Bóris X Toron

Caso Nicolau: críticas de Bóris a Toron são injustas, diz acadêmico.

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23 de outubro de 2001, 19h07

O criminalista é uma das figuras mais emblemáticas da Advocacia, mas, justamente por estar em evidência, atuando em causas de grande comoção social, também é o profissional do Direito que mais sofre (injusta) reprovação social, fruto da ignorância da opinião pública que, ao confundir o advogado criminalista com seus clientes, desde logo considerados criminosos, olvida a importância do mister desse profissional.

Em seu brilhante artigo “Advogado criminal, esse desconhecido”, Antonio Evaristo de Moraes Filho (I) já relatava essa situação, ao se reportar ao assombro que causou à imprensa o fato de a advogada Eni Moreira, que defendera perseguidos políticos durante a Ditadura, estar defendendo, à época, pessoa acusada de ser o fraudador-mor da Previdência Social.

Em episódio mais recente, pode-se citar toda a celeuma causada pelas declarações do jornalista Bóris Casoy a respeito do advogado do juiz Nicolau, Alberto Zacharias Toron, que geraram uma indenização por danos morais e a aprovação de uma sessão de desagravo por parte da OAB, além de manifestações de apoio, ora ao jornalista, ora ao advogado.

A incompreensão e as pressões que o criminalista enfrenta em seu dia-a-dia refletem os inúmeros dilemas de ordem moral por que passam aqueles que cogitam exercer a advocacia criminal ou mesmo profissionais que já atuam na área. Entre os acadêmicos de Direito, quando perguntados de sua futura atividade, é comum obter como resposta que ainda não se decidiram, que poderão atuar em qualquer área, “menos criminal”.

Mais do que uma questão de gosto pessoal, essa repulsa revela um desconhecimento sobre o papel da advocacia, e em especial da advocacia criminal, para o Estado Democrático de Direito. Com efeito, se o advogado atuar de acordo com a lei e com a ética profissional, por mais horrendo que seja o crime e por mais que o cliente seja culpado, a sua atuação profissional é digna de aplausos.

É corolário do devido processo legal que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV, CF). Assim, a sociedade moderna tem por fundamento que ninguém será considerado culpado por um crime sem que se siga o processo estabelecido em lei, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, CF), o que engloba a autodefesa e a defesa técnica.

Aqui se insere a figura do advogado, na qualidade de defensor técnico, que além promover a defesa de mérito de seu cliente, irá zelar pelo cumprimento do devido processo legal e, conseqüentemente, dos princípios democráticos e da dignidade humana. Por isso que a Constituição Federal insere a advocacia entre as funções essenciais à justiça e eleva o advogado à posição de “indispensável à administração da justiça” (art. 133 CF).

Tanto é assim que o Código de Processo Penal estabelece, em seu art. 261, que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”, o que implica dizer que a defesa técnica, desempenhada pelo advogado, é indisponível, não podendo o réu dispensá-la.

Destarte, ao contrário do que pensa grande parte da população, não há nada de imoral no fato de o criminalista aceitar a defesa de um acusado, ainda que efetivamente criminoso. Ao contrário, a atuação do advogado em defesas criminais é algo louvável, dada a sua importância para o cumprimento dos direitos fundamentais de todo cidadão.

Ademais, sem a atuação do advogado, ninguém poderia ser considerado culpado e pagar pelo seu crime, pois nulo seria o processo em que o réu não pudesse exercer seu direito de defesa.

Ainda, a defesa realizada pelo advogado não se restringe à negativa de autoria, mas também assegurar que, caso o cliente comprovadamente seja culpado, este receba a pena justa, ou seja, que não receba uma punição excessiva (dentro dos critérios estabelecidos em lei).

O Código de Ética e Disciplina da OAB dispõe, em seu art. 20, que o advogado deve se abster de patrocinar causa contrária à moral e a ética. Então, não seria antiético defender alguém que se sabe ser culpado?

Não, por vários motivos. Primeiro porque, como dito alhures, ninguém poderá ficar sem defesa e o advogado, defendendo o criminoso, nada mais está fazendo do que cumprir sua missão constitucional e, como asseverou Rui Barbosa, não há causa indigna de defesa<acronym title="II Apud AIDAR, Carlos Miguel. Importância do advogado criminalista. Consultado na Internet em . Acesso em 08 de maio de 2001″> (II) .

Em segundo lugar, o próprio Código de Ética e Disciplina, no artigo seguinte (art. 21), estabelece que “é direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado”. Apesar de sua importância, a maior parte da doutrina reserva poucas linhas a este mandamento, mas há algumas observações que merecem ser feitas.

Nota-se que o Código de Ética coloca a assunção da defesa criminal como um direito e como um dever. Nesse ponto, a maioria dos autores afirma ser obrigatória a aceitação da causa criminal sob o prisma ético, chegando-se a sustentar a impossibilidade de o advogado alegar razões de consciência para se recusar a defender um acusado (III) .

Contudo, o mais prudente seria admitir a recusa se estivesse presente uma justa causa, desde que houvesse outro profissional para assumir a defesa do acusado. Por exemplo, se um advogado acaba de ter sua filha estuprada, provavelmente não terá condições psicológicas para desempenhar bem a defesa de um acusado de estupro, de modo que, se existem outros profissionais, não há por que exigir (eticamente) que aquele advogado em específico patrocine a defesa do acusado.

Ainda, o art. 21 do Código de Ética e Disciplina giza que o advogado deverá assumir a defesa criminal “sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado”. Isso significa que é dever do advogado alegar tudo o que for favorável ao seu cliente, pois este é o seu papel no processo, equilibrando as forças entre a pretensão estatal e o jus libertatis.

O papel de acusador cabe ao promotor e o de julgador ao juiz. Se o advogado passar a desempenhar as funções destes, corre-se o risco de, em vez de se promover a justiça, ver se realizar a injustiça pela deficiência da defesa. Ademais, a realidade não é maniqueísta e ninguém é totalmente bom, nem totalmente mau, inclusive o criminoso.

Por outro lado, o fato de o advogado não considerar sua convicção pessoal sobre a culpa do cliente não permite que se utilize de qualquer expediente para a obtenção da vitória judicial. Nesse aspecto, o art. 6º do Código de Ética e Disciplina assevera que “é defeso ao advogado expor os fatos em juízo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé”.

Todavia, se ao advogado é defeso mentir, o mesmo não se pode dizer da omissão de fatos prejudiciais à defesa do cliente, pois ele tem o dever perpétuo do sigilo profissional, que só poderá ser rompido em situações excepcionalíssimas.

Por vezes, o advogado poderá se frustrar em ver o cliente, que realmente é culpado, livrar-se solto por causa de uma falha legislativa ou processual. Nesse momento, há de ter consciência que, como defensor, nada mais fez do que cumprir o seu múnus e pior que a impunidade de um culpado é a condenação de um inocente. Contudo, isso não impede que o advogado, como cidadão e como profissional do Direito, se revolte e lute por mudanças contra a injustiça.

O mesmo remédio que cura pode matar. Da mesma forma, a advocacia, se exercida com consciência profissional, à luz de sua missão constitucional e da ética, é apanágio da Democracia, mas, se mal exercida, torna-se instrumento da impunidade. O criminalista, exercendo seu mister de modo ético, presta um relevante serviço público, mesmo quando desagrada a opinião pública, e principalmente nesta situação, basta lembrar que Jesus não teve quem lhe defendesse contra o clamor da multidão e, então, Pilatos lavou as mãos…

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