Boris Casoy x Toron

Advogado afirma que imprensa cumpre papel 'deseducador'.

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24 de outubro de 2001, 18h40

A respeito da matéria denominada “Jornalista defende apresentador da TV Record”, publicada em 22/10/2001 na Revista Consultor Jurídico, tenho seguinte a declarar:

Todo grande criminoso, ou, corrigindo, todo acusado de grande crime envolvendo valores (para não adotar o pré-julgamento tão comum na imprensa ou nos juízes de pulso fraco), pagaria o advogado com o que seria em tese o produto do crime, não fosse o princípio constitucional da presunção de inocência.

A imprensa, alguns juízes, e até o MP (o MP é visto com muita simpatia pela imprensa devido ao papel denunciador que exerce, avizinhando-se, ainda que involuntariamente, ao jornalismo) esquecem amiúde este princípio, havendo casos em que os jornais macularam a honra de pessoas inocentes e depois, quando se provou que tudo não passava de escândalo e boataria, simplesmente silenciaram.

Salvo honrosas exceções, quase sempre a imprensa não concede aos necessários desmentidos o mesmo destaque aplicado a eventuais ofensas; mais grave ainda é o proceder de juízes quando permitem essa desproporção nas ações que reivindicam o direito de resposta, igualmente assegurada na CF/88.

Boris Casoy, por brilhante que seja, mergulha na mesma tônica deformadora, ao dizer que o advogado do “juiz Lalau” está sendo pago com dinheiro público, insinuando com isso que o dinheiro supostamente desviado por “Lalau” seria aquele com que se paga o advogado.

Do ponto de vista lógico a dedução poderia até ser esta, mas a lógica opera, obrigatoriamente, com valores iniciais para as construções que edifica; o valor adotado como premissa revela-se, no presente caso, falso ou infirmado, pois admite sumária e previamente a condição ilegal de todo o dinheiro que possa usar o réu, quando justamente será tal legalidade ou ilegalidade o objeto da apuração judicial.

Como jornalistas desconhecem os rudimentos da ação penal, confundem a existência de elementos que simplesmente obrigam o MP à denúncia com condenação irrefutável e definitiva, esculpindo o retrocesso aos tempos mais implacáveis do direito penal, quando a simples evidência de nexo causal já era suficiente para o apelamento. A imprensa cumpre assim papel deseducador, uma vez que estimula o pensamento imoderadamente, sem o exercício da reflexão. O linchamento permanece assim, na ordem do dia.

Relativamente ao MP, será sempre imperdoável que eventualmente alinhave forças com a imprensa na propagação acusatória, num lamentável circo justiceiro (“justiceiro” é bem diferente de judicial e justo).

Como fruto da ignorância não somente jurídica, mas histórica, a todo o momento irrompem na imprensa análises perfunctórias sobre as “filigranas jurídicas”, “recursos ardilosos”, “manha de advogados” e “labirintos processuais” e outros temas adotados de forma inadvertida como chavões, sem o entendimento de que a ampla defesa somente é possível através do devido processo legal, no qual se concentram as formas; estas formas resultam de muito tempo de amadurecimento e evolução social, e não da “velhacaria” forense.

As formas e os recursos, no processo, são elementos garantidores da liberdade e da democracia; para o conhecimento das razões que inocularam as formas processuais, é de bom alvitre dizer que as faculdades de jornalismo deveriam ter como matéria obrigatória algumas disciplinas básicas do curso de direito, para não incorrerem os jornalistas em erros elementares quando externam sua crítica.

Casoy afirma que é o dinheiro público que pagará o advogado. Bem, não fosse o dinheiro “do réu” seria com os préstimos de um defensor público, ou seja, aí sim verdadeiramente com dinheiro público. Onde então chegaria Boris Casoy? Afirmaria que não merece defesa o réu? Não acreditaria em tal primarismo por parte de Boris Casoy…

Qual seria solução de Casoy, uma vez que ele tem de ser defendido por alguém? Qual é, então, a razão para o comentário sobre o advogado, ainda que não o desabone diretamente? Indago também se há alguma vergonha em defender o pior dos réus…

Todo leigo, quando vê o advogado de um criminoso que tenha cometido um crime violento, despudorado ou de grande repercussão se pergunta: “como pode um advogado defender um criminoso que fez tal coisa? não tem vergonha? esses advogados são uns…”; responda-se que o advogado é instrumento de justiça ao viabilizar o sagrado direito de defesa, inibindo a fúria punitiva que a passionalidade induz, refreando o espírito vingativo que conduz ao erro.

Sempre há o que possa ser dito em favor de alguém, e defender o pior dos criminosos jamais será desonra para nenhum advogado, mas, ao contrário, contribui ele assim para a salvaguarda da dignidade humana na medida em que erige uma sociedade baseada num espírito de justiça, oposta à barbárie que engendra o crime. Não cabe portanto ao advogado tecer condenações ou se retrair, na defesa de seu cliente, pelo espectro alarmante dos atos cometidos por este. Lembremos as palavras de um Mestre:

“A defesa não quer dizer o panegírico da culpa ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos legais”.

(Rui Barbosa, em “O dever do advogado” – apud Enciclopédia Jurídica de Leib Soibelman)

O advogado não pode ou não deve ignorar ou querer inverter os princípios mais elevados de bondade e convivência humana para tentar justificar toda e qualquer ação; seu papel é ante tudo equilibrar a relação processual como um contra-peso da acusação, purificando os autos de eventuais paixões que conduziriam o processo para uma verdadeira vala negra. Muitas vezes os autos contrariam uma primeira impressão…

Muitos jornalistas, certamente, folgariam com que as togas fossem, em determinadas situações, como seus teclados, ou seja, instrumentos de uma vingança paladina. Felizmente ainda há tribunais que nos protegem disso.

Finalizo com a seguinte citação:

” “Não tenho em grande conta as pessoas da lei. No meu fraco entender, os advogados não parecem mostrar tanto interesse em fazer justiça, quanto em ganhar um processo”.

Henry Miller. O fabuloso escritor evidentemente não tem mínima noção do papel do advogado, confundindo-o com o do juiz. Quem faz justiça é o juiz, não é o advogado.”

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