caso, os possíveis excessos cometidos na defesa da entidade de direito público são daqueles, bem como registrou o eminente Ministro Relator, que encontram reparação no âmbito do processo – CPC, art. 15 – não no campo penal.”

No mesmo sentido, decidiu a Alta Corte no julgamento do Agravo em Ação Direta da Inconstitucionalidade n.º 1.231, cuja ementa assim firmou:

“CONTRADITÓRIO – PODER DE POLÍCIA PROCESSUAL – IMPRESSÕES INJURIOSAS – RISCADURA – ARTIGO 15 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. A providência prevista no artigo 15 do Código de Processo Civil prescinde do contraditório, ainda que ocorra mediante provocação de uma das partes.

PROCESSO – EXPRESSÕES INJURIOSAS – SENTIDO. Partes, representantes processuais, membros do Ministério Público e magistrados devem-se respeito mútuo. A referência a expressões injuriosas contida no artigo 15 do Código de Processo Civil compreende o uso de todo e qualquer vocábulo que discrepe dos padrões costumeiros, atingindo as raias da ofensa.

PARLAMENTAR – INVIOLABILIDADE – INFORMAÇÕES EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. A imunidade material de que cuida o artigo 53 da Constituição Federal não alcança informações prestadas, em ação direta de inconstitucionalidade, por parlamentar, cabendo a aplicação do disposto no artigo 15 do Código de Processo Civil.” [sem grifos no original] (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 22.08.97, p. 38765)

Assim sendo, da utilização de expressões injuriosas no processo decorre apenas a conseqüência de serem riscadas, e, em se tratando de emprego em defesa oral, a advertência do advogado pelo juiz, sob pena de lhe ser cassada a palavra.

Igualmente, não procede a invocação do princípio da presunção de inocência, já que, caso fosse adotada a extensão que lhe está sendo conferida na decisão apelada, não haveria sequer como instaurar-se inquérito criminal ante indícios de conduta delituosa. Essa posição aqui recorrida não encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que é enfática:

“RECURSO DE HABEAS-CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE NOTITIA CRIMINIS E DE REPRESENTAÇÃO POR FALTA DE JUSTA CAUSA. PRESCRIÇÃO.

1. A simples apuração, pela autoridade policial, de fatos narrados em notitia criminis ou em representação que não sejam evidentemente atípicos, não constitui constrangimento ilegal que possa ser reparado pela via do habeas-corpus. Precedentes. Os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal só se aplicam à denúncia e à queixa, sendo absolutamente estranhos à mera notitia criminis.

2. A extinção da punibilidade pelo decurso do prazo prescricional não pode ser examinada em face do mero aceno de conduta criminal na notitia criminis ou na representação levada ao conhecimento da autoridade competente. Só é cabível esse exame quando houver a adequada tipificação da conduta em peça processual adequada.

3. Recurso de habeas-corpus a que se nega provimento.” (RHC 80.487, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 15.12.00, p. 107)

No julgamento, o Relator Ministro Maurício Corrêa refere-se a vários precedentes que orientaram a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nesse sentido:

“‘HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL.


Se a notitia criminis dada pela própria vítima não constitui fato evidentemente atípico, não há razão para se impedir que a pessoa acusada seja indiciada em inquérito policial até que ocorra a eventual denúncia do Ministério Público.

Recurso ordinário a que se nega provimento.’ [RHC 62.468, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 12.04.85, p. 4932]

No mesmo sentido o RHC nº 62.096-SP, OSCAR CORRÊA, in DJU de 08.11.94, pág. 20.228, que tem a seguinte ementa, in verbis:

‘INQUÉRITO POLICIAL – TRANCAMENTO.

A simples apuração da notitia criminis não constitui constrangimento ilegal a ser corrigido por habeas corpus.

O trancamento do inquérito policial só se justifica quando indiscutível a participação ou ausência de responsabilidade no evento criminoso.

Recurso de habeas corpus improvido.’

Ainda o RHC nº 58.277, CORDEIRO GUERRA, in DJU de 10.10.80, pág. 8.020, com a seguinte ementa, in verbis:

‘TRANCAMENTO DE INQUÉRITO.

Se a notitia criminis envolve a possibilidade de existência de crime, não há como impedir-se a instauração de inquérito policial para apurá-lo. Recurso de habeas corpus improvido.'”

