Estado condenado

Preso vai ser indenizado pelo Estado de São Paulo

Autor

2 de setembro de 2001, 11h24

Condenado a cumprir pena de 4 anos, inicialmente no regime semi-aberto, Paulo Sérgio Neves foi mantido encarcerado. Em regime fechado, Neves não pôde trabalhar – o que ajudaria no sustento de sua família e contribuiria para a redução da pena.

Em razão desse prejuízo, o juiz José Luiz Germano, da 3ª Vara Cível de São José dos Campos, condenou o Estado a pagar um salário mínimo por mês em favor do preso, desde a data de sua prisão, até que ele seja libertado ou colocado no regime prisional correto.

Com isso, foi reconhecido ao preso, que fora condenado por receptação, o direito à indenização pelos lucros cessantes, já que no regime correto e menos gravoso o preso poderia trabalhar.

Segundo a sentença, constitui constrangimento ilegal alguém ficar preso em estabelecimento de regime fechado quando a condenação prevê que o cumprimento da pena deva ser feito no regime semi-aberto, o que tem amparo em vários outros julgados.

A jurisprudência já firmou que é ilícita a manutenção do preso em regime mais gravoso do que aquele fixado na sentença, o que caracteriza constrangimento ilegal passível de habeas corpus, como se vê abaixo.

Veja ementas a respeito do assunto e a decisão de Germano

Superior Tribunal de Justiça

ACÓRDÃO: HC 14685/SP (200001102397) 382780 HABEAS CORPUS

DATA DA DECISÃO: 06/02/2001 ORGÃO JULGADOR: – SEXTA TURMA

E M E N T A

PENAL. CONDENAÇÃO NO REGIME SEMI-ABERTO. FALTA DE ESTABELECIMENTO ADEQUADO. PRISÃO EM REGIME FECHADO. CADEIA PÚBLICA. IMPOSSIBLIDADE.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL OCORRENTE.

1 – Inexistindo estabelecimento adequado ao cumprimento da pena no regime determinado pela sentença (semi-aberto), não pode o condenado ficar encarcerado na cadeia pública da comarca, em regime fechado, sob pena de constrangimento ilegal, devendo ser imediatamente providenciada a transferência para estabelecimento ou local adequado ao cumprimento da pena nos moldes em que imposta.

2 – Ordem concedida.

RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES.

FONTE: DJ DATA: 05/03/2001 PG: 00243

O Estado tem o direito de punir quem desrespeita a lei, mas deve fazer isso de acordo com a lei.

A própria Constituição Federal diz no seu art. 5º:

LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

Não é o caso de afirmar que ocorreu excesso de prazo de prisão, ou excesso de quantidade de pena, mas sim um excesso de intensidade ou de falta de qualidade, na medida em que o autor foi condenado a cumprir sua pena já inicialmente no regime semi-aberto, de modo que não foi lícita a sua reclusão no regime fechado, devendo a regra acima ser por analogia utilizada.

Leia a íntegra da sentença.

TERCEIRA VARA CÍVEL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS-SP

Processo 1.848/00.

Vistos.

PAULO SÉRGIO NEVES propôs a presente ação de indenização contra FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, alegando encontrar-se preso na cadeia pública de São José dos Campos; que foi condenado pelo crime de receptação com previsão de início da pena no regime semi-aberto, que não está sendo observado porque o Estado não tem local adequado, de modo que por isso está em regime fechado; que há um indevido constrangimento; que no regime fechado fica impedido de trabalhar e isso lhe causa prejuízos materiais; quer liminarmente a sua remoção para o Quartel da Policia Militar ou pelo menos a concessão de regime albergue, estipulando-se multa por dia de atraso no cumprimento disso.

A contestação está a fls. 34 com liminar de incompetência absoluta, pois o pedido reza sobre execução de sentença criminal, que refoge ao âmbito cível, tanto que isso já foi tratado em um “habeas corpus” e agora aparece disfarçado de um pedido de indenização; que ocorre carência da ação. No mérito, alegou que o dano não é específico e nem quantificado; que não há prova do resultado do julgamento do “habeas corpus” e que o Estado não pode ser constrangido a instalar acomodações do agrado de quem vai cumprir uma pena.

A réplica está a fls. 39.

As partes foram intimadas a especificar provas e foi deferida a expedição de ofício à Vara das Execuções Criminais para informar a respeito do cumprimento da pena.

É o relatório.

Decido.

A petição inicial está longe de ser primorosa, pois nela há pedidos de natureza civil e pedidos de natureza penal, mais precisamente ligados à execução penal, que evidentemente não podem ser apreciados por este juízo, como a sua imediata transferência para outro estabelecimento prisional.

Porém, isso não é motivo para que todo o processo seja extinto. O que for aproveitável será aproveitado.

Não há, pois inépcia total da petição inicial.


No mérito, o pedido procede.

De fato, se estivesse o autor encarcerado no regime correto, poderia trabalhar durante o dia e recolher-se à noite, de modo que mensalmente estaria recebendo pelo menos um salário mínimo.

