Editorial repudiado

OAB-SP responde críticas de editorial do Jornal da Tarde

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26 de outubro de 2001, 9h11

A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional paulista, divulgou nota para repudiar o editorial publicado pelo Jornal da Tarde no dia 25 de outubro sobre a Reforma do Judiciário. Segundo o presidente da OAB-SP, Carlos Miguel Aidar, a seccional não tem interesse em “sabotar” a Reforma do Judiciário.

“A OAB-SP entende que as 28 sugestões entregues pelo Superior Tribunal de Justiça contribuem para o debate, mas não constituem a solução inequívoca para a Reforma do Judiciário, que o citado editorial enfatiza”, disse Aidar.

O presidente da OAB-SP disse que o Conselho Federal da OAB cumpriu seu papel ao encaminhar ao senador Bernardo Cabral, relator da Proposta de Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário, as sugestões dos advogados.

Segundo Aidar, as sugestões servem de alerta para o Senado sobre “instrumentos jurídicos de cunho centralizador e autoritário que, se aplicados, trariam reflexos danosos à sociedade”.

Veja o editorial do JT e a resposta da OAB

O Jogo Corporativo da OAB

Uma semana após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter enviado ao relator do projeto de reforma do Judiciário 28 sugestões para modernizar as leis processuais, reduzir o número de recursos e agilizar a tramitação das ações, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) encaminhou ofício àquela corte se opondo a todas as suas sugestões e comprovando o que temos dito aqui desde sempre: as distorções do sistema que privam este país de Justiça não foram apenas fabricadas pelos advogados; têm sido, também, zelosamente mantidas por eles, porque sua principal função é render-lhes dinheiro fácil.

Nenhuma das propostas do STJ toca, de leve que seja, em qualquer questão que possa ser interpretada como um enfraquecimento da Justiça. Ao contrário, a base da reforma que propõe é a eliminação de processos e expedientes repetitivos, com a súmula vinculante; a redução dos recursos que fazem de qualquer causa um processo infindável (que, é claro, tem, obrigatoriamente, de ser tocado por advogados); e o reforço do controle interno do Judiciário, para reduzir abusos corporativos e corrupção. Nada que não faça parte de um diagnóstico velho de pelo menos 150 anos (Joaquim Nabuco foi o primeiro a formulá-lo) sobre as mazelas da Justiça que fazem deste o país da impunidade.

A OAB se insurge, por exemplo, contra a “argüição de relevância”, por meio da qual os casos vitais para o bom funcionamento da economia poderiam ser levados diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF), sem passar pelas instâncias inferiores. Com isso, governo e sociedade não teriam de esperar décadas por uma jurisprudência e o País poderia tocar sua vida. O argumento é o de sempre: isso acarretaria acúmulo de trabalho nas instâncias superiores (e desacúmulo nas inferiores, que é o que realmente os preocupa…).

Enfim, a OAB dá todas as demonstrações possíveis de que pouco se interessa pela qualidade da Justiça distribuída no País ou pelos prejuízos que todos sofremos por causa disso e que só lhe interessa saber como a ordem judicial servirá melhor à corporação que representa. Está sempre a favor de mais recursos (o que é igual a mais remuneração para advogados) e de processos complicados o suficiente para justificar sempre mais contratações de pessoal. Para descongestionar os tribunais não quer menos ações repetitivas; quer, invariavelmente, mais pessoal.

O resultado é a condição a que chegou a distribuição de Justiça no Brasil hoje. São tantas e tais as chicanas possíveis que ter dinheiro para pagar um advogado, hoje, é quase igual a comprar a impunidade. Se não houver jeito de se provar a inocência do culpado, ao menos se pode garantir que a execução de sua sentença será indefinidamente adiada, e que, se e quando for finalmente executada, poderá, sempre, ser drasticamente reduzida. Como ter segurança – física ou de negócios – num ambiente desses?

Veja a resposta da OAB

Senhor Editor: A OAB-SP repudia, com veemência, os termos empregados pelo editorial “O Jogo Corporativo da OAB”, publicado na edição de 25 de outubro do “Jornal da Tarde”. A Ordem dos Advogados do Brasil não tem qualquer interesse em “sabotar” a Reforma do Judiciário, especialmente por questões mercantis, como insinuado.

A OAB sempre propugnou pela mudança nos ritos processuais e na distribuição dos recursos processuais e pela ampliação das verbas do Poder Judiciário para agilizar e modernizar a Justiça Brasileira. Quem mais perde com os tribunais congestionados são os advogados que, em sua maioria, só recebem seus honorários finda a ação.

