Poluição nas águas

Juiz manda companhia ampliar rede de esgoto em Camboriú

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21 de novembro de 2001, 19h13

O estudo realizado pela empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A. – Epagri também lista como um dos principais problemas de Balneário Camboriú “insuficiência e ineficiente tratamento de efluentes”.(18)

Deve ser consignado, outrossim, o que disse sobre a matéria o próprio Secretário de Saúde e Saneamento do município, conforme consta à fl. 2229:

“Infelizmente, a cobertura da rede coletora de esgoto da CASAN não se estende em todas as áreas do município, permanecendo ainda algumas localidades (bairros) sem esgotamento e tratamento dos esgotos, tornando-se uma fonte de poluição permanente do Rio Camboriú e conseqüentemente do mar.”

A FATMA também tem a mesma convicção, conforme afirmado à fl. 2720.

Conforme afirmado diversas vezes no curso do processo, o município vizinho de Camboriú também gera a contaminação do rio de mesmo nome e, por isso, do mar. A população desse município, segundo previsão do IBGE para 1999 noticiada no site da municipalidade na internet(19), é de 37.531 habitantes, sendo que, conforme o já citado estudo da Epagri, essa população encontra-se 47% situada na área rural. Já Balneário Camboriú pode chegar a mais de 800.000 habitantes na alta temporada, conforme o site do Governo do Estado.(20) Em resumo, a contribuição dada por Camboriú à poluição do rio e da praia precisa, de fato, ser medida, mas desde já se pode saber que a mera ausência de rede coletora naquela cidade jamais poderia ser considerada como algo que torna inócua a extensão da coleta a todos os distritos sanitários (DS 1 a 8) de Balneário Camboriú, especialmente por encontrar-se esta última urbe mais próxima da foz do rio. Ademais, conforme informado pela própria municipalidade de Camboriú, à fl. 1810, a CASAN também celebrou convênio naquela cidade, encontrando-se ausente na prestação do serviço.

A colimetria no ribeirão Marambaia também serve para demonstrar o grau de poluição gerado pela ausência de rede coletora. Nas coletas que a FATMA chegou a realizar na suposta nascente do córrego, o resultado de coliformes fecais ficou bem abaixo do admitido, como visto no item acerca desses exames. Seguindo o curso do ribeirão, nos locais onde situa-se a Estação Elevatória 1 e onde o Marambaia recebe a contribuição de um córrego vindo do Bairro das Nações (DS 1, ainda não totalmente coberto), a coleta mostra resultados alarmantes como os noticiados às fls. 174 e 204 do autos de expediente nº 01. O número mais provável (NMP) de coliformes fecais passa às vezes de 10.000.000/100 ml., quando o que se admite são 1.000/100 ml. A poluição já elevadíssima no primeiro ponto após a nascente, situado à altura da rua 1400, também sugere que o esgoto da área não coberta do DS 3 (entre a 4ª Avenida e a BR 101) também atinge o ribeirão Marambaia, conforme a multicitada planta de fl. 1513.

Em resumo, faz-se necessária a implantação de toda a rede projetada.

A viabilidade técnica dessa extensão é inconteste, dado que se trata de projeto da própria CASAN, concluído há pelo menos vinte anos, quando a tecnologia era consideravelmente menor. Ademais, as áreas não cobertas situam-se na parte plana da cidade, tal como a região já contemplada.

Volto a tratar, neste momento, da questão acerca da suposta ingerência judicial em matéria reservada à discricionariedade do administrador.

A obrigatoriedade da prestação do serviço de coleta e tratamento de esgotos sanitários já foi reconhecida acima. Sua efetiva disponibilização constitui, portanto, ato vinculado. Não há falar em oportunidade e conveniência quando a ausência do serviço público gera indiscutível degradação ambiental e faz com que o particular não contemplado pelo serviço cometa, no mínimo, ilícito administrativo. Tampouco pode o devedor alegar a própria inércia no cumprimento da mesma obrigação em outros locais.