Como o autor está recolhido sob o regime fechado não tem como trabalhar e assim ter uma renda mensal para sustento de sua família e ainda reduzir a duração de sua pena.

A jurisprudência já se firmou de que é ilícita a manutenção do preso em regime mais gravoso do que aquele fixado na sentença, o que caracteriza constrangimento ilegal passível de habeas corpus, como se vê abaixo.

Superior Tribunal de Justiça

ACÓRDÃO: HC 14685/SP (200001102397) 382780 HABEAS CORPUS

DECISÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus. Votaram com o Ministro-Relator os Ministros Hamilton Carvalhido, Fontes de Alencar e Vicente Leal.

DATA DA DECISÃO: 06/02/2001 ORGÃO JULGADOR: – SEXTA TURMA

E M E N T A

PENAL. CONDENAÇÃO NO REGIME SEMI-ABERTO. FALTA DE ESTABELECIMENTO ADEQUADO. PRISÃO EM REGIME FECHADO. CADEIA PÚBLICA. IMPOSSIBLIDADE.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL OCORRENTE.

1 – Inexistindo estabelecimento adequado ao cumprimento da pena no regime determinado pela sentença (semi-aberto), não pode o condenado ficar encarcerado na cadeia pública da comarca, em regime fechado, sob pena de constrangimento ilegal, devendo ser imediatamente providenciada a transferência para estabelecimento ou local adequado ao cumprimento da pena nos moldes em que imposta.

2 – Ordem concedida.

RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES.

FONTE: DJ DATA: 05/03/2001 PG: 00243

VEJA: STJ – RHC 10227-DF, RHC 9855-SP, RHC 9295-SP

Superior Tribunal de Justiça

ACÓRDÃO: RHC 8597/SP (199900369513)

282067 RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

DECISÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs.

Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em conformidade com os votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso.

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, José Arnaldo, Edson Vidigal e Felix Fischer.

DATA DA DECISÃO: 05/08/1999

ORGÃO JULGADOR: – QUINTA TURMA

EMENTA

RHC. EXECUÇÃO. CONDENAÇÃO EM REGIME SEMI-ABERTO. CUSTÓDIA EM REGIME FECHADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.

I. Reconhece-se a ocorrência de constrangimento ilegal, demonstrado que o paciente, condenado a regime prisional semi-aberto, encontra-se recolhido no Distrito Policial local, em regime fechado, eis que não se pode exceder aos limites impostos ao cumprimento da condenação, sob pena de desvio de finalidade da pretensão executória. Precedentes.

II. Recurso provido.

RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP

INDEXAÇÃO: VIDE EMENTA

SUCESSIVOS: RHC 9921 DF 2000/0038033-4 DECISÃO: 06/06/2000 DJ DATA: 21/08/2000 PG: 00152 RHC 9782 SP 2000/0022292-5 DECISÃO: 04/05/2000 DJ DATA: 29/05/2000 PG: 00166

FONTE: DJ DATA: 06/09/1999 PG: 00095

Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo

CONSTRANGIMENTO ILEGAL – Réu condenado à pena de detenção – Cumprimento em regime fechado – Ocorrência: 94(b) – Ocorre constrangimento ilegal quando o agente condenado à pena de detenção em regime semi-aberto, é mantido sob regime fechado, mesmo que inexista vaga em estabelecimento prisional adequado, pois esta última modalidade prisional não se destina a detenção. (Habeas Corpus nº 237.338/5, Julgado em 10/12/1.992, 7ª Câmara, Relator: – Augusto César, RJDTACRIM 17/179)

Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo

OFICIAL: – “HABEAS CORPUS”. CONDENAÇÃO DE RÉU A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM REGIME INICIAL SEMI-ABERTO. EXPEDIÇÃO DE CARTA DE GUIA E RECOLHIMENTO EM CADEIA PÚBLICA, DE REGIME FECHADO. CUMPRIMENTO DE MAIS DE UM ANO E DOIS MESES EM REGIME MAIS GRAVOSO. AUSÊNCIA DE OFÍCIO À COESPE, SOLICITANDO VAGA NO REGIME ADEQUADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. CONCESSÃO DA ORDEM. POSSIBILIDADE. – ENCONTRA-SE SOFRENDO CONSTRANGIMENTO ILEGAL, PASSÍVEL DE CORREÇÃO POR VIA DO REMÉDIO HERÓICO, AQUELE QUE, CONDENADO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM REGIME INICIAL SEMI-ABERTO, ENCONTRA-SE HÁ MAIS DE UM ANO E DOIS MESES RECOLHIDO EM CADEIA PÚBLICA, EQUIVALENTE A REGIME FECHADO, SEM QUE TENHA SIDO EXPEDIDO OFÍCIO ALGUM À COESPE SOLICITANDO VAGA NO REGIME ADEQUADO, CINGINDO-SE AS PROVIDÊNCIAS JUDICIAIS À EXPEDIÇÃO DE CARTA DE GUIA E DE OFÍCIOS DE COMUNICAÇÃO. EM CASOS, TAIS, A ORDEM DEVE SER CONCEDIDA PARA DETERMINAR-SE A IMEDIATA REMOÇÃO DO RÉU AO REGIME A QUE CONDENADO. (HABEAS CORPUS Nº 326.390 – DATA JULG.: 24/08/1.998 – RELATOR: JOÃO MORENGHI – 12ª CÂMARA)


Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo

REGIME PRISIONAL – Existência de recurso exclusivo da Defesa – Permanência na modalidade fechada, do réu condenado à semi-aberta – Constrangimento ilegal – Ocorrência: 105 – Configura constrangimento ilegal a permanência do réu em regime fechado quando a sentença condenatória lhe impôs o semi-aberto para o cumprimento inicial da pena, pois, havendo somente recurso da Defesa, com trânsito em julgado para o Ministério Público, a decisão do Segundo Grau não poderá agravar-lhe o regime prisional fixado, sob pena de ocorrer a reformatio in pejus, vedada por força de princípio geral de direito. (Habeas Corpus n° 324.018/6, Julgado em 25/06/98, 15ª Câmara, Relator: Décio Barretti, RJTACRIM 40/331)

Tribunal de Justiça do Distrito Federal

PROCESSO: HABEAS CORPUS 20000020038285HBC DF

ACÓRDÃO: 133252

ORGÃO JULGADOR: 1a Turma Criminal DATA: 14/09/2000

RELATOR: P. A. ROSA DE FARIAS

PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do DF: 07/02/2001 Pág.: 58

REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS: FED LEI-7210/1984

RAMO DO DIREITO: DIREITO PENAL

E M E N T A

PENAL: REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA – AGENTE QUE CONDENADO AO REGIME SEMI-ABERTO CUMPRE SUA PENA EM REGIME FECHADO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL – ORDEM CONCEDIDA.

FOI O PACTE. CONDENADO A 5 (CINCO) ANOS E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME SEMI-ABERTO, MAS OS AUTOS INDICAM QUE O MESMO ENCONTRA-SE CUMPRINDO PENA NA 17ª DELEGACIA POLICIAL, O QUE CONTRARIA FRONTALMENTE OS ARTS. 31 E 41, DA LEP.

O MM. JUIZ DA VEC CONFIRMA A IRREGULARIDADE MAS TRANSFERE A RESPONSABILIDADE PARA O PODER PÚBLICO À VISTA DA RESPONSABILIDADE PELA TRANSFERÊNCIA DE INTERNOS SER DA RESPONSABILIDADE DA COSIPE – COORDENAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO DF.

O CERTO É QUE EVENTUAIS PROBLEMAS EXISTENTES NO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO DF NÃO JUSTIFICA QUE O PACTE. SE VEJA CONSTRANGIDO A CUMPRIR SUA PENA EM REGIME QUE NÃO LHE FOI IMPOSTO PELO JUIZ QUE PROLATOU A V. SENTENÇA CONDENATÓRIA.

NÃO PODE O PACTE. SER MANTIDO EM PRISÃO COMUM CUMPRINDO SUA PENA EM REGIME FECHADO, POIS O CONSTRANGIMENTO QUE DAÍ EMERGE É INSUPORTÁVEL PARA A ORDEM JURÍDICA E PRINCIPALMENTE PARA O APENADO, QUE TEM TODO O DIREITO DE CUMPRIR A PENA A QUE FOI CONDENADO NO REGIME ESTABELECIDO PELO MM. JUIZ DA CONDENAÇÃO.

ORDEM CONCEDIDA.

DECISÃO: CONCEDER A ORDEM, À UNANIMIDADE.

INDEXAÇÃO: CONCESSÃO, TRANSFERÊNCIA, RÉU, PRESÍDIO, OBSERVÂNCIA, SENTENÇA, REGIME SEMI-ABERTO, PREVISÃO LEGAL.

Pois bem, o constrangimento ilegal, a par de poder se considerado um ilícito penal, é também um ilícito civil e como tal gera o dever de indenizar, conforme art. 159 do Código Civil.

Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

O Estado violou o direito de o autor cumprir a pena desde o início no regime semi-aberto, de modo que cabe a indenização a título de reparação por lucros cessantes.

O Estado tem o direito de punir quem desrespeita a lei, mas deve fazer isso de acordo com a lei.

A própria Constituição Federal diz no seu art. 5o:

LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

Não podemos dizer que tenha havido um excesso de prazo de prisão, um excesso de quantidade de pena, mas sim um excesso de intensidade ou de falta de qualidade, na medida em que o autor foi condenado a cumprir sua pena já inicialmente no regime semi-aberto, de modo que não foi lícita a sua reclusão no regime fechado, devendo a regra acima ser por analogia utilizada.

Assim, julgo procedente em parte o pedido formulado por PAULO SÉRGIO NEVES contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, para o fim de condenar a ré a pagar em favor do autor a quantia de um salário mínimo por mês, desde a data da prisão do autor até que ele seja libertado ou colocado no regime prisional correto. O pedido de transferência deve ser feito perante o juízo competente. Em razão da procedência parcial, cada parte arcará com os honorários de seu patrono e suas custas.

P.R.I.

São José dos Campos, 31 de agosto de 2001.

JOSÉ LUIZ GERMANO

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!