Soberania

Proteção ao trabalho é um direito dos povos livres

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13 de outubro de 2001, 11h27

Sábio o adágio popular ao recomendar prudência: “Jamais prive uma pessoa de esperança, sendo bem possível que nem tenha mesmo outra coisa em que acreditar”.

A Doutora Luzia Chaves Vieira (Especialista em Direito Processual Civil e doutoranda em Ciências Jurídicas Y Sociales, pela Universidad del Museo Social Argentino e Universidade do Sul de Santa Catarina, atualmente professora no Centro Universitário do Triângulo – Uberlândia – MG), no artigo RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA, (Juris Síntese nº 19 – SET/OUT de 1999), nos traz constatação histórica-evolutiva: “Na ordem da natureza só o futuro é incerto e esta própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira de nossa fraqueza”.

O homem é ser de localidade. Nômade no início, criou raízes, estabeleceu limites, fincou marcos, dominou a produção de alimentos. Constatou que a vida era mais fácil produzindo alimentos, do que os procurando de forma nômade, constatou que para a produção eficiente era necessário unir-se a outros da sua espécie. Aí teve início a sociedade humana; aí no solo demarcado (ainda sem fronteiras; na medida em que o solo se tornava improdutivo, os limites eram ampliados: não havia qualquer técnica: apenas a constatação de que em se plantando, nascia…) teve início a Nação – a mãe da coletividade, a que todos deviam respeito. A Nação era e é motivo de orgulho. Havia, portanto, na nascente sociedade, interesses comuns a serem administrados; e aí nascia o Estado, a que todos deviam respeito e obediência. O Estado era e é o Pai; todos devem se submeter à sua autoridade.

O homem – ser inteligente – sempre teve o desejo de uma vida melhor, mais confortável, mais produtiva; sua capacidade de criação, de produção é ilimitada (os computadores, a sociedade em rede, o genoma, etc… são apenas fases da evolução; daqui para frente teremos muito mais!…).

No início, diante dos perigos constantes a que estava exposto, o homem sempre teve o sonho de encontrar horizonte melhor: a conquista da liberdade (direto de ir, vir, permanecer e ficar), da vida em sociedade, e da possibilidade da exteriorização das potencialidades individuais, que permitem ao ser a efetiva integração comunitária. Para isso, o Estado teve parcela importante, administrando, criando e codificando leis de garantias individuais, dizendo respeito à vida, à segurança, à cidadania. É claro que no início, esses direitos se referiam apenas àquela comunidade. Eram normas de convivência e de proteção contra agressões dos invasores, que, ao atacar o agrupamento, atentavam contra a liberdade e a vida da célula familiar e da comunidade.

O Estado, ao longo da história, teve sempre esse objetivo, qualquer que tenha sido a forma de administração: por conselho de anciões, por sacerdotes, por homens-deuses, por faraós, por reis, por imperadores, por tiranos, etc…

Os administradores podem até ter-se desviado dos objetivos (e se desviaram inúmeras vezes, incontáveis vezes!…), mas o objetivo continua e continuará sendo a promoção do bem comum.

Consta d’A Bíblia que o povo de Israel, desiludido com os desvios e avareza dos filhos de Samuel, e diante de sua idade já avançada, pediu que lhe fosse indicado um rei para o governar (Samuel versículo 8). Aquela estava de certa forma organizada: se o rei agonizava, a vida da sociedade não podia agonizar com ele. A dinâmica social exigia continuidade administrativa. O estágio evolutivo ainda estava no início; e aí o rei apenas estava abaixo de Deus: podia se apropriar do melhor das lavouras de seus súditos, de suas filhas (para companheiras de leito, perfumistas, cozinheiras e padeiras, etc…), mas era respeitado e admirado pelos súditos, que viam nele a proteção, a segurança e capacidade administrativa.

O homem necessitava de um estado forte, de exércitos fortes: fora das fronteiras, os inimigos eram muitos. Só um Estado com forte presença militar poderia dar segurança aos cidadãos, aos protegidos pelos limites do Estado.

A garantia da liberdade e da segurança pessoal impõe sacrifícios.