É claro que a complexidade da obrigação de fazer demanda tempo para sua efetiva prestação. No caso do serviço de esgotos, o responsável tem autonomia para optar por formas tecnicamente mais adequadas a cada região ou para priorizar setores do município abrangido, por exemplo. O que se não inclui nessa autonomia, entretanto, é a simples inação. No caso, a CASAN assumiu o serviço de esgotos sanitários de Balneário Camboriú em 1975, sendo certo que desde 1985 a ampliação da rede coletora foi quase que inexistente, conforme já explicitado.

O juiz, reconhecendo alguma conduta imposta pelo ordenamento, acerca da qual se encontram morosos o administrador ou seus delegatários, não pode deixar de determinar sua adoção, influenciado por argumentos não-jurídicos e próprios da atividade administrativa, tais como necessidade de adoção da mesma medida em outros locais, etc. Tal atitude – deixar de determinar o cumprimento da obrigação – é que constituiria indisfarçada intromissão, dado que o Judiciário estaria com isso selecionando negativamente as prioridades da Administração no cumprimento daquilo que lhe compete (“não se deve fazer isso, pela necessidade de também se fazer aquilo”).


Volto a valer-me da preciosa lição de MARINONI, tratando de um exemplo semelhante à hipótese dos autos:

“Ora, se o meio ambiente é considerado bem de uso comum do povo, e se o Poder Público e a coletividade têm o dever de defendê-lo, não há razão para não se admitir que o Ministério Público – ou qualquer outro legitimado à tutela coletiva – possa recorrer ao Judiciário para obrigar a Administração a agir, quando a sua atividade, prevista em lei, é essencial à preservação do meio ambiente.

A observação feita por Afonso Rodrigues Queiró, no sentido de que o não agir também é uma ação e, em muitos casos, a única forma idônea para se atingir o interesse público, é de todo pertinente. Toda vez que a Administração atua de forma negativa, abstendo-se de tomar um comportamento ao qual está obrigada por lei, abre margem para que a sua atuação seja questionada e corrigida através da via jurisdicional.

Sempre que a lei regula de forma vinculada a atuação administrativa, obrigando a administração a um determinado comportamento, não se pode falar em insindicabilidade dessa atuação, justamente porque existindo o dever de atuar não há margem para qualquer consideração de ordem técnica e política. Com total acerto diz Eisenmann que a exigência de legalidade da atuação da administração pública não se compraz com a mera não contradição da atuação com a lei, exigindo, na verdade, plena conformidade entre elas; sendo assim, e se há uma norma no sistema que estabelece para a administração o dever de agir em determinada situação, o descumprimento do dever é pura e simplesmente violação de lei, como tal passível de corrigenda pelo Poder Judiciário.

(…)

Ora, se o Estado contemporâneo deve atingir as metas impostas para a realização das necessidades sociais, e se o cidadão pode participar das decisões, apontando os desvios na gestão da coisa pública, não se compreende como se possa afirmar que a tutela coletiva, ao exigir a observância de um dever para o atingimento de um fim que não pode ser desconsiderado pelo Estado-Administração, possa significar uma interferência inconcebível do Judiciário na esfera do Poder Executivo.

Note-se que a Jurisdição, em razão da tutela coletiva, não cria políticas ambientais, mas apenas impõe aquelas já estabelecidas na Constituição ou na lei. Na verdade, e para voltarmos novamente ao exemplo mencionado no início desse item, não há qualquer fundamento plausível para se dizer que a sentença que obrigou a municipalidade de Sorocaba a submeter a prévio tratamento todos os efluentes advindos da rede pública de coleta de esgotos, interferiu nas opções de ordem técnica e política da Administração municipal.”(21) (grifei)

Resolvido o ponto, é importante lembrar agora que o puro e simples redirecionamento dos efluentes das áreas atualmente não cobertas à Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) de pouco ou nada adiantará na resolução do problema ambiental se a capacidade de tratamento daquela não for aumentada.

Primeiramente, esclareço que os problemas ligados ao extravasamento de esgoto in natura para o rio Camboriú, em razão de falhas eventuais de energia elétrica na estação de recalque junto à BR 101, já foi solucionado através da aquisição de gerador, mostrado ao juízo por ocasião da inspeção judicial.

Consta do projeto contido nos autos de expediente nº 03 que a ETE atende atualmente apenas 86.700 habitantes (fl. 11). Lembrando-se do citado número de habitantes a que chega a cidade durante a alta temporada, tem-se uma idéia da insuficiência da estação.

