'Proliferação do mal'

Promotores paulistas criticam entrevista de Soninha sobre maconha

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27 de novembro de 2001, 11h44

Novamente vem à tona a questão da “legalização” como justificativa a diferenciar o traficante do usuário. Na “lei de tóxicos” (art. 37) são traçados parâmetros na seguinte dicção: “Para efeito de caracterização dos crimes definidos nesta Lei, a autoridade atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação criminosa, às circunstâncias da prisão, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.”

A lei em vigor não é tão cruel quanto se imagina. A primariedade permite a fiança e liberdade imediata. Concordando com suspensão do processo, sob condições impostas pelo juiz, a pessoa continua com a “ficha limpa”. Evita-se a prisão ao máximo, com penas alternativas ou “sursis” (suspensão condicional da pena). Se não bastar, o débito com a Justiça é resgatado no próprio domicílio ou albergue. É a realidade.

O passarinho não foge da gaiola escancarada, se gostar demais da hospedagem. Já ao traficante os merecidos rigores da Lei. A conduta é hedionda, restando proibida a liberdade com ou sem fiança. A pena final é descontada no regime fechado integralmente.

Chega de hipocrisia! O uso do argumento que confunde o usuário com traficante seduz apenas àqueles que fazem ouvidos moucos ao embalado aplauso surrealista. O pano de fundo prega a idéia do “liberar geral”. A “maconha” não faz mal! Pura apologia comparativa, quando inspirada no álcool ou tabaco. Coisas ruins não se justificam em outras ainda piores, exploradas na torpeza de ver o malefício geral como justificativa. Ao igualar os ingredientes, como se fosse o normal das coisas, apenas por amor ao debate, deveríamos acrescer à receita, o esdrúxulo e legítimo tempero a base de ácido sulfúrico.

A matemática parece simples, mas o resultado é triste. A insana tentativa de contrariar a medicina, o direito, a moral, é compartilhada na retórica de parcela significativa da população, excluindo-se aí a maioria sensata. Alguns preferem o comodismo ou declarada omissão. Da muralha usada como palanque alardeiam: “Não usamos drogas, mas também não temos nada contra”. Esquecem que os percursos da desgraça alheia podem cruzar seus caminhos.

A “maconha” faz mal sim…Tanto ao usuário quanto à sociedade. Portal das trevas que conduz às ditas “drogas pesadas”. Indigesta planta que sacia a “gula” implacável do traficante, por natureza o carrasco destruidor de famílias. O usuário representa um perigo concreto, pois é o alvo da estratégia embutida na traficância. Mola propulsora da vil e indiscriminada concorrência pela moeda suja. Iguala-se, eufemisticamente, ao receptador na cadeia que estimula a criminalidade violenta.

Ao refletirmos sobre a não punição do viciado, surge a seguinte indagação: onde comprar a erva daninha? A resposta é óbvia: o traficante não sobrevive sem a malfadada clientela. O usuário incorpora a figura do traficante, iniciando a trama como vítima e apoteose como protagonista. Vive o enredo da tragédia que não é cômica, transformando-se no denominado “avião” ou “mula”, ao repassar a droga e sustentar o próprio vício. Picos de abstinência determinam a busca de recursos para sanar a ansiedade mórbida. Aí ele rouba e até mata.

Na hipótese menos pior obriga a família a “passar o cadeado” em tudo. Parentes aflitos assistem o ente querido desfalecer nas entranhas do vício maldito. Será que a punição, ao menos no sentido de evitar e dissuadir, não fundamenta a existência da lei. O desabafo é moralista e incomoda mesmo. Pode não convencer alguns, mas remete à dura reflexão.

Esperamos sinceramente que prevaleça o bom senso, longe de relaxar na inconseqüente euforia da fumaça. Aquele que recebe no berço o carinho fraternal não pode ficar à mercê do vilão. O mínimo que se espera de uma sociedade consciente é a idéia básica de frustrar a proliferação das drogas, repudiando sem medo os que pregam a falácia abolicionista.

Os argumentos e críticas que sustentam a ideação de não punir, a bem da verdade, exploram e induzem a falsa percepção da realidade. Usar droga não é sinônimo de salvaguarda à prática de condutas ilícitas. Acabar com um mínimo de inibição, longe de querer sustentar o ideal de Justiça, significa render homenagem ao equívoco recrudescimento.

A lei, na essência, surge por alguma razão inerente a vida em sociedade. O homem opera o direito com erros e acertos, próprios de sua natureza falimentar. Compactuar com a tendência de colocar as leis e os homens bem intencionados no banco dos réus contraria o sentido lógico do bem. Os que pregam na contramão, tentam em vão inverter a queda d’água. Usam como pretexto a paradoxal acusação da lei como instrumento ilegítimo, efetivamente, não buscam a melhor colheita.

Pecamos pela ironia, mas aqui a ordem dos fatores altera o produto. Alvíssaras a anarquia! Pasmem! Querem acabar com o critério mínimo na luta inibitória contra a propagação do mal. Há a hipótese do erro, sem dúvida, mas não como regra geral. O exemplo corriqueiro do policial que confunde traficante com o usuário, remete o intérprete ao argumento vazado na exceção, não raras vezes para proteger o rebento de família abastado.

O evidente tratamento compatível à condição de usuário permanece inegável, mas tecnicamente não afasta o rótulo de criminoso. Certo da ilicitude, o viciado sucumbe ao ônus de experimentar o guante férreo da Justiça.

Conseqüência natural e da reação socialmente aceita. A energia despendida no discurso contrário, melhor se ajustaria à cobrança de políticas governamentais capazes de tornar real o almejado atendimento diferenciado. Confundir a revogação do ordenamento jurídico com a extinção de critérios mínimos recebe o nome de impunidade, fazendo vibrar a sanha do traficante.

É chegada a hora de rever conceitos e discursos liberais, na tentativa hercúlea de evitar que o adubo faça o mal crescer pela raiz. Do contrário, resta ir a vau na procura da paz profunda e salve-se quem puder! Inclusive o usuário!

Recente episódio inflamou o debate, quando uma apresentadora de programa esportivo, em canal que propaga a cultura, surgiu na capa de outro expressivo veículo de comunicação, anunciando que usa “maconha”. Contrariou a informação do esporte como opção saudável, talvez traída pelo subconsciente, rompeu sua intimidade à consideração pública. O que é pior! Veio de mãos dadas com outros profissionais liberais igualmente destacados e formadores de opinião, em discursos semelhantes e afinados.

A apologia lhe custou a demissão e fomentou a polêmica. Algumas vozes surgiram em defesa, outras lastimaram. Com a devida cordura, concordamos em não enxergar o dissenso com bons olhos ou reclamo pela aceitação social de tal conduta. A veiculação de posicionamento íntimo, capaz de influir ou induzir na proliferação do mal, justamente por quem detém o poder de informar merece severa crítica. Apresenta contornos que beiram à ilicitude e certamente haverá litígio na interpretação jurídica do fato. Mas continuamos firmes no propósito de responder “NÃO ÀS DROGAS” e ponto final.

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