O Estado foi por muito tempo personificado na figura do rei, a ponto de na França, de 1643 a 1715, Luis XI, o Rei Sol, ao formular o conceito de Estado em si mesmo, pronunciou nos estertores de seu reinado a frase: “L’État Cést Moi!” (O Estado sou eu!).

A evolução histórica posterior (Revolução Francesa, Movimentos de Independência – Americana, Brasileira, Latino-Americana, de países africanos, de países asiáticos, etc…) nos leva aos dias de hoje, ao interesse da Sociedade Brasileira.

O Constituinte de 1.988 assegurou o Estado Democrático Brasileiro, garantiu os direitos sociais e individuais, garantiu a liberdade, a segurança, a igualdade e a justiça; estabeleceu metas de paulatino acesso ao bem estar, ao desenvolvimento planejado, e o fez como registro de valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias. A CF, já no artigo primeiro, traz como fundamento da República Federativa do Brasil o princípio fundamental, pétreo, da garantia ao respeito à soberania, que é a prerrogativa dos Povos de se auto-regular, com independência e sem submissão a quaisquer interesses, que não os nacionais.


O Legislado Constituinte de 1988 traçou as diretrizes e as metas do desenvolvimento, assegurou a prevalência do social em detrimento do particular, do lucro. O lucro deve ser resultado da dinâmica integrativa, evolutiva da sociedade, e não destrutiva, desintegrativa. O Estado Brasileiro se fundamenta e se justifica pela garantia que oferece ao exercício da cidadania, do respeito à dignidade da pessoa humana, de reconhecimento dos meios e instrumentos de valorização social do trabalho ( art. 1º , I, ,II, III e IV ).

Não obstante, os ajustes neoliberais, resultantes da globalização financeira, enfraquecem a capacidade de intervenção econômica do Estado e a de afirmação de soberania; exige enfraquecimento do poder político do Estado. Isso tem levado a desregulamentações das garantias legais de cidadania, a flexibilização dos direitos sociais e trabalhistas e a precarização das garantias ao trabalho.

O Legislador Constituinte de 1988 foi premonitório, visionário: previu o advento desse quadro de transformações nas relações do trabalho, concluindo que a ordem econômica, por si só, não tem compromissos com o interesse social, que é papel reservado ao Estado; dotou o País de um instrumento jurídico da mais relevante importância: a CF/88, denominada pelo saudoso Deputado Ulysses Guimarães de “A Constituição Cidadã”. As linhas mestras da Constituição Brasileira são a construção de uma sociedade livre, justa, solidária, moderna, igualitária, sem desiludidos, sem desesperançados, sem injustiçados e sem excluídos. O objetivo transdisciplinar é o da garantia do desenvolvimento nacional, o de erradicação da pobreza, o de afastamento da marginalização social, o de promoção social integral, sem preconceitos e sem quaisquer outras formas de discriminação. O interesse particular do lucro é subordinado ao atendimento do social, da efetiva promoção do bem comum (CF, art. 5º, inciso XXIII e 170, incisos, I, III, V, VI, VII, VIII).

Alguns afirmam que a Constituição Brasileira é ingovernável. Será ingovernável o anseio universal de dias melhores? Será que o desejo de lucro é tão forte que irá impedir para sempre que um dia tenhamos uma sociedade justa e fraterna, solidária? Será que as reminiscências da escravidão e da servidão são ainda assim tão fortes, a ponto de impedir que, passados mais de dois mil anos, as mensagens do maior revolucionário do social, a nível de idéias, que o planeta já teve, ainda sejam utópicas? Será que o chamamento para a igualdade, a fraternidade e a liberdade ainda não é para este mundo? Será que as vanguardas do pensamento, da construção humana foram destruídas? Será que não temos efetivamente condições e capacidade de verticalizar e pragmatizar, com ações integradas, a construção de uma sociedade mais digna?