Essa incapacidade é aceita pela própria CASAN e os números provam isso: as medições efetuadas na saída da ETE (efluente já tratado) indicam níveis muitos altos de coliformes fecais, inclusive na baixa temporada. Às fls. 174 e 204 dos autos de expediente nº 01 encontram-se medições de 160.000 NMP/100 ml. e 1.600.000 NMP/100 ml., respectivamente; muito além, portanto, dos 1.000/100ml admitidos para o rio Camboriú, que, tendo sido enquadrado como corpo d’água da “Classe 2” (fl. 69), deve observar esse limite de coliformes, tal como previsto no art. 5º da Resolução CONAMA nº 20/86.

Outros fatores também se encontram além dos limites legais no efluente final lançado pela CASAN no rio Camboriú, a teor das medições feitas pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Fundação Universidade Regional de Blumenau (IPT/FURB), noticiado às fls. 68/69.

Sendo certo que a emissão de efluentes não pode dar ao corpo d’água características em desacordo com seu enquadramento – conforme o art. 13 da Lei nº 9.433/97 e o art. 23 da Resolução CONAMA nº 20/86 – o que vem fazendo a CASAN ao lançar efluentes com os referidos níveis de coliformes fecais é simplesmente descumprir a lei, sendo necessário o ajuste de sua conduta de maneira rápida e eficaz.


As obras atualmente em realização, e que foram vistas em andamento quando da inspeção judicial, são aquelas descritas no projeto apresentado em cumprimento à liminar (autos de expediente nº 03) como “Etapa Imediata” da “Primeira Etapa de Implantação”, consistente apenas no sistema de pré-tratamento (caixa de chegada, grades retentoras de sólidos grosseiros, módulo de medição de vazão, caixas retentoras de areia), conforme se vê às fls. 21. Somente quando integralmente concluída, a “Primeira Etapa de Implantação” elevará a capacidade da ETE para 250.000 habitantes.

Entretanto, essa etapa é desde já reconhecida por todos como insuficiente e a própria empresa já tem um projeto de ampliação da capacidade para 400.000 habitantes.(22) É esse projeto que deverá ser integralmente desenvolvido e implantado pela CASAN no prazo adiante assinalado.

Acerca da complexidade das obras e a suposta impossibilidade de a omissão ser judicialmente suprida, valem aqui os mesmos argumento colocados acima acerca da rede coletora.

Não será necessário o apoio da FUNASA/DESAN em qualquer dos trabalhos acima descritos. A CASAN possui corpo de engenheiros qualificados na matéria, não havendo qualquer diferença técnica entre as obras ora determinadas e aquelas que a empresa realiza no restante do estado, a ponto de tornar necessária a colaboração da mencionada fundação federal.

Ainda com relação à ETE, controverteu-se no processo, a partir de dúvida suscitada por ocasião da inspeção judicial (fl. 2126), acerca do uso do dióxido de cloro como etapa final do tratamento dos efluentes. A CASAN alega desde o início do feito que tal produto vem sendo utilizado como medida final de desinfecção – necessária face à incapacidade do tratamento biológico normal da ETE – e apresenta probabilidade menor de gerar compostos perigosos à saúde humana que o cloro gasoso (fl. 274). A FATMA afirmou na data da inspeção e através das posteriores petições de fls. 2393 e 2718/2719 que os técnicos da fundação normalmente não vêm funcionando o referido sistema, por ausência do reagente. A CASAN alegou na data da inspeção, conforme consignado no termo, que o fornecimento já havia sido regularizado. Tendo em conta que segundo a própria CASAN o produto é de considerável utilidade no tratamento dos efluentes, a controvérsia entre as rés já se mostra suficiente para que a empresa ré seja condenada a utilizar da melhor maneira possível o referido sal, trazendo aos autos seus padrões de aplicação, para conhecimento do juízo e das partes.

Assim, tem-se que com relação a todo o sistema de tratamento de esgotos sanitários de Balneário Camboriú, nada mais faz esta sentença que determinar prazos para que a CASAN implemente os projetos por ela própria elaborados.