O enriquecimento fácil dos advogados não passa de um mito perverso, uma vez que a classe, a exemplo da sociedade brasileira, empobreceu ao longo dos sucessivos planos econômicos. Hoje temos 33 mil advogados atuando na Assistência Judiciária do Estado e recebendo honorários vis para defender os cidadãos mais humildes.

Agora, com a greve do Judiciário, as certidões que garantem estes ganhos também cessaram. Vale lembrar, ainda , que foram os advogados, no passado recente, que muitas vezes trabalharam graciosamente para garantir aos jornalistas sua liberdade de expressão, para que os fatos não fossem mais substituídos por receitas de bolos e versos de Camões, em tempos de regime autoritário.

A OAB-SP entende que as 28 sugestões entregues pelo Superior Tribunal de Justiça contribuem para o debate, mas não constituem a solução inequívoca para a Reforma do Judiciário, que o citado editorial enfatiza. O Conselho Federal da Ordem ao encaminhar ao senador Bernardo Cabral, relator da Proposta de Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário, as sugestões da Advocacia – constitucionalmente reconhecida como um dos lastros da administração da Justiça no Brasil – estava cumprindo sua função institucional de alertar o Senado sobre instrumentos jurídicos de cunho centralizador e autoritário que, se aplicados, trariam reflexos danosos à sociedade.

Portanto, julgar os advogados como culpados pelas mazelas na Justiça revela um espírito de vendeta, distante daqueles que querem informar a opinião pública e próximo daqueles que desejam apenas fazer chicana para defender interesses escusos. Quando a Reforma do Judiciário tramitava na Câmara dos Deputados, a OAB repudiou a Ação Declaratória de Constitucionalidade, por entender tratar-se de uma heresia jurídica, uma vez que na elaboração legislativa, a lei já traz em si a presunção de constitucionalidade.

É, exatamente, na sua aplicação direta e na discussão perante o juiz de primeiro grau, que se irá verificar efetivamente se esta lei é ou não constitucional. A ação declaratória foi excluída do relatório da deputada Zulaiê Cobra Ribeiro e a OAB entendeu que cumpriu o seu papel. É dentro desse mesmo espírito que a Ordem rebateu, recentemente, as propostas encaminhadas pelo STJ, justificando suas razões, que deveriam ter sido lembradas pelo editorialista, para que a própria sociedade julgasse os argumentos de ambas as partes.

A introdução do mecanismo da súmula vinculante, apontada no editorial como panacéia contra a indústria dos recursos, na verdade, não terá efeito imediato na contenção dos mesmos. Só servirá para criar subordinação dos juizes das instâncias inferiores, para automatizar as decisões e impedir a evolução da jurisprudência, ao limitar a criação de novas teses ensejadora na obtenção de uma justiça mais modernizada. O próprio Ruy Barbosa já afirmava que, ao defender a necessária independência do magistrado, garante-se os direitos dos cidadãos.

Quem ganha com súmula vinculante? Certamente não será o jurisdicionado. E a posição contrária da OAB-SP à súmula vinculante é endossada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil. Outra questão relevante para a OAB-SP, levantada no editorial, é referente ao controle do Judiciário. Ao defender o controle “interno” do Judiciário, como forma de coibir os abusos corporativos e a corrupção, o editorial está endossando a solução pela metade.

Se isso bastasse, casos como do escândalo do Fórum Trabalhista de São Paulo não deveriam ter acontecido porque já há um controle interno atuando na Justiça Brasileira. A sociedade civil e a OAB-SP clamam por um controle externo do Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça, proposto no âmbito da Câmara Federal, seria composto por membros da Magistratura, Advocacia, Ministério Público e sociedade civil. Teria poderes para fiscalizar a aplicação de verbas e decretar a perda de cargos.

A proposta do STJ, de um controle realizado apenas por membros do Judiciário, não terá a independência e isenção necessárias. E, ao contrário do que diz o editorial, isso não é pragmatismo, é corporativismo. O editorial também critica a OAB por não aceitar a “argüição de relevância”. Talvez o editorialista não saiba que esse instrumento foi empregado por mais de uma década pelo Supremo Tribunal Federal.

Evidenciou, apenas, a concessão de poder aos ministros para dizerem, subjetivamente, o que desejavam julgar. Conclusão, o constituinte de 1988 criou o STJ, que passou a julgar os recursos onde se pretende demonstrar violência à lei federal e retirou-se do texto constitucional a previsão de instrumentos, como a argüição de relevância.

Para que o Brasil, deveria assumir como grande idéia uma proposta que já se mostrou ineficaz? Isso seria um retrocesso. Diante do exposto, ensejamos pela publicação da presente carta.

Atenciosamente,

Carlos Miguel Aidar.

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