Inaptidão técnica

Código Civil foi dilacerado por legislador, afirma advogado.

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12 de outubro de 2001, 9h08

Costuma-se afirmar que a primeira impressão é a que sempre marca. Nada mais sugestivo do que a estréia do professor no curso de bacharelado em Direito. Sempre que, nos muitos anos como mestre, iniciava o primeiro contato com os alunos do primeiro ano de graduação, na primeira aula, tendo em mente a simpática tradição que a velha e sempre nova Faculdade do Largo de São Francisco denomina “cavaco”.

Procurava surpreender e motivar os estatelados calouros, jovens recém egressos do curso secundário: “Todos seus professores deste curso de Direito que aqui se inicia vão procurar valorizar suas matérias, dizendo de como são importantes, eles e as respectivas: estão todos faltando com a verdade. A minha disciplina é a mais importante de todo o curso”.

Àquela altura, a essa afirmação, o noviciado e o novo ambiente enfrentado pelos jovens não lhes permitiam mais do que um simples e contido sorriso. No entanto, no decorrer dos anos e da profissão que escolheram, certamente essa primeira impressão sempre estaria em suas memórias. De fato, usualmente ocupando quatro anos letivos, os programas de Direito Civil devem cobrir os compartimentos tradicionais do Código Civil: parte geral, obrigações, contratos, responsabilidade civil, direitos reais, família e sucessões.

Trata-se, é evidente, de examinar toda a estrutura do próprio Direito. Não pode haver compreensão de qualquer outra disciplina jurídica sem conhecimentos sólidos de Direito Civil. Nesse diapasão, só haverá completa compreensão dos fenômenos se houver razoável cultura geral, pois nesse campo jurídico, mais do que em qualquer outro, importa conhecer História, Filosofia, Lógica, Sociologia. A deficiência dessa cultura geral, sem dúvida, é o principal obstáculo para todo professor de Direito e mais se faz sentir no estudo propedêutico do Direito Civil.

No primeiro ano de graduação, por exemplo, o aluno enfrenta o conhecimento dos institutos da parte geral do Código Civil. Os fenômenos que atinem à teoria do negócio jurídico e suas vicissitudes fazem parte da própria teoria geral do direito: cuida-se de formar a base jurídica para o conhecimento de toda ciência jurídica. Desse modo, árdua é a tarefa do mestre que deve se debruçar sobre temas como erro, dolo, coação, simulação e fraude contra credores, só para mencionar exemplos, para alunos que ainda não possuem terminologia ou visão geral do Direito.

No entanto, todo aprendizado deve começar de um ponto, que sempre será complexo para aquele que nada conhece. De fato, somente quando o bacharel se defrontar na vida profissional, muitos anos após, com a problemática do negócio simulado ou da ação pauliana, poderá compreender perfeitamente os meandros da doutrina do negócio jurídico. Muitas outras situações poderiam ser trazidas à exemplificação.

Como ocorreu em maior dimensão com o velho Direito Comercial, hoje há campos de estudo que se desgarram nitidamente do tradicional Direito Civil, atuando como disciplinas próprias, como os direitos de autor, direitos intelectuais, e-commerce e direito informático, direito do consumidor etc. Contudo, qualquer que seja o campo de atuação jurídica, privado, público ou o chamado direito social, que se situa a meio caminho entre ambos, tal como o direito do trabalho e o direito do consumidor, nunca se poderá prescindir de uma sólida formação civilística e, também, de conhecimento das estruturas do direito romano.

Não há fenômenos jurídicos, quaisquer que sejam, que prescindam, para sua perfeita compreensão, de um lineamento histórico, cuja origem, próxima ou remota, se situará sempre no velho direito romano. Com freqüência, tanto na elaboração de leis, como na redação de sentenças, verifica-se que o legislador e o juiz pecam no entendimento e solução do fenômeno jurídico justamente porque desconhecem a origem histórica do fenômeno.

Acena-se, novamente, com o retorno do ensino do Latim aos cursos secundários, disciplina essencial não somente para o aprendizado do vernáculo e importante auxiliar do raciocínio lógico como também para a perfeita compreensão do direito romano.

Foi com essa preocupação, fruto de anos de docência e magistratura, que há mais de uma década sentimos necessidade e iniciamos a empreitada de escrever um texto de Direito Civil que, com linguagem direta e atual, sem rebuscar citações de desnecessário eruditismo, colocasse o estudante e estudioso do Direito em contato com os velhos e novos temas de direito privado.

O final do século XX trouxe uma vertiginosa modificação social. A Constituição de 1988 dá um retrato novo da família brasileira. O Projeto do Código Civil, que há muitos anos tramita no Congresso, está a exigir uma nova e completa reformulação.

Por outro lado, nosso provecto e excelente Código Civil, quase centenário, foi dilacerado em muitos pontos, mercê da inabilidade do legislador em adaptar e introduzir as novas leis ao seu contexto, como se faz em legislações estrangeiras: a Lei do Divórcio e várias leis referentes ao direito de família principalmente, dentre outras, são exemplos marcantes dessa irritante inaptidão técnica.

Todos esses fatores dificultam sobremaneira, em nosso país, uma obra sistemática de Direito Civil, ainda porque a pletora legislativa exige constantes redefinições e acréscimos em novas edições.

Sob essa perspectiva e com tais obstáculos e dificuldades, com o apoio integral da Editora Atlas, colocamos à disposição do público jurídico brasileiro e ao crivo dos estudiosos nossa obra completa de Direito Civil, em seis volumes. A obra compreende todos os ramos do Direito Civil e se reporta às novas manifestações legislativas e sociais.

Os temas são expostos de forma didática, sem prejuízo da profundidade. Uma introdução ao direito romano e à origem histórica em geral se faz presente para auxiliar a compreensão atual do tema estudado. A doutrina nacional e estrangeira é mencionada com a freqüência necessária, evitando-se, porém, transcrições e referências supérfluas à praticidade do texto. Nem por isso fugimos das questões controvertidas, apresentando sempre as mais recentes posições doutrinárias e jurisprudenciais.

As tendências da jurisprudência brasileira são mencionadas e os julgados mais relevantes são citados em inúmeras notas de rodapé. O texto procura ser um primeiro estágio para ensinar e orientar o estudante e o profissional: mostrar um caminho a ser trilhado e auxiliar nessa caminhada.

Quando houver necessidade de maior profundidade, apontado o rumo, certamente ficará mais fácil compreender os fenômenos e consultar tantos outros e renomados juristas que se debruçaram sobre o mesmo estudo. Ser simples, sem ser superficial. Ser didático, sem ser elementar. Ser investigativo, sem ser prolixo. Se o aluno, o estudioso e o profissional assim nos entender, teremos atingido nosso objetivo.

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