Cobrança indevida

FGTS: contribuições previstas na LC 110 são suspensas.

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6 de outubro de 2001, 18h26

As empresas Disbrasa e Starvesa de veículos obtiveram liminar que as desobriga de recolher as duas novas contribuições sociais instituídas pela Lei nº 110/01 (artigos 1º e 2º), que passou a vigorar no início deste mês.

As contribuições foram instituídas para cobrir despesa do governo federal com o pagamento dos expurgos sofridos nas contas do FGTS dos trabalhadores.

Segundo a juíza da 14ª Vara Federal de São Paulo, Luciana de Souza Sanchez, a cobrança “não encontra amparo em qualquer das hipóteses do artigo 149 da Constituição Federal, uma vez que incumbe ao Governo, e não aos empregadores, a administração do Fundo, não podendo repassar à sociedade os ônus pela má gestão dos recursos carreados às contas vinculadas ao FGTS”.

A lei institui multa de 50% para empresas que demitirem, sem justa causa. Anteriormente, a multa era de 40%. Também determina o acréscimo de 0,5% no recolhimento de FGTS.

“A cobrança é ilegal e inconstitucional”, disse a advogada Káren Gattás C. Antunes de Andrade, sócia e especialista em Direito Tributário do escritório Andrade e Gattás Advogados Associados. Ela entrou com Mandado de Segurança Preventivo para garantir a suspensão da cobrança da empresa.

“A cobrança feriu a capacidade contributiva das empresas”, afirmou. Segundo a advogada, não estaria presente a relação de custo para o empregador e benefício para o empregado.

Veja a íntegra da liminar.

Mandado de Segurança – 14º Vara Federal

Impetrantes: Disbrasa Distribuidora Brasileira de Veículos Ltda. e Starvesa Serviços Técnicos Acessórios e Revenda de Veículos Ltda.

Advogada: Káren Gattás Corrêa Antunes de Andrade – OAB/SP 134.316

Vistos, etc.

Trata-se a presente demanda de mandado de segurança com pedido de medida liminar, no qual pretendem as impetrantes provimento jurisdicional para o fim de: “impedir que as autoridades fiscais exijam o recolhimento das contribuições sociais pela Lei Compl. nº 110/01, bem como que procedam à impugnação de sanções e multas e, eximindo as Impetrantes da obrigatoriedade desses pagamentos, diante do reconhecimento da inconstitucionalidade e ilegalidade dessas exações, pois não preenchem os requisitos do artigo 149 da CF, bem como feriram os princípios da legalidade, não confisco, moralidade pública e capacidade contributiva, o que torna ilegítima e inconstitucional tais exigências;

Em apertada síntese, afirmam as impetrantes que são pessoas jurídicas de direito privado que, no exercício de suas atividades sociais, mantêm quando de empregados, efetuando, nos termos da Lei nº 8.036/90, depósitos em contas vinculadas, destinadas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Sustentam ainda que, nesta qualidade, encontram-se sujeitas ao recolhimento das exações instituídas pelos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, publicada no Diário Oficial do dia 30 de junho de 2001 (Edição Extra), a partir de 1º de outubro de 2001.

Todavia, convictas sobre a ilegitimidade da exigência dos tributos veiculados pela lei complementar em referência, porquanto se apresenta contrária aos princípios informadores da Tributação, as impetrantes ajuizaram a presente ação visando resguardar-se de sua cobrança.

Em suma, eis o relatório. A seguir, passo a analisar o pedido de medida liminar postulado.

Para a concessão de medida liminar ora pleiteada, devem concorrer os dois pressupostos legais previstos no inciso II do artigo 7 da Lei nº 1.533/51, quais sejam, a relevância do ato impugnado a ineficácia da medida, caso seja deferida somente a final – o periculum in mora.

Em um exame perfunctório, vislumbro estar presente a necessária relevância jurídica da tese esposada pelas impetrantes a ensejar a concessão da medida pleiteada.

A Lei Complementar nº 110 de 2001, ao instituir contribuições sociais e autorizar créditos de complementos de atualização monetária em contas vinculadas do Fundo de Garantia do tempo de Serviço – FGTS, estabelece em seus artigos 1º e 2º, respectivamente, que:

“Artigo 1º: Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.

