Conclusão

Advogado questiona adoção de súmula vinculante

Autor

25 de outubro de 2001, 14h08

A súmula vinculante é um dos principais pontos da Reforma do Judiciário (PEC 29/00), que está no Senado já em fase adiantada. O senador Bernardo Cabral (PFL-AM) apresentará o relatório à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

É incontestável que o processo judicial deve ser realizado com eficácia e velocidade. O desenvolvimento e encerramento de uma ação têm que ocorrer no menor prazo possível para que a paz jurídica seja restabelecida rapidamente. Assim, o cidadão terá o seu direito assegurado e os prejuízos serão evitados.

Para defender a adoção da súmula vinculante, os seus defensores sustentam que a implantação de tal efeito traria maior agilidade e rapidez na efetivação da tutela jurisdicional, pois evitaria manobras protelatórias e morosidade processual. Os opositores da adoção, por outro lado, sustentam que o princípio da celeridade processual deve, como qualquer outro preceito, ser analisado em conjunto com os outros princípios, haja vista a necessidade de proporcionar uma correta prestação jurisdicional.

Este princípio não pode prejudicar os preceitos da veracidade e da utilidade, sob pena da prestação jurisdicional trilhar o defeituoso caminho da ética de resultados, em detrimento à ética de princípios. A celeridade processual é por demais importante e deve sempre ser perseguida, sem prejuízo aos demais princípios jurídicos.

É óbvio e não se pode negar que, com a inserção da súmula vinculante em nosso sistema jurídico, teríamos uma rápida resposta judicial.

O problema da lentidão da Justiça não é um fenômeno brasileiro. É apenas globalizado. É decorrente do exercício pleno do direito de cidadania, cada vez mais de reconhecida dimensão e amplitude, acompanhando o crescimento e o desenvolvimento da própria civilização.

No caso brasileiro, o crescimento do número de ações judiciais que se avolumam geometricamente nos Tribunais tem relação direta com o exercício do direito de cidadania assegurado pela CF (art.1º, inciso II). A nossa cultua é a de só confiar no Poder Judiciário como nosso único e exclusivo árbitro.

Quando se institui outras formas de solução do conflito, como por exemplo o das Comissões de Negociação Prévia, o vício de origem contagia todo o bom propósito, ou seja, a Lei 9958/2000 em vez de assegurar proteção ao crédito alimentar trabalhista, permite que os maus empregadores que não cumprem a legislação protetiva do trabalho humano de liquidar seus passivos trabalhistas até por uns valores vis, irrisórios perante essas criadas Comissões de Negociação Prévia que tem o privilégio legal de emprestar efeito liberatório geral (Lei 9958/2000, art. 625-E), mesmo das parcelas que sequer foram discutidas perante a comissão.

As opiniões a respeito da adoção da súmula vinculante são as mais antagônicas possíveis. De um lado, alguns magistrados, levados pelo acúmulo de trabalho (recebendo cada vez mais e mais processos para julgar), advogam a adoção da súmula vinculante.

De outro, a sustentação de que o Estado tem o dever de atender inteiramente aos jurisdicionados, na garantia do seu exercício pleno do direito à cidadania, à completa prestação jurisdicional. A criatividade do magistrado das instâncias inferiores não pode ser “capada”.

Esta posição decorre da justificativa plausível de que o juiz por estar mais próximo do povo, da comunidade onde vive e por ser detentor de exemplar sensibilidade social, melhor condições tem de entregar a equilibrada, necessária e “Justa Justiça”, tão desejada, buscada, esperada e perseguida por todos, sem invasão da interveniência dos demais poderes no Judiciário, dentro da visão de separação de poderes traçados por Montesquieu. “O parlamento legisla, o rei governa e os juízes julgam de acordo com a vontade da lei”.

Dentro dessa mesma macro-visão, salutar relembrar a salutar e sábia lição equilibrada de Carlos Maximiliano, ao examinar o magnânime papel que a sociedade atribui ao juiz, que deve ser livre para julgar, sem amarras, preso apenas às suas convicções e às provas dos autos, não podendo portanto ficar preso, asfixiado, engessado, subordinado ao texto frio da lei, sem vida e nem mesmo a um entendimento sumular.