O que se observa é que a Apelante, nas peças processuais, utilizou-se tão-somente do jus narrandi, que não configura dolo e é assegurado pelo Supremo Tribunal Federal (INQ 380 acima transcrito – Anexo 1). Desse modo, as ofensas lavradas nos autos não implicam qualquer dano a ensejar pagamento de indenização, mas apenas justificam que as expressões injuriosas sejam riscadas das peças processuais.

Ademais, ainda que essas expressões, eventualmente, tivessem sido divulgadas na imprensa, não se deve desconsiderar que nessa hipótese o representante judicial da União estaria fazendo uso da sua liberdade de expressão, e nesse sentido ele é necessariamente parcial na defesa do interesse público. Aliás, o advogado é um caso clássico de liberdade de expressão. É contratado pelo cliente para falar em seu nome, e dessa maneira ele é sempre parcial. Lembre-se que, há época, o Ministério Público da União atuava também como defensor da União, como Advogado da União, e foi nessa qualidade que os representantes da Recorrente atuaram. É de se duvidar a prolação de sentença similar à recorrida caso se tratasse de advogado privado.

Tal já era verdadeiro na ordem jurídica anterior, com maior razão o é no quadro constitucional em vigor. Como sabido, o art. 133 da Constituição Federal confere imunidade ao exercício da advocacia, verbis:

“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei.”

A imunidade constitucional do advogado viu-se ainda concretizada pela Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, cujo art. 2º, § 3º estabelece:

“Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

(omissis)

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.”

Por sua vez, o § 2º do art. 7º daquele Diploma é ainda mais explícito:

“§ 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.” [sem grifos no original]

Portanto, a extensão da imunidade dos advogados alcança não só os atos praticados em juízo, mas também aqueles praticados fora dele. Dito isso, forçoso reconhecer que a defesa intransigente do patrimônio e interesse públicos levada a efeito pelos valorosos Procuradores da República jamais haveria de configurar ato ilícito transcendente à imunidade que lhes é própria e à liberdade de expressão estrutural ao exercício da profissão.

O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, já reconheceu que não há que se cogitar de dano causado diretamente pela atuação do Ministério Público. Assim se pronunciou o Relator Ministro Sydney Sanches em voto condutor:

“3. Do seguinte teor o parecer da ilustre Procuradora da República, Dra. Iduna E. Weinert, aprovado também pelo Douto Subprocurador-Geral, Mauro Leite Soares:

‘Cuida-se de agravo regimental interposto contra o r. despacho de fls. 96 que, acolhendo os fundamentos do parecer desta Procuradoria-Geral da República, negou seguimento ao agravo de instrumento (fls. 13-15).

2. Nada há a acrescentar à judiciosa manifestação do Ministério Público Federal, de fls. 90-93, pelo ilustre Procurador da República, Dr. Gilmar Ferreira Mendes, que examinou de forma irretocável, a questão relativa à responsabilidade do Estado pelos atos dos integrantes do parquet, como posta nos presentes autos.

3. Cumpre enfatizar, apenas, o caráter meramente opinativo dos pareceres emitidos pelo Ministério Público, sem qualquer poder vinculativo dos atos dos órgãos do Poder Judiciário, em decorrência do que, se dano houve, ao patrimônio dos ora agravantes, com ofensa à lei, resultou ele, sem dúvida, de decisão judicial, somente atacável pelas vias processuais próprias.


4. Por todo o disposto, o parecer é pela manutenção do r. despacho agravado. (fls. 106 e 107)’

Adoto integralmente os pareceres do Ministério Público Federal para manter a decisão de fls. 96, negando seguimento a este agravo regimental.” (AGRAG 102.251-5, DJ 20.09.85, p. 15997)

Ora se o Ministério Público, enquanto custos legis, ao se manifestar nos autos, não provoca dano às partes do processo, também não provocará dano ao figurar como parte, visto que esta há de ser, como já asseverado, necessariamente parcial.

Outrossim, mesmo que o Representante do Ministério Público houvesse divulgado as informações na imprensa, assim procedeu dentro da liberdade de expressão e informação que lhe é assegurada. Sobre a liberdade de expressão e informação, afirma Edilsom Pereira de Farias, na obra Colisão de Direitos, Porto Alegre: Fabris, 1996, p. 128 e 131:

“A liberdade de expressão e informação, consagrada em textos constitucionais sem nenhuma forma de censura prévia, constitui uma das características das atuais sociedades democráticas. Essa liberdade é considerada inclusive como termômetro do regime democrático.

