Assassinato no RN

Veja decisão que confirma reclusão de 35 anos para juiz por homicídio

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3 de setembro de 2001, 17h36

O inteiro teor da decisão da Sexta Turma do STJ, que resultou na condenação do juiz Francisco Pereira Lacerda a 35 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado, já foi encaminhado para a publicação no Diário de Justiça. O juiz matou um promotor do Rio Grande do Norte.

A defesa tinha entrado com recurso especial contra a decisão do Tribunal de Justiça (TJ-RN), que havia condenado o juiz. A condenação também implicou na perda do cargo público.

No recurso especial, a defesa alegava que, durante o julgamento, o TJ-RN não teria observado formalidades processuais obrigatórias.

O relator do recurso, ministro Fontes de Alencar, não acatou a argumentação e confirmou a decisão tomada anteriormente pelo TJ-RN.

Veja a íntegra da decisão.

Recurso Especial nº 239.883 – Rio Grande do Norte – (1999/0107233-6)Exposição

O Exmo. Sr. Ministro Fontes de Alencar:

Cuida-se de recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, desta forma ementado:

“Constitucional, Penal e Processual Penal – Lei nº 8.038/90, com as Alterações da Lei nº 8.658/93 – Ação Penal Originária – Preliminar de Nulidade do Processo, Diante de Procedimento Investigatório Irregular – Artigo 33 da Loman – Matéria Preclusa – Preliminar Rejeitada – Homicídios Qualificados Consumados – Artigos 121, parágrafo 2º, Incisos I e IV e 121, parágrafo 2º, Inciso V, do Código Penal – Autoria e Materialidade Comprovadas – Dolos Direto e Eventual em Relação à Primeira e à Segunda Vítimas, Respectivamente – Concurso Material de Crimes – Co-autoria – Mandante – Cumulação de Penas – Crime Hediondo – Valor da Prova Indiciária – Condenação – Cumprimento da Pena de Reclusão em Regime Fechado – Artigo 1º, Inciso I, Última Figura, Combinado com o Artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.072/90 – Efeito da Condenação: Perda do Cargo – Inteligência do Artigo 92, Inciso I, Letra B, e Parágrafo Único do Código Penal.

1. Como regra geral deve a parte interessada, em caso de nulidade, argüí-la na primeira oportunidade em que se manifestar no processo, sob pena de preclusão.

2. Comprovadas a co-autoria e a materialidade dos crimes de homicídios qualificados, impõe-se a condenação.

3. Age com dolo direto aquele que quer o resultado e com dolo eventual aquele que assume o risco de produzi-lo (artigo 18, inciso I, do Código Penal).

4. Diz-se co-autor intelectual o agente que, com seu comportamento, contribuiu de forma decisiva para a conduta delitiva, sendo eficaz no sentido de haver provocado a conduta principal do autor material.

5. Coerência da prova indiciária com os elementos dos autos. Quantidade e concordância que, aliadas a outros elementos de prova, fazem emergir a validade do seu valor probante, autorizando o decreto condenatório.

6. Dá-se o concurso material de crimes quando o agente, através de duas ou mais ações (ou omissões), comete mais de um delito, idêntico ou não (artigo 69 do Código Penal)” – (fls. 1.689/1.690).

Embargos declaratórios opostos ao acórdão da Corte potiguari não foram conhecidos, e o aresto respectivo ficou assim sumariado:

“Processual Penal – Embargos de Declaração – Efeito Modificativo – Rediscussão de Questão já Decidida no Acórdão – Pressupostos – Finalidade – Falta de Indicação dos Motivos Ensejadores do Recurso – Inadmissibilidade – Inexistência de Ambigüidade, Obscuridade, Omissão ou Contradição – Não Conhecimento dos Embargos.

1. Pretensão de reforma do julgado através de embargos de declaração incabíveis.

2. Segundo a disposição do artigo 619 do Código de Processo Penal, os embargos de declaração têm por objetivo tão-somente expungir do acórdão ambigüidade, obscuridade, contradição ou omissão, sendo imprestável para rediscutir o tema analisado e proclamado no julgamento, pois o mesmo é desprovido de efeito infringente, salvo se a modificação decorrer da correção dos citados defeitos, não sendo esse o caso dos autos, onde sequer foi qualquer daqueles indicados.

3. Não se caracterizando as situações de excepcionalidade, nas quais doutrina e jurisprudência têm autorizado o manejo dos embargos de declaração com efeito infringente, não devem eles ser conhecidos se não descrevem, sequer em tese, uma das hipóteses de seu cabimento” – (fls. 1.743/1.744).

Sustenta o recorrente, – em seu recurso que chega com fundamento nas alíneas “a” e “c” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, – que o Colegiado local violentou o art. 564, IV, e o art. 648, VI, do mesmo diploma, pedindo seu provimento “para fins de reformar o Acórdão recorrido, nulificando o processo na forma requerida” (fls. 1.784 usque 1.803).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento do recurso, nos termos do Parecer de fls. 1.918/1.920, que expõe o seguinte sumário:

“Ação penal originária. Foro por prerrogativa de função. Inquérito. Nulidade.