“Não pode um povo imobilizar-se dentro de uma fórmula hierática por ele próprio promulgada; ela indicará de modo geral o caminho, a senda, a diretriz; valerá como um guia, jamais como um laço que prenda, um grilhão que encadeie. Dilata-se a regra severa, com imprimir elasticidade relativa por meio de interpretação. Os juízes, oriundos do povo, devem ficar ao lado dele, e ter inteligência e coração atentos aos seus interesses e necessidades. A atividade dos pretórios não é meramente intelectual e abstrata; deve ter um cunho prático e humano; revelar a existência de bons sentimentos, tato, conhecimento exato das realidades duras da vida.” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1996, 16ª edição, p. 60)”.

No mesmo sentido, ainda, relevantes são as conclusões do renomado doutrinador pátrio e juiz do Trabalho, Jorge Luiz Souto Maior, trazendo luzes à discussão dessa tão relevante discussão, dados os efeitos nefastos que poderá ocasionar contra o necessário e livre desenvolvimento do próprio direito.

“As súmulas vinculantes, na minha concepção não têm nenhum mérito. A segurança jurídica não é motivo para vedar a oxigenação do direito. O direito depende dela para sobreviver. Soluções rápidas, a custa desse oxigênio, não são um avanço e sim o começo do fim do estado de direito, o primeiro passo para a implantação de regimes ditatoriais. A história está aí para bem demonstrar isto. Os regimes de Stalin, Mussoluni e Hitler se apoiaram em tal “segurança” e na supremacia dos “interesses nacionais”.

Nem mesmo a regra do precedente do sitema anglo-saxão segue a mesma lógica do sistema das súmulas vinculantes. A técnica dos precedentes (stare decisis) tem sentido no sistema da commum law” porque”. como o próprio nome diz o direito é o direito feito pelos tribunais. É a regra legal estabelecida pelo juiz. É óbvio que os juízes estão subordinados a esta regra, da mesma forma que os juízes da civil law estão subordinados à lei feita pelo legislativo.

Mas os dois podem interpretar a lei e aplicá-la aos casos concretos com liberdade e independência e mesmo criticar a posição majoritária. Grandes avanços no direito norte-americano se deram a partir de votos vencidos, transcritos nos grandes arestos da suprema corte americana. As decisões judiciais contraditórias são o pulmão de uma sociedade verdadeiramente democrática. Conviver com a democrácia não é fácil, não é simples, mas é preciso fazê-lo”. (JORGE LUIZ SOUTO MAIOR, juiz do Trabalho, Titular da 3ª Vara de Jundiaí/SP, Livre-Docente em Direito do Trabalho pela USP, Professor Universitário).

Na mesma linha de entendimento, Ivan Alemão (juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de São Gonçalo, autor dos livros “Garantia do Crédito Salarial”, Direito das Relações do Trabalho” e “Execução do Devedor, Satisfação do Trabalhador”), tem opinado que: “As Súmulas Vinculantes são uma espécie de lei que pode ter efeito retroativo, acaba com a divisão de poderes, e põe a perder tudo aquilo que a própria burguesia conquistou desde a Revolução Francesa. O legislador por mais ignorante que seja é eleito, diferente do P.Judiciário. Há um discurso de celeridade que carrega escondido o gosto do poder”.

Dois outros notáveis Juízes do Trabalho, LUIZ ALBERTO DE VARGAS (doutorando em Barcelona) e RICARDO CARVALHO FRAGA na monografia que juntos elaboraram, examinam a questão de como essa discussão do acúmulo de processos nos Tribunais tem sido resolvido.

“Se discute muito o paradigma da Suprema Corte americana, que se exime de julgar todos os casos, mas que escolhe escrupulosamente que caso elegerá para serem modelares para toda a jurisprudência americana.

Na Europa, também, cada vez se discute mais obre o esgotamento da capacidade operativa dos Tribunais Constitucionais para darem conta de todas as questões de constitucionalidade. A experiência recente da Itália parece indicar que, cada vez mais, a solução é tornar o juiz de instâncias inferiores mais responsável pela decisão, remetendo-se a ele a decisão dentro de determinados parâmetros e reservando-se a decisão pelo Tribunal Constitucional para casos especiais”.