[…]

Do cotejo de documentos internacionais e textos constitucionais que a consagram, constata-se que a liberdade de expressão e informação é atualmente entendida como um direito subjetivo fundamental assegurado a todo cidadão, consistindo na faculdade de manifestar livremente o próprio pensamento, idéias e opiniões através da palavra, escrito, imagem ou qualquer outro meio de difusão, bem como no direito de comunicar ou receber informação verdadeira, sem impedimentos nem discriminações.”

No concernente à colisão entre os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem e a liberdade de expressão e informação, assevera ainda o referido autor:

“A colisão dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada, e à imagem com a liberdade de expressão e informação significa que as opiniões e fatos relacionados com o âmbito de proteção constitucional desses direitos não podem ser divulgados ao público indiscriminadamente.

Por outro lado, conforme exposto, a liberdade de expressão e informação, estimada como um direito fundamental que transcende a dimensão de garantia individual por contribuir para a formação da opinião pública pluralista, instituição considerada essencial para o funcionamento da sociedade democrática, não deve ser restringida por direitos ou bens constitucionais, de modo que resulte totalmente desnaturalizada.” (FARIAS, op. cit., p. 137).

Dessa forma, com a finalidade de se estabelecer a ponderação entre esses dois direitos, igualmente consagrados pela Constituição Federal de 1988, exige-se daquele que fala que seja diligente e que as informações transmitidas tenham o mínimo de verossimilhança. Ainda na lição de Edilsom Pereira Farias, “no Estado Democrático de Direito, o que se exige do sujeito é um dever de diligência ou apreço pela verdade, no sentido de que seja contactada a fonte dos fatos noticiáveis e verificada a seriedade ou idoneidade da notícia antes de qualquer divulgação.” (FARIAS, op. cit., p. 132)

Portanto, o sujeito há que ser diligente; há que buscar a informação; ter segurança quanto ao conteúdo da informação veiculada. Desse aspecto não se esquivou a ora Apelante já que invalidou as conclusões dos laudos periciais, desqualificando-os por completo. O elemento objetivo da irregularidade imputada ao perito está configurada, qual seja, a inexistência de qualificação adequada para aquela perícia específica, inclusive com amparo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS INFRINGENTES – LAUDO PERICIAL.

I – O laudo pericial deve ser realizado por elemento com qualificação técnica na matéria discutida na lide.

II – Embargos infringentes rejeitados não só pela falta de qualificação técnica do perito nomeado, mas também pela imprestabilidade do laudo, fundado em afirmações desacompanhadas de provas, especialmente, documentais.” (Embargos Infringentes em Remessa Ex Officio, Proc. 89.03.030017-3, DJ 25.03.91, p. 51)

No presente caso, não há como se contestar a ausência da imprescindível expertise. Um engenheiro agrônomo não está habilitado para a realização de uma perícia antropológica. Isso é por demais óbvio! Tanto os Procuradores da República foram diligentes e a crítica não foi imotivada que o Apelado não foi absolvido, mas tão-somente se declarou a prescrição da ação contra ele instaurada.

Ratificam o acima defendido os seguintes trechos de depoimento prestado pelo Apelado no Termo de Declarações que prestou no Departamento de Polícia Federal, documento este constante das fls. 236-240. Primeiramente, afirma que procedeu a perícia apenas sobrevoando faixas de terra.


Assim: “que: no dia 15 de maio de 1986, deslocou-se por volta de 06:30 horas, do aeroporto desta capital na aeronave prefixo PP-EUL, pilotada por ‘Vitor de tal’, conforme relatório de vôo 3749, além de Ainabi Machado Lobo, Assistente técnico na citada ação e o Professor João da Universidade Federal deste Estado, este possivelmente, Engenheiro Agrônomo, com o objetivo de procederem a vistoria relacionada com as terras de Arnaldo dos Santos Cerdeira e José Campos Júnior, terras estas que se encontram no Parque Indígena do Xingú-MT, localizado no mapa do INTERMAT n.º 122 (….)”.

Afirmou também que tinha consciência de que era necessária a utilização de instrumentos para demarcação de áreas: “que: tem conhecimento que para se demarcar uma área necessita-se de auxiliares e aparelhagem adequada para os trabalhos, principalmente, teodolito, trena, balisas, lentes, marcos, e outros; que: retornaram sobrevoando o perímetro, ao ponto inicial, tendo como base o Rio Suiamissu; que: foi também sobrevoado o interior do lote, e quando do sobrevoou pode verificar a existência de algumas aldeias.”

Por fim, e atestando a sua nítida incapacidade para formular laudos antropológicos, admitiu: “que: o declarante não tem conhecimentos técnicos para definir o conceito de: ‘habitat inmemorial’ ‘indígena’; que: não sabe porque foi indicado como perito as ações referentes ao Parque Nacional do Xingú.”

