WinXP e a Privacidade

Novo sistema operacional da Microsoft ameaça privacidade

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

31 de outubro de 2001, 19h38

O novo sistema operacional da Microsoft, o Windows XP, foi lançado mundialmente no dia 25 de outubro com bastante alarde na imprensa, com festa em Nova Iorque e promessa de melhorias. Pelo menos desta vez não “travou” na apresentação do Sr. Bill Gates.

Divulgado como revolucionário e muito mais estável que seus predecessores, pode ser encontrado em duas versões: Home e Profissional. Para a possibilidade de atualização (upgrade), é necessário possuir ao menos o Win 98 ou o Win ME. O Win 95 (e o DOS) vão ficando para trás, bem como o ME e o próprio Win 2000. Exige também um sistema robusto: Pelo menos um processador 266 Mhz e 64 mb de memória, com limitações. De forma ideal, um 300 Mhz e 128 mb em diante.

Mas será que o produto é tão milagroso quanto diz ser?

Vejamos. Ao analisarmos o “Contrato de Licença de Usuário Final” (o programa de computador é licenciado, não é vendido – Lei nº 9609/98) do Windows XP Home Edition Upgrade, temos o seguinte:

“Este produto usa medidas tecnológicas para proteção contra cópias – você não poderá usar o produto se não obedecer a todos os procedimentos de ativação do produto. Os procedimentos de ativação do produto e as declarações de privacidade da Microsoft são descritos durante a inicialização do produto. O contrato de licença deverá ser aceito para que você possa usar este produto. Caso você não concorde com os termos do Contrato de Licença, devolva imediatamente o produto para ser reembolsado.”

Os direitos de licença concedidos são limitados aos primeiros trinta (30) dias depois da instalação, a menos que sejam fornecidas as informações necessárias para ativar a sua cópia licenciada na forma descrita durante a etapa de instalação do produto. Depreende-se que, sem a ativação, o consumidor poderá usar o programa por trinta (30) dias e devolvê-lo, que será reembolsado.

Já segundo a Política de Privacidade do Microsoft Windows XP:

“É importante que você ative o Windows para que a Microsoft possa verificar se o produto que você instalou é genuíno. Para ativar o Windows, você não precisa enviar seus dados pessoais para a Microsoft. A ativação é completamente anônima.”

Devemos acreditar que não há coleta indiscriminada de dados, mesmo após os tristes ocorridos nos Estados Unidos, decorrentes do USA Act e adendos (Leis antiterroristas, que autorizam a devassa nas correspondências em tráfego e armazenadas e nas ligações telefônicas). Mas os habitantes da América nortista têm uma mentalidade diversa da dos habitantes Tupiniquins – concordam em sacrificar suas liberdades individuais em prol da segurança da nação. Algo que o Brasil não deveria tolerar.

“Durante a ativação, o Windows cria uma identificação de hardware exclusiva, que representa a configuração do computador no momento da ativação. A identificação de hardware não inclui dados pessoais, informações sobre os softwares e dados encontrados no computador, ou informações sobre a marca e o modelo do computador. A identificação de hardware especifica apenas o computador e é usada exclusivamente para fazer a ativação do produto. O Windows pode detectar e tolerar alterações na configuração do seu computador. Não será necessário fazer a reativação se houver pequenas atualizações, mas, se você alterar completamente as configurações do computador, provavelmente será necessária a reativação do Windows.”

O fornecedor é quem produz os drivers de seus dispositivos, e submete a Microsoft, que por sua vez certifica-os (Microsoft Hardware Compatibility Publisher – MHCP), se passar pelo crivo de qualidade e compatibilidade. Portanto, quanto mais programas não certificados forem instalados, maiores as chances de instabilidade, o que pode ser alegado pela MS em sua defesa.

“Durante a ativação, você também terá a chance de fornecer o seu nome e outras informações de contato, apenas se o usuário desejar registrar o seu produto com a Microsoft. Se você optar por registrar o produto, a Microsoft armazenará essas informações em um local seguro e elas não serão divulgadas externamente sem o seu consentimento.”