A questão da adoção ou não da súmula vinculante portanto não é de fácil solução, com uma visão simplista de apenas acabar com o grande número de processos que se acumulam cada vez mais nos Tribunais Superiores, necessitando de um exame mais preciso e criterioso. Um exame da totalidade de todos os elementos integradores da referida questão.

E isso só é possível, através da utilização do método “eslético”, ou seja a do estudo de toda a inteireza do objeto discutido e não a do exame apenas de parte do todo, ou da sua bipolaridade, a dialética, eis que não fosse o domínio da “eslética”, os cientistas certamente não teriam conseguido entender e descobrir o próprio genoma.

A questão não se resolve, portanto, adotando-se a súmula vinculante para atender aos interesses de julgadores em contrariedade aos interesses e direitos dos jurisdicionados. No exame dessa questão não se pode sequer deixar de lado o exame dos efeitos maléficos gerados pela política neoliberal globalizadora que impõe que o direito do trabalho se amolde às novas exigências do mercado produtivo, flexibilizando e precarizando os direitos trabalhistas e sociais, já que o modelo econômico mundial globalizado imposto pelas transnacionais inverte as diretrizes traçadas pelo constituinte de 1988.

Em vez de a prevalência do social em detrimento do mero interesse particular do lucro, passa-se a dar prevalência aos interesses econômicos do capital alienígeno, ao assumir a postura privacionista então adotada no sentido de que a sociedade do futuro seria a sociedade do 1/5, não havendo, em conseqüência, perspectivas de integração para os 4/5 excluídos. O relatório é de Hans-Peter Martin e Haral Schumann.

Os dados da reunião então realizada no Hotel Fairmont, em 1995, na cidade de San Francisco, entre chefes de Estado, economistas e empresários, onde definiram os novos rumos da economia mundial, como se extrai da monografia elaborada por JORGE LUIZ SOUTO MAIOR, Juiz do Trabalho, Titular da 3ª Vara de Jundiaí/SP, Livre-Docente em Direito do Trabalho pela USP, Professor Universitário, no seu trabalho – MODERNIDADE E DIREITO DO TRABALHO – divulgado pela Editora Plenum, de Porto Alegre.

Dentro, pois, dessa inversão de prioridade, em contradição com os primados constitucionais, há que se examinar antes da aprovação da Reforma do Judiciário, a reforma do Estado na sua globalidade e em especial a reforma fiscal, que se ainda não foi aprovada, se deve ao total desinteresse do Executivo Federal, que não quer correr o risco de perder arrecadação. Tudo isso porque com a sistemática atual consegue arrecadar cada vez mais em detrimento da política exigida pelo “exportar ou morer” do FHC.

Tanto isso é verdadeiro, que vem a público o deputado Aécio Neves, presidente da Câmara dos Deputados, informar à imprensa que a reforma fiscal só mesmo para o ano 2003. Somente com a aprovação da nova política fiscal é que se poderá dimensionar qual o tamanho do papel do Estado e por óbvio, qual o tamanho que se quer da Justiça, mormente a do Trabalho, que tem declinado até mesmo do seu constitucional direito de exercer o “poder normativo”, sob o ponto de vista neoliberal de que o conflito entre o capital e o trabalho deva ser resolvido na mesa de negociação pelas partes interessadas, dando-se inclusive sustentação jurídica, pela jurisprudência, da prevalência do negociado sobre o legislado.

Percebendo a inteireza de toda essa complexidade, a ministra do STJ, Eliana Calmon, em entrevista publicada na Revista Consultor Jurídico (www.conjur.com.br) a respeito do seu entendimento sobre a Reforma do Poder Judiciário, afirmou que é importante a aprovação. Mas não no momento, pois a considera precipitada.

“O Brasil atravessa uma mudança radical. Nós precisávamos primeiro fazer uma reforma política para depois da reforma política nós fazermos a nossa reforma fiscal. Porque o que dá respaldo à estrutura organizacional de um país é exatamente o dinheiro que arrecada. A partir daí, com essa reforma política, com a reforma administrativa, que já começou, e com uma reforma fiscal-tributária, nós teríamos exatamente o tamanho do país ideal, aí nós partiríamos para reformar o Judiciário dentro desse contexto já estruturado. Como está, nós temos dificuldade até de mexer na Reforma do Judiciário”.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!