A Sociedade Brasileira sempre foi conservadora, como conservador era o Parlamento 1988. A Constituição, no entanto, foi promulgada num momento de euforia com a liberdade: depois de mais de vinte anos de arbítrio, de ditadura, de indignidades, a sociedade respirava novamente os ares da liberdade. O Direito da força cedeu vez ao direito das idéias. As idéias, uma vez libertas do cativeiro, se protegem para que jamais voltem a ser aprisionadas. Daí a retomada das idéias do revolucionário do social sacrificado há mais de dois mil anos, daí o reconhecimento da pessoa humana, da sua integridade, da sua autoconstrução, da sua autorealização; daí o objetivo da construção de uma sociedade livre, justa e solidária; daí a necessidade de se assegurar a busca do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza, da marginalização, de forma a se reduzir paulatinamente as desigualdades sociais e regionais e a promover o bem comum, sem preconceitos de origem, raça, idade ou quaisquer outras formas ( art. 3º, I, II, III e IV ).

O avanço da Sociedade Brasileira está materializado no art. 5º da Constituição Federal, onde se garante a igualdade de todos perante a lei, a inviolabilidade do direito à vida, do direito à liberdade, do direito à igualdade, do direito à segurança e do direito à propriedade. Os direitos e deveres individuais e coletivos foram quase exaustivamente catalogados, epitomados em 78 itens.

O governo neoliberal do Presidente FHC (FHC que jurou respeito e fidelidade à CF/88), procurando justificar metas, multivantagens e privilégios da economia globalizada, mas não mundializada (Globalização é comercial; Mundialização é integração de povos), vem seguindo as normas do que se tornou conhecido por “Consenso de Washington” (Livre circulação de bens, de serviços e de trabalhadores, privatização, queda das barreiras alfandegárias, facilitação ao capital especulativo internacional, flexibilização e desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, de integração da economia nacional ao mundo globalizado); adotou uma política de abertura, sem quaisquer reservas, de nossas fronteiras, aos interesses transnacionais, o que, na prática, tem destruído nossa estrutura industrial, tem provocando a quebradeira das pequenas e das médias empresas – e até das consideradas grandes.


O número de desempregados só cresce. Para esses empresários e para esses trabalhadores desempregados a luz no fundo do túnel cada vez se torna menos visível, está apagando, está desaparecendo. E a fantástica teia das organizações transnacionais se amplia na rede, se automatiza e dispensa o homem; consolida dia a dia seu poderio; impõe submissão e domínio sobre as economias mundiais. Ousa até ameaçar a soberania de países emergentes, como denunciam os militantes do Movimento Operário e Sindical, reunidos por iniciativa do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos, por ocasião da 85ª Assembléia anual da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Documento divulgado por esses participantes relata notícias da nova ameaça das multinacionais, agora visando até acabar a soberania dos países emergentes, a começar pelo Brasil. A denúncia é de acertos das multinacionais no sentido de constituição de uma economia global, única, com a aprovação de um TRATADO MULTILATERAL DE INVESTIMENTOS, onde o país que receber os recursos que lhe forem destinados terá que abrir mão de sua soberania. Ao assinar o tratado, se obrigará a fornecer inventário público de todas suas leis, regulamentações, procedimentos, regras administrativas e decisões de justiça, que, de uma ou outra maneira, poderiam ser obstáculo à aplicação do tratado. Da mesma forma, todo Estado será obrigado a responder a toda questão vinda de outra parte signatária do tratado, ou seja, de outro Estado, dizendo respeito a tal ou qual aspecto de sua regulamentação nacional que for contrária ao tratado. É o fim da soberania nacional!

Na mesma oportunidade, dirigentes sindicais de mais de quarenta Países se reuniram na Universidade Operária de Genebra, Suíça, no dia 8 de junho de 2000, para discutir a defesa das Convenções da OIT, ameaçadas de liquidação pelo AMI (Acordo Multilateral de Investimentos), que estabelece o direito de ingerência econômica das transacionais, elelevando-as à categoria de Estado, visando a desregulamentação mundial, livrando-as até mesmo dos efeitos de qualquer legislação sobre o salário mínimo (mais informações no Brasil pelo telefone 011-604.1973 e ou E-Mail: [email protected]).