O outro requisito é a verossimilhança da informação; o sujeito que veicula a informação tem a obrigação de transmiti-la apenas se verificado um mínimo de plausibilidade. Ora, como demonstrado pelo Ministério Público em várias oportunidades, e reconhecido pelo próprio Apelado, ele não tem qualificação para elaboração de perícias antropológicas e apresentou laudos distorcidos. A exigência de que o Recorrido deveria ter sido condenado é um absurdo e não se sustenta, pelas razões expostas no presente Recurso.

A cota ministerial invocada na sentença recorrida (item 29) e assinada pelo Dr. Sepúlveda Pertence, então Procurador-Geral da República, trata-se apenas de uma recomendação para que seja argüida a suspeição de peritos. Nada mais.

É evidente que as autoridades às quais foi remetida a referida cota – o Dr. Mário Figueiredo Ferreira Mendes e o Dr. Odilon de Oliveira, ambos Juízes Federais de Mato Grosso, o Dr. Rafael Mayer, Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal e o Dr. Lauro Leitão, Ministro Presidente do Conselho de Justiça Federal – teriam plena liberdade para acatar ou não a sugestão. Ademais, nos avisos encaminhados a essas duas últimas autoridades, sequer há referência ao nome de Jurandir Brito da Silva ou à argüição de sua suspeição. Essa informação, aliás, não circulou, ficando restrita comunicação entre órgão do Poder Judiciário.

Igualmente, desprovida de força comprobatória da ocorrência de dano a alegação de que, por determinação judicial, foi substituído ou de que há uma decisão em que a atuação dos Procuradores da República é criticada. Essas duas peças constituem apenas e tão-somente manifestação de Juízes e nada mais. Não são suficientes para provar a verificação de dano.

Logo, não se configurou qualquer ato lesivo ao ora Apelado a justificar o pagamento de indenização de qualquer natureza. A esse respeito, vale transcrever decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL – LIQUIDAÇÃO – PEDIDO CERTO – RISCO ADMINISTRATIVO – INDENIZAÇÃO.

Embora o autor tenha formulado o pedido de condenação em quantia certa, não se convencendo o juiz, pode ele reconhecer-lhe o direito e remeter para fase de liquidação a apuração dos danos.

Nosso ordenamento jurídico acolheu a teoria do risco administrativo. Segundo ela surge a obrigação de indenizar o dano só do ato lesivo e injusto causado a vítima. Recurso improvido.” (STJ/RESP 158.201, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 15.06.98, p. 43)

E aqui ficam algumas perguntas no ar. Por que o Apelado não processou o jornal? Este também não haveria ferido a sua honra? O jornalista não estaria manifestando a sua liberdade de informação? Por que? Seria porque é mais fácil se responsabilizar a União?

Como se não bastasse, sendo, em regra, públicos os atos processuais, qualquer jornalista poderia ter tido acesso às peças do processo e ter reproduzido o seu conteúdo na imprensa. Isso fica evidente na própria leitura das reportagens utilizadas pelo Juízo monocrático a justificar a existência de dano na decisão aqui recorrida. Senão, vejamos trecho da notícia veiculada pelo O Globo:

“‘(…) No Parecer enviado ao STF, o Procurador Gilmar Ferreira Mendes, coloca em dúvidas os laudos apresentados pelos peritos sobre a área em questão'”. (O Globo, Domingo, 19/08/87 – fl. 126) (sem grifos no original)

Nas demais reportagens referidas na sentença de primeiro grau, observa-se que o discurso, a narrativa é sempre indireta e genérica: “indicaram a existência de crimes nas diversas perícias judiciais…”; “Dentre os principais suspeitos…”; “… esses peritos tenham faltado com a verdade…”; “…fraudes de falsificação de laudos periciais envolvendo terras hoje ocupadas por índios…”. Além do mais, vislumbra-se sempre uma relação com a prática de algum ato processual, restando sem qualquer fundamento a alegação de que seriam ofensas produzidas fora dos autos.


Não se pode, igualmente, desconsiderar que uma das reportagens citada pelo Magistrado para fundamentar a sua decisão sequer faz menção à pessoa de Jurandir Brito da Silva, ora Apelado. Trata-se da matéria publicada no Diário de Cuiabá, em 04.10.87, transcrita no item 31 da sentença ora recorrida. Nesse caso, não há como se suscitar violação à moral. Caso contrário, estaria referindo-se à moral de quem? Mais uma vez resta evidenciada a falta sustentação da sentença recorrida.