– Deve a parte interessada, em caso de nulidade, argüí-la na primeira oportunidade em que se manifestar no processo, sob pena de preclusão.

– Eventual nulidade superada pela instrução realizada pelo Tribunal.

– Ausência de demonstração analítica do dissídio jurisprudencial.

– Ausência de contrariedade aos arts. 564, IV e 648, VI, do Código de Processo Penal.”

Recurso Especial nº 239.883 – Rio Grande do Norte – (1999/0107233-6)

Voto

O Exmo. Sr. Ministro Fontes de Alencar (Relator):

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte deliberou, “em sessão plenária, por maioria de votos, rejeitar a preliminar de nulidade suscitada pelo acusado. Vencido o Desembargador Amaury Moura, que não a conhecia. No mérito, por maioria de votos, condenar Francisco Pereira de Lacerda, à pena total de 35 (trinta e cinco) anos de reclusão, por duplo homicídio qualificado, a ser cumprida integralmente em regime fechado, na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, Município de Nísia Floresta, impossibilitado de recorrer em liberdade, expedindo-se o competente mandado de prisão, sendo, ainda, decretada a perda de cargo público pelo acusado (Juiz de Direito). Vencidos os Desembargadores Rafael Godeiro e Francisco Saraiva, que absolviam o réu -” (fl. 1.691).

Diz o recorrente:

“No caso vertente, observa-se bem claramente que não se trata nem mesmo longinquamente de preclusão. O Egrégio Tribunal a quo, simplesmente, violentou o dispositivo do art. 564 – Inciso IV do Código de Processo Penal e também, ainda que de forma indireta, o próprio art. 648 – Inciso VI do mesmo Diploma, haja visto que o argumento de preclusão resulta absolutamente sem sentido, visto tratar-se de nulidade de tal estirpe que poderia ser argüida em qualquer época” (fl.1.788).

E mais:

“Diante da preliminar, o que fez o Tribunal? Simplesmente optou pelo desbordo, recusando-se a apreciá-la em sua substância, preferindo a via de escape, ilaqueando-a de preclusa, quando, à saciedade demonstrado está que isso não ocorre.

Portanto, em não tendo havido adentramento ao âmago de substância da preliminar, ela permanece íntegra, devendo, pois, ser objeto de exame de parte desse Pretório. O fato de se pedir mediante embargos de declaração que o Tribunal sobre ela se manifestasse é exatamente no objetivo de não se admitir tal omissão, haja vista que a simples declaração de que não a conhece pelo fato da não indicação da omissão não se manifestar contentosa.

Ora, se o Recorrente pediu ao Tribunal manifestação sobre preliminar e ele simplesmente a declara preclusa, é evidente que cabe a manifestação inconformada no sentido de obter manifestação sobre a sua substância. Em tal não ocorrendo, está mais que pré questionada a matéria no sentido de se obter o conhecimento e decisão dessa Veneranda Corte sobre a dita preliminar.

Sobre os prejuízos decorrentes de tal nulidade, infligidos ao Recorrente, esses estão sobejamente demonstrados tanto no corpo de mencionada preliminar, quanto neste escopo por oportunidade da discussão atinente à violação de norma federal -” (fl. 1.791).

A Corte norte-rio-grandense assim considerou e deliberou:

“Suscita a Defesa nas suas Alegações Finais, a preliminar de nulidade do processo” a partir do requerimento formalizado pela Autoridade Policial, solicitando a quebra de sigilo telefônico, em 16 de novembro de 1967, quando afirmou haver razoáveis indícios de participação do ACUSADO nos crimes imputados na denúncia.

Invocando o artigo 33 da LOMAN, ressalta que o acusado, por prerrogativa de função, haveria de ter sido investigado pelo Tribunal de Justiça, havendo óbice legal para o prosseguimento da investigação “pela Autoridade Policial a partir do momento em que essa mesma conclui que há indícios de participação de Magistrado”.

E continua asseverando que houve usurpação da competência exclusiva do Tribunal de Justiça, “arvorando-se” também o Ministério Público em investigador, tendo a denúncia-crime, dessa forma, sido “formalizada a partir e com alicerce de uma investigação que não poderia existir, sendo, portanto, inexistente. Se inexistente, por absoluta falta de compatibilidade com os ditames da Lei Complementar em comento, torna-se claro afirmar que não poderia ser recebida.

(…)

… a matéria está preclusa, posto que se quedou inerte [a Defesa] a respeito nas inúmeras vezes que teve a oportunidade de se pronunciar nos autos.

(…)

E, in caso, nem na defesa que antecedeu ao recebimento da denúncia, nem por ocasião da Defesa Prévia, houve o protesto consignado em sede de alegações finais, tornando preclusa a matéria -” (fls. 1.695/1.697).

A todas as veras, das matérias contidas nos arts. 564, IV, e 648, VI, ambos do Código de Processo Penal não cuidou o acórdão do apelo (fls. 1.689 a 1.728); nem o resultante dos embargos declaratórios (fls. 1.743 a 1.748). Destarte, ausente, no ponto, o imprescindível questionamento prévio.

Conquanto dita motivadora do recurso transordinário, a divergência pretoriana não restou demonstrada.

Por todo o exposto, do recurso não conheço.

Processo: Resp 239883

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