Bastante esclarecedor também o artigo de Joaquim Francisco de Carvalho “Privatização e Colonialismo” (JB, 21/07/97), comentando as conclusões do doutor Henrique Rattner: “o governo brasileiro errou ao seguir à risca a política do Fundo Monetário Internacional, de abertura das importações sem nenhuma contrapartida, e de privatização irresponsável do patrimônio nacional… Das tão propaladas reservas do Banco Central, boa parte dissipou-se com o desmoronamento dos mercados financeiros do Sudeste Asiático… A pressão continuará, enquanto não se encontrarem recursos para estancar a sangria causada pelos juros elevados e por créditos duvidosos ou roubos do Tesouro Nacional, generosamente compensados por esquemas como o Proer” (JB 26.06.98).

No mesmo artigo, reporta-se às conclusões do economista e cientista social italiano Giovanni Arrighi (atualmente professor titular na Universidade de Binghampton, no estado de Nova Iorque):…os países pobres ou relativamente pobres são irresponsáveis quando entram (na globalização) acreditando que devem fazer concessões ao capital, para se tomarem competitivos. Isso é ingênuo, pois o capital tem sempre um custo. De fato, os países que mais receberam capitais externos são precisamente aqueles que agora estão em crise mais profunda, como a Indonésia e a Tailândia. É ingênuo pensar que se deva curvar perante o capital, pala criar condições de integração de um país à economia mundial. O que provoca desastres é que as pessoas entram na globalização com uma idéia muito ingênua do que poderia ser obtido com isso, aceitando níveis de sacrifício que jamais trarão os frutos esperados” (JB 09.11.97).

Por seu turno, também, J.K. GALBRAITH, Prêmio Nobel de Economia, Norte Americano, ridiculariza a infantilidade dos governos que passaram a adotar, sem reservas, o receituário do FMI, concluindo:”Globalização não é um conceito sério. Nós, americanos, o inventamos para dissimular nossa política de entrada econômica nos outros países” (Folha de SP, julho/98).

O modelo de economia globalizada, buscando a maximização dos lucros através do que se passou a ser conhecido como leis do mercado (concorrência-competitividade; eficiência-produtividade; rentabilidade-lucratividade, em cujo ápice é entronizada a sobrevivência dos mais aptos – empresas e pessoas – gerando em decorrência uma impiedosa exclusão social irreversível dos menos aptos – ou seja dos pequenos e micros empresários não competitivos e dos trabalhadores “não-qualificados” e não tendo qualquer compromisso com o social, tem como meta afastar o Estado das relações entre o capital e o trabalho, acabando de vez com todas as garantias legais de proteção ao trabalho humano, tal como o que já ocorreu no País vizinho (nosso principal parceiro no Mercosul, a Argentina) que, apesar de ter seguido fiel e integralmente a cartilha do neoliberalismo (Consenso de Washington), de ter feito toda a lição de casa, de ter flexibilizando direitos trabalhistas, de ter desregulamentando a legislação social e de ter precarizado as condições de vida e de trabalho, caiu do mesmo jeito em crise, onde o desemprego é alarmante, de nada tendo adiantado o sacrifício que lhe foi imposto pelos interesses alienígenas.


O ex-ministro da Defesa e da Economia da Argentina Ricardo López Murphy, em seminário no Rio de Janeiro, recentemente, fez um resumo dos efeitos da euforia à depressão profunda, vivida pela Argentina, dizendo: “a queda na competitividade, o crescimento da dívida em ritmo mais rápido que a condição de pagamento, a perda de confiança interna e externa e a quebra da coalizão que garantia a governabilidade foram os quatro fatores que levaram o país à atual crise. Passei vários anos assinalando a inconsistência do crescimento econômico inferior ao aumento do gasto público, chamando atenção para a baixa eficácia destas políticas. Fiz isso como professor, como economista e como ministro, mas não encontrei ouvidos”, reclamou ((JB – 18 de agosto de 2001).

Não sendo exceção, a economia brasileira também está atrelada à economia globalizada, com um déficit comercial de US$ 2 bilhões. Paga US$ 14 bilhões de juros e remete US$ 6 bilhões de lucros. O déficit é, portanto, de US$ 22 bilhões, que, para sua cobertura, depende da captação de recursos externos (O ESTADO DE SÃO PAULO – Terça-feira, 24 de julho de 2001).