III.c – IMUNIDADE DO ESTADO EM RELAÇÃO A ATOS DOS ÓRGÃOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Ministério Público tem o dever de denunciar. Não há nestes casos responsabilidade objetiva do Estado, pois o órgão detém um juízo de valor, ou seja, se vislumbra um crime, em tese, haverá de denunciar, decisão tal que não vincula o juiz.

“Não responde civilmente a Fazenda Pública por ato opinativo do MP, no procedimento judicial, que não vincula o Poder Judiciário (art. 107)” (RT 115/806) (atual artigo 37, § 6°).

O art. 129, I da CF/88 assevera que o Ministério Público promoverá privativamente a ação penal pública.

O Código de Processo Penal contém um rol de artigos disciplinando a atuação do órgão do Ministério Público.

De acordo com o artigo 24, nos crimes de ação penal pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público.

O artigo 40 prescreve a necessidade de o magistrado enviar cópia de documentos constantes em processo, quando se vislumbra o crime em tese, a fim de que haja a denúncia.

O artigo 42 do CPP, por sua vez, assevera que o Ministério Público não poderá desistir da ação penal. O Art. 28 do mesmo codex afirma que se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador – geral.

O Ministério Público promoverá e fiscalizará a execução da lei, nos termos do artigo 257 do CPP.

Outra vez o mestre Youssef Said Cahali, com a natural maestria nos ensina: “Na atividade própria do órgão do Ministério Público está ínsita a imunidade funcional por delito contra a honra do denunciado em processo-crime, do que resulta no não cabimento de qualquer pretensão indenizatória contra o Estado …”.

O ilustre mestre prossegue na sua explanação: “… Caio Mário observa que ‘o fato jurisdicional regular não gera responsabilidade civil do juiz e, portanto, a ele é imune o Estado’ … Esta mesma motivação presta-se para arredar eventual responsabilidade do Ministério Público, pelo alvitrado evento danoso ‘por uma denúncia ilegal visto que o requerente não praticou aquele delito de apropriação indébita que lhe fora imputado pela Promotoria.’ Recebendo os documentos remetidos pelo Juízo e ante a configuração de conduta típica, o oferecimento da denúncia, por aquele representante, era imperativo legal (art. 24 c/c o art. 257, ambos do CPP)…” (In Dano Moral, 2ª edição, p. 338/339)

Neste diapasão, mesmo que se provasse que a autoria das notícias veiculadas na mídia fosse do órgão do Ministério Público, não haveria que se falar em responsabilidade objetiva do Estado, nos termos do § 6° do artigo 37 da Carta Magna, já que era imperativo legal a denúncia, já que havia o crime em tese.

Repisa-se, novamente, que o próprio apelado confessou que era incapaz de identificar as terras imemoriais indígenas, ou seja, havia indícios suficientes para que se caracterizasse o crime descrito no artigo 342 do Código Penal, já que atuou em outros processos, onde atestou que as áreas não eram originariamente indígenas.

Desta forma, afigura-se inadiável a reforma da sentença, na parte que condenou em danos morais.

III.d – DA ABSOLVIÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS EM PROCESSO PENAL MOVIDO ACERCA DOS MESMOS FATOS

Se, de um lado, não operou em favor do apelado a absolvição imaginada pela sentença recorrida, verificou-se, de outro lado, a circunstância exatamente oposta: os agentes públicos aos quais se pretende atribuir a prática de atos supostamente responsáveis pelo dano alegado restaram absolvidos em processo penal em que se lhes imputava, em razão dos mesmos fatos alegados na inicial e mencionados na sentença, a prática de crimes de injúria, calúnia e difamação.

Com efeito, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal no Inquérito nº 380 (Queixa-Crime) – DF, no qual o advogado Armando Conceição refere-se aos mesmos fatos imputados pela inicial e pela sentença aos Procuradores da República que desbarataram a denominada “indústria das indenizações”, verbis:

“Ocorre que, na hipótese, na se fez presente o elemento subjetivo do tipo – o dolo. Os Querelados atuaram na defesa da União – interesse público – narrando fatos e, com isto, embora utilizando tintas fortes, buscaram lançar elementos suficientes à convicção do órgão julgador. Impossível é emprestar às expressões utilizadas o propósito de ofender. Acreditando na valia de fatos de que tiveram conhecimento, ligados ao desempenho das partes, do respectivo representante processual e dos peritos, passaram à narração, visando, com isto, alcançar provimento judicial a favor da União.