A ativação seria, portanto, obrigatória, e a cada mudança substancial no hardware, a Microsoft deverá ser notificada. Assim, a gigante irá criar um astronômico banco de dados que conterá hardwares e softwares mais usados, período do dia que o computador ficará ligado, quantas vezes por semana é utilizado, quantos programas piratas estão instalados e assim por diante. As opções são inimagináveis. E os crackers? O tal “lugar seguro” é um prato cheio.

Voltando à Licença de Uso:

“Ao instalar, copiar ou de outro modo usar o produto você estará concordando em vincular-se aos termos deste EULA. O Produto não poderá ser usado por mais de um (1) processador ao mesmo tempo em uma única Estação de Trabalho. Você poderá permitir um máximo de cinco (5) computadores ou outros dispositivos eletrônicos (cada um deles um “Dispositivo”) para se conectar à Estação de Trabalho para utilizar os serviços do Produto somente para serviços de Arquivo e Impressão, Serviços de Informações da Internet e acesso remoto (incluindo o compartilhamento da conexão e serviços de telefonia).”

Limitação de uso. A Microsoft já prevê a utilização dos Assistentes Digitais Pessoais (PDAs), como palmtops, celulares, câmaras fotográficas e MP3 players. E cada um dos softwares dessas empresas deverá ser certificado para garantir uma boa compatibilidade com o XP. Via de regra, poucas pessoas lêem o Contrato de Licença. Então estarão concordando tacitamente com todas as implicações trazidas pelo Termo de Adesão.

“Consentimento para Uso de Dados. Você concorda que a Microsoft e suas associadas podem coletar e usar informações técnicas reunidas de qualquer maneira como parte dos serviços de suporte ao produto fornecido a você, se houver, relacionados ao Produto. A Microsoft poderá usar essas informações somente para aprimorar os produtos ou para fornecer serviços personalizados ou tecnologias para você. A Microsoft poderá divulgar essas informações a terceiros, mas não de modo que possam identificar você pessoalmente.”

“Você está ciente e concorda que a Microsoft pode verificar automaticamente a versão do Produto e/ou de seus componentes que você está usando e pode fornecer atualizações ou correções para o Produto, que serão automaticamente descarregadas (“downloaded”) em sua Estação de Trabalho.”

Sempre se fala em divulgação apenas de “informações técnicas”. Porém, não restam dúvidas de que há a necessidade de vinculação da chave ativada com um usuário certo e determinado. Não faz sentido jurídico o contrato ser unilateral e uma das partes ser indeterminada. Isso traz óbvias e Importantes implicações também e principalmente no quesito privacidade. O que se quer fazer não é, necessariamente, o que poderá ser feito, pois entre estes dois estados do tempo encontra-se a ética. Eventualmente, o caso fortuito e a força maior, casos extremos.

A Microsoft e os provedores de conteúdo fazem uso da tecnologia de gerenciamento de direitos digitais (“Microsoft DRM”) contida no Windows XP para proteger a integridade de seus respectivos conteúdos, a fim de que não haja apropriação indevida da propriedade intelectual (incluindo os direitos autorais).

A concordância e aceitação do uso dessa tecnologia estão implícitas no programa da MS. E os proprietários desse conteúdo protegido poderão, ocasionalmente, solicitar a Microsoft que forneça atualizações relacionadas à segurança para os componentes de Microsoft DRM do Produto que possam afetar sua capacidade de copiar, exibir e/ou executar um Conteúdo protegido utilizando software Microsoft ou aplicativos de terceiros que empreguem Microsoft DRM.

O Digital Rights Management (DRM), ou Gerenciamento Digital de Direitos é obtido por meio da gestão de dispositivos tecnológicos destinados a proteger a obra intelectual de cópias indevidas. Para imagens, podemos citar a empresa Digimarc.com, que já vem disponibilizando essa tecnologia.