2.2.5. Restrição à expedição de alvarás para construção (item “k” do pedido).

Requer o MPF “a condenação do Município de Balneário Camboriú de se abster de expedir novos alvarás para construção de imóveis residenciais e/ou comerciais, enquanto não dispuser de estação de tratamento de esgotos compatível com a quantidade de usuários habitantes e visitantes.”

Como bem esclarecido na inicial, este pedido liga-se à ineficiência da ETE da CASAN. A idéia é de que quanto mais ligações sejam direcionadas àquela estação, maior será sua incapacidade de gerar um efluente final compatível com o que manda a lei.

Ao contrário do que crê o município, a pretensão não se trata, necessariamente, de interferência indevida em suas atividades. Cuida-se, em tese, de aplicação do art. 461, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil, que prevê a utilização, pelo juiz, de medidas necessárias para a efetivação da tutela específica. Não sendo taxativo o rol da lei, como já esclareceu a doutrina, poderia a restrição ser adotada tanto como forma de pressão sobre a vontade do devedor, quanto como meio de diminuir a demanda por tratamento de esgotos. É claro que a efetiva adoção da medida só é cabível se observados os princípios da necessidade e da proporcionalidade, não sendo plausível impingir restrições que sejam ao mesmo tempo pesadas e inúteis.

Medida substancialmente idêntica foi requerida em sede de liminar, tendo sido concedida em parte, para que ficasse vedada a expedição dos referidos alvarás pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias.

O provimento foi de indiscutível eficácia, dada a situação emergencial vivida pela cidade em 1999. Entretanto, creio que os efeitos benéficos decorreram antes da pressão dos setores economicamente prejudicados sobre o município – para que este agilizasse a resolução do problema sanitário da cidade, gerando os trabalhos intensivos do “Projeto Banho de Mar” – do que da efetiva diminuição da quantidade de efluentes direcionados à ETE. Não há qualquer ilegalidade nisso, dado que, como visto, as medidas necessárias servem, tal qual as astreintes, como uma forma de incentivar o devedor ao adimplemento.


Ocorre, porém, que a medida não é compatível com aquilo que se determina nesta sentença. A determinação de extensão da rede coletora de esgotos, aqui adotada, é reflexo do princípio da universalidade que rege a matéria.(23) Entendo que a efetiva resolução do problema ambiental em Balneário Camboriú não pode ser obtida à custa da negativa de serviço público e do impedimento ao exercício do direito de construir. A solução buscada nesta sentença é a da extensão do serviço – para que não haja despejo de efluentes nos rios e córregos que levam ao mar – e a melhoria da ETE, para que o esgoto de todos possa ser tratado.

Ademais, a despeito de o município ser solidariamente obrigado na prestação do serviço de coleta e tratamento de esgotos, tal como referido anteriormente, o Ministério Público Federal optou por pedir condenação apenas da CASAN à solução do problema (item “d”). Sendo assim, o juízo não poderia impor ao município as mesmas determinações direcionadas à CASAN – sob pena de haver condenação extra petita – e, por isso, a restrição de expedição de alvarás incidiria em pessoa diversa daquela obrigada ao cumprimento da sentença. Isso esvaziaria por completo o efeito de pressão pelo adimplemento, inerente às medidas previstas no art. 461, parágrafo 5º, do CPC.

Diante desse quadro, tem-se que não haveria proporcionalidade ou necessidade na medida se adotada neste momento, em que se busca uma solução definitiva – e não provisória – para o problema, razão pela qual o pedido improcede no ponto.

2.2.6. Considerações acerca do cumprimento desta sentença (prazos e eficácia imediata).

O “convênio”(24) nº 56/75 celebrado entre o município de Balneário Camboriú e a CASAN tem data de encerramento prevista para 03 de setembro de 2005, conforme a cláusula décima segunda, que fixa o prazo de 30 anos para o encerramento da concessão (fls. 2730).

Por esse motivo, o mais prudente é que se determine um termo final para a realização das obras (rede e ETE) que seja anterior ao término da concessão, a fim de que eventuais atrasos da(s) empresa(s) contratada(s) não façam com que a sentença deixe de ser integralmente cumprida dentro do prazo do convênio nº 56/75.

Comparando-se com o tempo que foi necessário à implementação do sistema original, mostra-se razoável a data de 03 de março de 2005 para o pleno funcionamento da nova ETE e da rede coletora no restante dos oito distritos sanitários.