Verifica-se, portanto, a ocorrência pura e simplesmente do animus narrandi, insuficiente à configuração do tipo penal invocado pelo Querelante que exige, segundo melhor doutrina, ‘consciência e vontade de realizar expressão ofensiva’, sendo que ’em nenhum caso deve afirmar-se que o dolo resulta da própria expressão objetivamente ofensiva'” (Heleno Cláudio Fragoso em Lições de Direito Penal – Parte Especial, Forense, RJ, 7ª edição, págs. 183 e 184).” (Inq. nº 380 (Queixa-Crime)/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, RTJ 145/393).

Para comprovar cuidar-se dos mesmos fatos, basta considerar as seguintes passagens daquele Acórdão:

“Assevera o Querelante que lhe foram atribuídas as seguintes práticas que reputa caluniosas:

Da tergiversação;

Da indústria da desapropriação – nova modalidade de estelionato;

De montagem de esquema com inequívoco envolvimento em perícias falsas;

De indução do Supremo Tribunal Federal em erro.” (RTJ 145/391).

“2. Da Difamação

Estaria configurada pelo fato de o Dr. Gilmar Ferreira Mendes, bem como o então Procurador-Geral da República, Dr. José Paulo Sepúlveda Pertence, haverem, de forma continuada, tanto em manifestações expendidas nos processos em que funcionaram, notadamente nas Ações Cíveis Originárias nºs 268, 280 e 362, como concedendo entrevistas à imprensa (O Estado de São Paulo, de 24 de novembro de 1987 e a revista Senhor, de 22 de dezembro de 1987), noticiado que o Querelante tem conhecidos antecedentes criminais, aludindo a envolvimentos no escândalo de perícias falsas e com o crime organizado, contando com valioso apoio dos ‘magos da perícia’.” (RTJ 145/383).

Configurada a absolvição dos agentes públicos da União em processo penal relativo aos mesmos fatos alegados pelo apelados, parece evidente a necessidade de reconhecer-se, agora sim, a coisa julgada no cível da decisão na esfera penal.

Com efeito, tal como exposto, a decisão do Supremo Tribunal Federal, reconheceu que os Procuradores da República – então dotados da representação judicial da União – operavam, na intransigente defesa do patrimônio e do interesse públicos, “em estrito cumprimento de dever legal” ou “no exercício regular de direito”.

Nessas circunstâncias, impõe-se reconhecer a existência de coisa julgada no cível a inviabilizar o pleito indenizatório oferecido pelo apelado em face do que dispõe o art. 65 do Código de Processo Penal (“Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”).

III.e – DA AUSÊNCIA DO DANO MORAL

Não restou configurado o dano moral e que a jurisprudência não admite que o dano moral seja presumido pelo simples fato de haver sido instaurado um processo. Nesse sentido, vale destacar as seguintes decisões:

“DIREITO CIVIL. DANO MORAL. REPRESENTAÇÃO POR CRIME DE AMEAÇA. INQUÉRITO ARQUIVADO. EXERCÍCIO REGULAR DE DO DIREITO NÃO EXCEDIDO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REDUZIDOS.

O arquivamento do inquérito policial por dúvida quanto à natureza criminosa da conduta e de sua autoria não implica necessariamente obrigação de o representante reparar os danos morais sofridos pela representada criminalmente. No caso, não transbordou o representante do exercício regular do seu direito, ao comunicar à autoridade policial fato que, em tese, constituía crime (de ameaça), mormente porque a representada havia se identificado ao telefone. Improvada intenção de cometer a falsa imputação e não caracterizada a precipitação por parte do representante, ainda que tenha o inquérito policial sido arquivado, descabe reparação do patrimônio moral abalado. Honorários advocatícios reduzidos, por aplicação do § 4º do art. 20 do CPC.” (TRF – 4ª Região, AC 309880, Rel. Juiz Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 29.11.00, p. 87)

CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DANO MORAL.

1. Cabe ao autor a prova dos fatos constitutivos de seu direito, sem o que não é possível atender-se ao pleito.

2. Dano moral não configurado, porque mera apuração de comportamento com observância do devido processo legal, não constitui-se em ato ilícito. 3. Recurso improvido.” (TRF – 1ª Região, AC 331249, Rel. Juíza Eliana Calmon, DJ 22.10.98, p. 115)

Não comprovada a verificação de dano moral, bem como sendo insuficiente para justificá-lo a propositura de ação contra eventual lesado, não se presume o dano porventura ocorrido, razão pela qual, neste ponto, resta também sem fundamento a sentença ora recorrida.