A dívida brasileira cresce assustadoramente e, computando-se a dívida interna e a externa, tem-se que o Brasil já deve mais de 1 Trilhão e 500 Bilhões de Reais. Para amortizar essa “dívida” o País necessita de 800 bilhões. Só para pagar os juros necessita de 280 BILHÕES (www.ainahor.hpg.com.br) – situação que exige do governo a geração superávits orçamentários: é obrigado a cortar fundo, no orçamento, atingindo principalmente os recursos que seriam destinados a investimento e ao social.

O Tribunal de Contas da União, por sua vez, demonstra que o país, nos últimos 10 anos, tomou emprestado US$ 67,4 bilhões, mas pagou quase o mesmo em encargos e juros – US$ 56,5 bilhões. Pouco amortizou.

Quando o Brasil consegue um empréstimo internacional, governo comemora. Mas, na realidade, essa ajuda funciona como um bumerangue. O dinheiro acaba se tornando muito caro. O País tem que desembolsar mais, muito mais, do que recebeu. Muitas vezes até paga caro pelo dinheiro que não chegou a sacar: um relatório inédito do TCU mostra que, na média dos últimos dez anos, por exemplo, para cada US$ 1,00 que o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) financiaram ao Brasil, o País mandou para fora US$ 1,4 (Jornal do Brasil – Segunda-feira, 13 de agosto de 2001).

Agora FHC anuncia a política de “exportar ou morrer”, mas esbarra no sistema de proteção dos países ricos contra a importação dos produtos dos países pobres, ditos emergentes; enfrenta ainda a dificuldade de que nossos produtos de exportação na área agrícola são similares aos produzidos nos Estados Unidos, que contam com a proteção dos subsídios. Os subsídios não serão eliminados sem que se consiga que os outros grandes países também os eliminem.

O lema “exportar ou morrer”, lançado pelo presidente FHC, irritou empresários do setor de exportação. Três executivos brasileiros, com forte atuação no mercado internacional, Alain Belda, presidente mundial a Alcoa, Henrique Meirelles, presidente do BankBoston, e Jorge Raimundo, ex-presidente da Glaxo, criticaram especialmente a falta de ações concretas do governo em relação às exportações. O presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), Primo Roberto Segatto, também ironizou a declaração de FHC. “Acho que o governo, pela insegurança econômica que gerou no país com esta taxa de juros altíssima e com a crise energética, está mais para morrer do que para exportar. As dificuldades são várias. Mas a maior delas é o fato de a economia americana estar agonizando, deixando de ser a tábua de salvação, absorvendo a produção industrial dos países aliados e que aderiram à cartilha neoliberal, conhecida como Consenso de Washington, que para isso utiliza a legislação existente sobre medidas antidumping, um dos principais mecanismos dos Estados Unidos de proteção comercial, responsável por travar os embarques de pelo menos 16 produtos brasileiros, principalmente os siderúrgicos” (O Estado do Paraná, 25/08/2001).

O neoliberalismo é contrário à intervenção estatal na economia. Defende o livre mercado e não admite que nem mesmo as relações de trabalho sejam reguladas por lei; advoga as iniciativas legislativas de flexibilização e desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas. Não obstante isso, a expansão do quadro recessivo que se vislumbrava, mesmo antes dos ataques terroristas, levou o governo dos EUA a intervir com tudo na economia, invertendo-se a ideologia neoliberal, como afirma o economista Jean-Louis Guérin, pesquisador do Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais, em Paris (Folha de S. Paulo – 30/9).

Mesmo assim, na contramão da história, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso investe novamente, de forma direta e contundente, contra os direitos dos trabalhadores, enviando ao Congresso Nacional a Mensagem nº 1.061, de 3 de outubro de 2001, o Projeto de Lei 5.483, de 2001, que em seu artigo primeiro altera a CLT no art. 618, para assim dispor: “As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho.”, implantando-se, portanto, um novo modelo, onde os direitos dos trabalhadores não mais serão os regulados em lei, passando a ter prevalência o que for pactuado em negociação coletiva.