Parágrafo único: Ficam isentos da contribuição social instituída neste artigo os empregadores domésticos.

Artigo 2º: Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei nº 8.036 de 11 de maio de 1990 (…)”


Sobressai dos argumentos articulados na exordial, que de fato assiste razão às impetrantes posto que, analisando , as regras matrizes de incidência das contribuições sociais estampadas na Lei Complementar nº 110, verifica- se que as exigências consubstanciam verdadeiros tributos, o que impõe a observância dos princípios e diretrizes de todo o Sistema Constitucional Tributário aplicável à matéria.

Pois bem, a interpretação histórica da norma em comento, no caso, a exposição de motivos alinhavados no Projeto de lei que deu origem à famigerada lei complementar, deixa claro que sua instituição tem como escopo à necessidade da União em carrear recursos para o pagamento das perdas monetárias atreladas ao FGTS, e não captar Investimentos para custear a casa própria, para o custeio da habitação popular ou executar programas em outras áreas sociais, porquanto integrem o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS.

Ora, é inquestionável que o FGTS constitui um verdadeiro patrimônio dos trabalhadores, cumprindo uma função primordial de valorização do tempo de serviço. É certo, ainda, que o referido Fundo, ao longo dos anos, foi afetado substancialmente em sua capacidade contributiva tendo em vista as elevadas taxas de inflação em decorrência de sucessivos planos econômicos do próprio Governo, razão pela qual tem sido reconhecida judicialmente a recomposição monetária dos saldos das contas vinculadas ao Fundo, onerando sensivelmente o passivo deste sem o respectivo aumento do ativo necessário para evitar um equilíbrio patrimonial do FGTS, o que acabou por ensejar a necessidade da criação das duas contribuições.

Em suma, a criação das duas contribuições sociais, não obstante tenham suas receitas integradas ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, são destinadas a creditar, nas contas vinculadas dos trabalhadores, independentemente de decisão judicial, o saldo de correção monetária expurgado na implementação do Plano Verão e Plano Collor I, entendimento este já reconhecido pela Corte Maior ao julgar o Recurso Extraordinário nº 266.855-7/RS.

A luz dessas considerações parece-me que a justificativa de criação das referidas contribuições não encontra amparo em qualquer das hipóteses do art. 149 da Constituição Federal, uma vez que incumbe ao Governo, e não aos empregadores, a administração do Fundo, não podendo repassar à sociedade os ônus pela má gestão dos recursos carreados às contas vinculadas ao FGTS.

Admitir despautério desta jaez seria permitir a manipulação das hipóteses de incidência (materialidades) das contribuições sociais insculpidas no artigo 149 do Texto Constitucional, ou seja, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas.

Pois bem, analisando a hipótese de incidência das contribuições instituídas pela malfadada lei complementar, nota-se que o contribuinte, o sujeito passivo da obrigação tributária será sempre o empregador, a quem foi atribuído o encargo de recolher tais valores de forma a dar cobertura financeira aos cofres públicos, em decorrência dos gastos para o Governo Federal com os montantes a serem pagos ao trabalhador em virtude da ausência de real correção monetária nas contas vinculadas ao FGTS.

Nota-se, portanto, que não há nenhuma atuação estatal que justifique a relação jurídica tributária imposta pela Lei Complementar 110, de 2001 ao empregador que pudesse vir a validar as famigeradas contribuições, trazendo-lhe, quando muito, benefícios indiretos.

Em outro giro verbal, assevera-se que as bases de cálculo dessas novas contribuições sociais – montante de todos os depósitos devidos, referentes ao FGTS (artigo 1º) e remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador (artigo 2º)- não guardam qualquer correspondência com nenhuma contraprestação gerada pela atuação do Estado ao obrigado (empregador).

Como corolário lógico, vislumbro que a alegação das impetrantes encontra respaldo pelo fato de que não restou obedecido o princípio que impõe a vinculação das ditas contribuições a uma das finalidades apontadas no artigo 149, muito menos no artigo 195 (parágrafo 4º), ambos da Carta Magna, uma vez que, à evidência, não cuidam de contribuições destinadas à Seguridade Social.