III.f – DA AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA UNIÃO

Na inicial, encontra-se alegação de que a responsabilidade civil objetiva da União decorreria do caráter ilícito dos atos atribuíveis aos Procuradores da República.


As exaustivas razões acima expostas afastam a alegada ilicitude dos atos praticados pelos referidos agentes públicos – sem prejuízo da coisa julgada, esta sim, absolutória produzida no Inquérito nº 380 (Queixa-Crime)/DF junto ao Supremo Tribunal Federal.

Na sentença, não se afirma a ilicitude de tais atos, mas antes a existência de dano, a existência de conduta atribuível a um agente público e a ocorrência de nexo causal entre o dano produzido e a alegada conduta dos agentes públicos.

Como visto, de modo igualmente exaustivo, acima, inexistiu o alegado dano moral indenizável e ele jamais restou comprovado – em particular, contra o apelado pelas notícias de jornais e manifestações atribuídas aos agentes públicos.

III.e.1 – DA AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL

Percebeu, contudo, o Juízo a quo a possibilidade de descaracterizar-se o nexo causal se, de fato, houvesse o apelado praticado irregularidades, pois, nessa hipótese, seria ele o responsável pelas críticas impugnadas.

Assim se manifestou sobre a matéria a sentença ora recorrida:

“33. Ocorre que nem todo prejuízo sofrido por particulares, derivado, em princípio, de um ato estatal, pode se imputado ao Estado. Situações existem que excluem o nexo causal entre o dano sofrido pelo particular e a aparente ação estatal.

34. Destarte, seria impossível imputar a responsabilidade ao Estado, por exemplo, pelos prejuízos suportados por um profissional liberal (v.g. médico) que tenha a sua clientela diminuída em decorrência de ter sido imputada a esse profissional uma determinada conduta delituosa, por um agente público, com ampla divulgação na mídia, e que depois venha a ser efetivamente condenado na esfera penal.

35. Nessa hipótese, só aparentemente o Estado deu causa aos seus prejuízos materiais ou morais. Em verdade, foi o próprio cidadão, ao praticar conduta não amparada pelo sistema jurídico, quem deu causa ao seu infortúnio”.

Ora, como demonstrado à exaustão, a decisão penal transitada em julgado não negou a autoria nem afastou a materialidade do delito, mas cingiu-se a reconhecer a prescrição. Nessa medida, o substrato factual e objetivo relativo à realização da conduta não se viu afastado.

Por igual, afirme-se que, tal como assinalado acima, restou comprovado e reconhecido pelo próprio apelado sua inaptidão para a realização de perícia histórica e antropológica e o método absolutamente abstruso e inepto de realizar perícia por meio do emprego da denominada “perícia aeronáutica” e intertemporal – em que se pretendia configurar, em 1981, a presença de índios datada de 1961 em território sobrevoado a altura que impediria a identificação de pessoas caminhando.

Assim, nos próprios termos fixados na sentença recorrida, ao aceitar o encargo pericial em matéria para a qual não possuía suficiente habilitação, o apelado descumpriu os deveres legais a ele impostos pelos arts. 145, caput e §§ 1º e 2º, 422 e 424, I, do Código de Processo Civil.

Ora, a questão relativa ao nexo causal é questão material que exige prova inconteste – o que não se produziu nos autos e restou substituído pelo equivocado pressuposto de uma absolvição no juízo criminal. Saliente-se, destarte, que o próprio apelado contribuiu para que houvesse as suspeitas dos Procuradores da República, pois, se não era especializado para elaborar um laudo antropológico, deveria ter a sinceridade e correção de não aceitar aquele mister.

O artigo 422 do CPC prescreve que o perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido. Ora o advérbio mencionado pode ser traduzido como cauteloso, meticuloso ou cuidadoso. É de clareza solar que tal conduta não foi seguida pelo apelado. Às fls. 121, na decisão do juiz federal que rejeitou a denúncia, há a confirmação do magistrado de que o apelado não detinha qualificação técnica para elaborar laudos atropológicos.

É princípio comezinho do direito, de que ninguém poderá requerer indenização alegando a própria torpeza e o apelado se enquadra perfeitamente neste caso. Sem qualificação profissional adequada, aceitou os misteres da perícia, confeccionou laudos imprestáveis, e, após a extinção do processo criminal, em virtude da prescrição do crime, pleiteia indenização, em flagrante infringência ao art. 97 do Código Civil.