Este assunto foi abordado no tema “Direito Autoral na Web”, que expusemos no I Congresso de Direito e Internet do Brasil Central realizado em Brasília, 26-27/10. Uma das importantes implicações é estarmos rumando dos Direitos Autorais para o Direito Contratual, e a possibilidade de se desativar remotamente um programa de computador que esteja sendo locado.

Prosseguindo:

“A Microsoft e seus fornecedores fornecem o Produto e os serviços de suporte (se houver) no estado em que se encontram e com todas suas falhas, e se isentam de todas as outras garantias e condições, quer explícitas, implícitas ou legais (…)”

E “na medida do permitido pela legislação aplicável”, a Microsoft e seus fornecedores se isentam “de qualquer dano especial, incidental, punitivo, indireto ou conseqüencial” (incluindo mas não se limitando a danos por lucros cessantes, perda de informações confidenciais ou outras, interrupção nos negócios, lesões corporais (?), perda de privacidade, falha no cumprimento de qualquer obrigação, inclusive aquelas de agir de boa fé e com cuidados razoáveis (…). É o disposto no item 12. do Contrato de Licença. Maiores comentários se mostram desnecessários diante do bom-senso.

Por fim, e jocosamente até, a empresa diz que, “não obstante quaisquer danos a que você possa estar sujeito por qualquer motivo (inclusive lesões corporais advindas da explosão do computador?…), total responsabilidade da Microsoft e quaisquer de seus fornecedores sob qualquer disposição do EULA e seu recurso exclusivo para tudo o que foi mencionado (e salvo quanto a qualquer recurso de reparo ou substituição escolhido pela Microsoft com relação a qualquer violação da Garantia Limitada) serão limitados à quantia efetivamente paga por você pelo Produto ou U.S.$5,00 (cinco dólares norte-americanos), o que for maior.”

Não bastasse a dominação e o monopólio tecnológico (externo, diga-se de passagem), quer fazer crer a Corporação que o limite indenizatório seria apenas a devolução das quantias pagas “ou US$5, o que for maior”. Parece brincadeira, mas querem fazer crer que é sério.

Não bastasse o valor exorbitante da licença de uso dos softwares da Microsoft, a perseguição (aleatória?) a empresas e universidades e ameaças de cadeia por pirataria, bem como o pleito de multas altíssimas em se constatada a contrafação, a Corporação quer oferecer um produto “per se” e se escusar de qualquer responsabilização decorrente de suas práticas. Quer que paguemos. O que entregamos de graça não tem valor.

Com essa política, não só não estão conseguindo combater as cópias ilegais mas incentivando a adoção de alternativas como o Linux, o FreeBSB e o servidor Apache, entre outros.

Por todo o exposto, entendemos ser caso de abuso contra a privacidade (art. 5º, XII da Carta Magna) e abuso contra a ordem econômica (Lei nº 8.884/94). Inclusive tivemos conhecimento hoje que a Microsoft está bloqueando o acesso a seu portal de navegadores rivais (Netscape, Mozilla e Opera). Ironicamente, o browser da AOL não foi afetado.

O Brasil deve é fomentar o desenvolvimento e implementação de tecnologias nacionais que fujam dessa verdadeira armadilha tecnocrata. Não combateremos a exclusão digital desse modo.

A MS também faz uso de uma tecnologia de gerenciamento remoto de senhas e dados pessoais chamada Passport, que será objeto de um futuro artigo.

E recentemente, soubemos da criação da Wayback Machine, biblioteca criada para a preservação da memória da rede, e que poderá trazer substanciais mudanças no conceito de “domínio público”.

Devemos proteger nossa privacidade, nossas preferências pessoais. A informação é um bem muito valioso para ser disponibilizada dessa maneira. Devemos igualmente valorizar a liberdade de expressão e repudiar a censura injustificada.

Por fim, e diante da recente popularização dos weblogs ou blogs (a versão online dos diários, agora públicos – verdadeira “evasão de privacidade”), estamos rumando para um futuro cada vez mais digno de Orwell.

Seria esse o futuro ideal para criarmos nossos filhos e netos?

Autores

  • Brave

    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!