A propósito, consoante reconheceu a Juíza Federal Maria Izabel do Prado, em decisão recente, as exações em tela não se tratam de contribuições, como faz crer o governo, mas sim de um imposto. No caso em apreço, o fundo criado pelo governo vai para o caixa do FGTS e será usado para o pagamento da diferença da correção monetária devida aos trabalhadores na conta vinculada do FGTS, em decorrência dos expurgos praticados durante o Plano Verão (1989) e Collor I (1990), não havendo qualquer relação entre a base de cálculo e a conseqüência gerada pela atuação do Estado, posto que realmente não há nenhuma atividade estatal que traga benefícios indiretos ao empregador.


Ressalta-se, ainda, que o fim almejado pelas contribuições, qual seja, a geração de recursos para a cobertura do passivo decorrente da decisão judicial do Colendo Supremo Tribunal Federal que determinou a complementação de atualização monetária do FGTS, este direito social do trabalhador, ainda é bastante questionável, embora louvável, posto que não obstante seja devido à recomposição patrimonial dos Fundos, não menos verdade que as denominadas contribuições possuem indubitavelmente natureza jurídica de impostos.

Assim sendo, uma vez que se revestem de natureza jurídica de impostos, com esteio no art. 154, inciso I, da Constituição Federal, essas novas contribuições jamais poderiam ser vinculadas a um fundo, no caso ao FGTS – Fundo de garantia do Tempo de Serviço, como prescreve o artigo 167, inciso IV, do Texto Constitucional, in verbis:

“Art. 167. São vedados:

IV – a vinculação de receita de impostos a órgãos, fundo ou despesa (…)’

Nesse passo, entendo que, na hipótese, a vinculação da receita nos moldes em que visa a lei ora combatida entra em testilha com o art. 167, inciso quarto, da Constituição, que veda expressamente a vinculação de receita de impostos a fundo ou despesas.

Ora, esse é o caso das duas novas contribuições: além de estarem vinculadas a um fundo (FGTS), elas foram instituídas para cobrir uma despesa do Governo Federal com o pagamento dos expurgos sofridos nas contas do FGTS dos trabalhadores nos períodos apontados.

Ademais, não me parece que as exações em pauta tenham atendido o princípio da capacidade contributiva e, com ele, a própria isonomia, haja vista que nivelam os contribuintes ao instituir a mesma alíquota, independentemente da capacidade econômica de cada um. Nesse sentido, sabe-se que afrontam o princípio da chamada capacidade contributiva os chamados impostos fixos, invariável, sem qualquer preocupação de graduação com as condições pessoais do contribuinte, hipótese em que as exações em comento certamente se enquadram.

De seu turno, o periculum in mora exsurge da ineficácia da medida se concedida somente ao final, posto que acende ser iminente a autuação ou mesmo execução das impetrantes por parte do Fisco em caso de ausência de recolhimento das contribuições em comento nos moldes exigidos pela novel legislação, sujeitaria o contribuinte, acaso não deferido, ao execrado solve et repete do tributo pago indevidamente.

Dessa forma, em um exame preliminar, vislumbro que as alegações, embora mereçam melhor análise, encontram fundamento e são plausíveis. Assim, restando demonstrada a plausibilidade do fundamento da presente ação, merece ser resguardada pela presente medida, sob pena de perder sua efetividade.

Ante o exposto, presentes os pressupostos ensejadores de sua concessão, DEFIRO o pedido de medida liminar postulado pelas impetrantes, para o fim de assegurar-lhes o direito de não serem compelidas ao recolhimento dos tributos veiculados nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 110 de 2001, suspendendo a exigibilidade dos referidos créditos tributários a partir do período – base de outubro de 2001 e subseqüentes, até ulterior deliberação deste Juízo, sem que disso decorra qualquer medida punitiva ou coativa por parte do Fisco.

Oficie-se. Notifique-se às autoridades impetradas sobre o teor desta decisão e para que prestem suas informações no prazo de dez dias.

Após, ao Ministério Público Federal. Com o parecer, voltem os autos conclusos para sentença.

Intimem-se.

São Paulo, 28 de setembro de 2001.

Luciana de Souza Sanchez

Juíza Federal Substituta.

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