Conclusão

'Projeto de Lei sobre acordo coletivo é equivocado'

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4 de outubro de 2001, 11h22

O presidente Fernando Henrique Cardoso enviou em regime de urgência ao Congresso Projeto de Lei flexibilizando as relações entre patrões e empregados. A proposta permite que os acordos coletivos entre sindicatos patronais e de trabalhadores passem a valer mais do que as regras estabelecidas na Consolidação das Leis Trabalhistas.

O projeto foi entregue ao presidente na quarta-feira (3/10) pelo ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, durante rápida audiência no Palácio do Planalto.

Para o professor João José Sady, coordenador da Comissão de Direitos Humanos e conselheiro da OAB-SP, o projeto é equivocado. Segundo o professor, não é assegurado previamente aos trabalhadores o equilíbrio de forças necessário em uma real negociação. Ele afirma que a livre negociação inexiste e arrisca a sobrevivência do próprio capitalismo.

Veja a opinião do professor sobre o Projeto de Lei.

“O Direito do Trabalho é um conjunto de estacas fincadas em um território de conflitos. O mundo do trabalho é uma permanente disputa entre patrões que querem obter o maior lucro possível. Empregados querem o maior salário possível.

Num território como este, só existe um fator que define quem fica com a maior fatia: a força, o poder. Assim, negociação é uma ficção sem entender este pressuposto. Haverá negociação se houver equilíbrio de forças. Quando não há, o mais poderoso dita as condições que mais lhe interessam.

No mundo real do trabalho existe equilíbrio de forças? É claro que não. O poder dos patrões é imensamente superior ao dos empregados. Assim, não há negociação sem que este desnível de forças seja contrabalançado. O Direito do Trabalho no Brasil nunca se deu ao luxo de impor normas que fizessem esta diferença. Como resultado, impõe leis cuja obediência tem de ser imposta pelo Estado e deixa quase nada ao sabor da negociação.

Assim, qualquer proposta séria e honesta de mudar estas regras do jogo implicaria em ter como pressuposto só retirar a lei do cenário após estabelecer contrapartidas legais que equilibrem a balança entre empregado e empregador de modo a garantir uma negociação legítima, ou seja, de igual para igual. A proposta ministerial não é séria e nem digna, porque não tem este feitio.

Limita-se a propor a retirada da lei do cenário sem criar as contrapartidas equilibradoras. Vai resultar num desnível absurdo. Os arautos do neoliberalismo que embarcam nesta canoa não percebem que estão numa canoa suicida. Não se lembram porque o Capitalismo criou o Direito do Trabalho. Não foi por bondade, mas, para evitar que o conflito direto em estado puro levasse a um estado de super exploração que conduzisse à barbárie, à solução violenta do conflito social. Ao levar adiante a ressurreição deste sinistro “laissez faire”, as classes dominantes plantam sementes de destruição.

As pessoas expulsas do emprego não vão para o Exterior. Ficam por aí, na periferia, vivendo na miséria e só encontrando a violência como meio de obter alguma saída para seus problemas. Quando a democracia é meramente formal, não adianta as instituições democráticas estarem funcionando plenamente se não trazem comida, casa, hospital, emprego. Tudo isto vai explodir numa maré de violência. Não pensem que esta brutalidade virá somente sob a forma de assalto num farol escuro.

Olhem para o que estão fazendo os perueiros, os sem-terra, os sem-teto, os camelôs, etc.. Para os que não tem saída, só resta buscar uma solução direta do seu problema, na lei ou na marra. Porque vocês pensam que policiais estão fazendo greve com armas na mão, embora a lei os proíba ? Por estes motivos, é que a discussão nos congressos trabalhistas deste ano parte do mote “Direito ou Barbárie”, justamente porque esta é a encruzilhada em que está o país”.

Veja notícia sobre o Projeto de Lei.

O autor é advogado trabalhista em Curitiba e em Paranaguá, Diretor de Assuntos Legislativos da Abrat (Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas), integrante do corpo técnico do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) e da comissão de imprensa da AAT-PR (Associação dos Advogados Trabalhistas do PR)

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