Para se ter uma idéia da falta de conhecimento técnico do apelado, a sentença prolatada nos autos do processo 00.0004316-8, que tramitou na 1ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso, onde foram partes Fazenda Xavantina e outros em face da União e Funai, o MM. Juiz julgou o pleito de indenização por desapropriação indireta IMPROCEDENTE. A fundamentação de tal decisum se pautou pela imprestabilidade do laudo do Sr. JURANDIR BRITO DA SILVA, pois o mesmo reconheceu que não tinha conhecimento do que seria antropologicamente habitat imemorial indígena. Desta forma, não se pode dar guarida à condenação por danos morais ao apelado, já que a culpa de todo o ocorrido, inclusive com as suspeitas de crimes, foram da responsabilidade do apelado.


O mestre Youssef Sahid Cahali, assevera que: “a teoria do risco administrativo não leva à responsabilidade objetiva integral do Poder Público, para indenizar em todo e qualquer caso, mas sim, dispensa a vítima da prova da culpa do agente da Administração, cabendo a esta a demonstração da culpa total ou parcial do lesado, para que então fique ela total ou parcialmente livre da indenização.” (In Responsabilidade Civil do Estado, 2ª Edição, p. 44)

Está provado que o apelado foi o único culpado de que houvesse todo o procedimento criminal e, conseqüentemente, a publicação de tais fatos pela imprensa.

Caso tivesse agido honestamente, confessado a sua incapacidade para confeccionar laudos antropológicos a respeito da posse imemorial indígena, não estaria sob a motivada e inexorável suspeição.

De resto, tal como demonstrado em tópico anterior relativo à liberdade de expressão e à imunidade judiciária da advocacia ínsita à atuação dos representantes judiciais da União, os Procuradores da República foram diligentes no levantamento das informações que lastrearam suas manifestações e as imputações que fizeram, fortemente lastreadas em dados factuais reconhecidos nos inquéritos policiais, afiguravam-se amplamente verossímeis.

Reconhecida, destarte, a conduta irregular do apelado ao realizar perícia para a qual não se encontrava habilitado, elimina-se o nexo causal e ao apelado imputa-se a responsabilidade pelas críticas que alega haverem-lhe causado dano moral.

IIII.e.2 – DA AUSÊNCIA DE DANO DIRETA E IMEDIATAMENTE DECORRENTE DA AÇÃO ADMINISTRATIVA OU DA INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL

Do mesmo modo, opera entre nós a teoria do dano direto e imediato ou da interrupção do nexo causal.

Para que se afigurasse apta a gerar responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, a destituição da perícia e a não-convocação para outras perícias deveria constituir dano diretamente decorrente da ação administrativa reputada ilícita.

Como sabido, a mais comezinha lição do direito administrativo e constitucional pátrio explicita a existência de dois requisitos fundamentais para a caracterização do dever administrativo de indenizar: 1) comprovação do dano e 2) a configuração do nexo de causalidade imediata entre o dano sofrido e a ação administrativa apontada como ilícita (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 11ª ed., 1999, p. 665). Se, tal como demonstrado acima, não se comprovou o dano, inexiste direito a indenização.

Do mesmo modo, ainda que demonstrado o dano, somente seria ele indenizável se atribuível, como resultado imediato, ou seja, decorrente de uma causalidade direta, de determinada ação administrativa reputada ilegítima.

Na hipótese dos autos, já a inicial era inepta não só por não demonstrar o dano, mas também por não cuidar de demonstrar o nexo de causalidade direta entre a ação administrativa alegadamente ilegítima e o dano supostamente dela derivado. Como já decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal, o nexo de causalidade entre a ação administrativa e o dano indenizável não admite causas sucessivas e derivadas.

Assim, se se imputa ilegítima a manifestação de juízos desfavoráveis a determinado indivíduo, o dano moral decorrente se sua ampla divulgação levada a efeito pela imprensa não é imputável ao agente público, mas tão-somente aos jornalistas que se valeram de suas manifestações técnicas e processuais.

Para expressar o rigor que o nexo de causalidade direto e imediato assume na jurisprudência tradicional e recentemente reiterada do Supremo Tribunal Federal, considere-se o seguinte julgado:

“Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes.

– A responsabilidade do Estado, embora objetiva por forca do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no parágrafo 6. do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.

– Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada.

– No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensável para o reconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, é inequívoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidência da responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69, a que corresponde o parágrafo 6. do artigo 37 da atual Constituição. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE nº 130.764/PR, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 143/270).

Veja a continuação da Apelação.

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