O professor João José Sady, coordenador da Comissão de Direitos Humanos e Conselheiro da OAB-SP, em sua intervenção no Congresso dos Advogados Trabalhista do Estado de São Paulo, realizado em Campinas, de 4 a 6 de outubro/2001 (temática geral: “Direito ou Barbárie”, painel “Impactos da Globalização no Direito do Trabalho”) demonstrou que o projeto do governo é equivocado e não é sério, já que não se assegura previamente o equilíbrio de forças necessário em uma real negociação: os aos trabalhadores iniciam e terminam a negociação em desvantagem, não em igualdade. Sady afirma que, sem essas garantias, a livre negociação não existe. Objetivamente até a sobrevivência do próprio capitalismo é posta na corda bamba. As salvaguardas mínimas atuam sempre como amortecedores da tensão social.: “qualquer proposta séria e honesta de mudar estas regras do jogo implicaria em ter como pressuposto só retirar a lei do cenário após estabelecer contrapartidas legais que equilibrem a balança entre empregado e empregador de modo a garantir uma negociação legítima, ou seja, de igual para igual: a)- existência de uma legislação de sustento, ou seja, um conjunto de normas com direitos mínimos que não serão objeto de negociação; b)- a existência de uma legislação de fomento à negociação, criando mecanismos que torne a situação desconfortável para o empregador que não quiser negociar; c)- uma legislação regulamentadora contra atos anti-sindicais; d)- uma representação sindical por empresa; e)- a garantia efetiva do direito de greve, sem a interferência do Poder Público, cassando as concessões dos regionais por liminares de efeito suspensivo e determinando o fim da greve; f)- a garantia do direito à manutenção das cláusulas preexistentes e não do seu zeramento; g)- direito à informação sobre a situação da empresa, como base de negociação de boa fé; h)- a existência de uma legislação de repressão a práticas negociais de má fé. Portanto, a proposta ministerial não é séria e nem digna, porque não tem este feitio”.

Sem essas garantias prévias, caso aprovada a proposta governamental, o Projeto representará um verdadeiro retrocesso na legislação social do País, prevalecendo a Barbárie ao invés do Direito. A fragilidade das entidades sindicais na atual conjuntura de recessão e desemprego afasta qualquer pressuposto de igualdade. A igualdade deve ser fática, e não ficta.

Na fraqueza, assumem os oportunistas, os venais. Vê-se no dia a dia, combalidas entidades sindicais obreiras que negociam apenas a reposição de parte da inflação oficial e permitem até a supressão das diversas vantagens já conquistadas nos anos anteriores, contrariamente às disposições legais mínimas de proteção ao trabalho, asseguradas na parte final do § 2º do art. 114 da CF.

O STF (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL), no exercício de sua competência plena e exclusiva de guardião da Constituição (CF, art. 102, caput e inciso III “a”), examinando recentemente o art. 112 da CF decidiu que a garantia não pode ser desrespeitada quando das repactuações, não se podendo violar os direitos legais irrenunciáveis dos trabalhadores: “STF, Primeira Turma. Acordo Coletivo e Estabilidade de Gestante. Considerando que os acordos e convenções coletivas de trabalho não podem restringir direitos irrenunciáveis dos trabalhadores, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do TST que afastara o direito de empregada gestante à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT (“II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: … b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”), em razão da existência, na espécie, de cláusula de acordo coletivo que condicionara o mencionado direito à necessidade de prévia comunicação da gravidez ao empregador. RE 234.186-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 5.6.2001.(RE-234186).

O direito de propriedade foi assegurado, mas a busca de pleno emprego então perseguido ficou vinculado à função social da propriedade. Apesar disso, sem a garantias das ressalvas indicadas as entidades sindicais mesmo assim negociam em prejuízo dos trabalhadores que representam, por não haver equilíbrio na negociação.

O autor Luiz Salvador é Diretor de Assuntos Legislativos da Abrat (Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas) e membro integrante do corpo técnico do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) e da comissão de imprensa da AAT-PR (Associação dos Advogados Trabalhistas do Pr) , fone: 041-322-4252).

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