Mesmo com os inúmeros problemas elencados pelo Engº. Edson Luiz Bugay no já citado relatório de fls. 1439/1483 (rescisões por incapacitação, novos contratos, modificações no projeto, etc.), as obras da primeira etapa demoraram pouco mais de dois anos para que fossem integralmente concluídas e postas em funcionamento, sendo que muitas empresas concluíram seus trechos em menos de um ano (fls. 1476 e ss.). Note-se que foram então instalados 73.086 metros de rede coletora(25) na área mais movimentada da cidade e a ETE não foi simplesmente redimensionada, mas efetivamente construída.

Uma vez detalhados os referidos projetos que a CASAN já possui para as obras ora determinadas, é necessário que ela apresente um cronograma factível de execução, abrangendo desde a elaboração e apresentação do EIA/RIMA e obtenção da Licença Prévia ambiental junto ao órgão competente(26), passando pela licitação dos projetos, contratação da(s) adjudicatária(s), etapas de execução das obras, até o pleno funcionamento das novas instalações, entre outros aspectos necessários à previsão de conclusão dos trabalhos.

Decerto, com fulcro no já citado art. 461, parágrafo 5º, do CPC, poderá o juízo encarregado da execução do presente provimento adotar as medidas necessárias para que sejam observados os prazos ora fixados, inclusive determinando alterações no cronograma apresentado, caso este não se mostre exeqüível. Afinal, “para que o processo possa tutelar de forma adequada e efetiva as várias situações concretas, tornam-se imprescindíveis não só procedimento, cognição e provimento adequados, mas também um amplo leque de modalidades executivas capaz de permitir ao juiz tornar efetiva a tutela jurisdicional nos vários casos que a ele são apresentados. (…) Hoje, na verdade, no caso de execução das obrigações de fazer e de não fazer, é exato falar-se em princípio da concentração dos poderes de execução do juiz. A tutela das obrigações de fazer e de não fazer é marcada por este princípio, pois o juiz, na fase executiva, tem a possibilidade de determinar as medidas necessárias para que seja obtida a tutela específica da obrigação ou um resultado prático equivalente.”(27) (grifos no original).

Ciente de que a tutela dos interesses difusos é, no mais das vezes, caracterizada pela urgência com que se faz necessária, o legislador dispôs que os recursos na ação civil pública não são dotados, normalmente, de efeito suspensivo (Lei nº 7.347/85, art. 14, a contrario sensu). É o caso não apenas das eventuais apelações a serem aqui interpostas, mas do próprio reexame necessário, o que possibilita a execução provisória da sentença, conforme já decidiu o E. TRF da 4ª Região:


“Recurso – Decisão Que Nega Seguimento – Cabimento – Ação Civil Pública – Sistema Recursal – Efeitos – Execução Provisória – Prejudicado. (…) Ainda que a sentença esteja sujeita ao reexame necessário, é possível a execução provisória do julgado, pois a regra geral fica excepcionada pela especial contida na Lei da Ação Civil Pública.”

(TRF 4ª R., AC nº 97.04.45197-0/RS, 3ª Turma., Rel.JUIZ AMIR SARTI, DJU II 01.07.1998)

A execução provisória da sentença – que nada mais será que o imediato cumprimento das determinações, sem necessidade de requerimento específico do MPF – decorre não apenas da ausência de efeito suspensivo ao reexame necessário e eventuais recursos, mas da natureza propriamente mandamental desta sentença, a dispensar a execução ex intervallo a que se referem os arts. 632 e seguintes do CPC.

No caso concreto, a urgência presumida pelo legislador da LACP decorre da contínua degradação ambiental que se vem processando em Balneário Camboriú e também do fato de que, dado o prazo do Convênio nº 56/75, não se pode dilatar o período que a CASAN tem para solver a mora em que se encontra naquela cidade.

Delimitando os casos de ações baseadas no art. 461 em que não é necessária a ação autônoma de execução, ensina TEORI ALBINO ZAVASCKI que entre elas se encontra aquela em que houver antecipação de tutela, eis que “se a lei prevê a antecipação de efeitos executivos como meio para superar a ameaça de ‘ineficácia do provimento final’, e assim garantir a prestação da tutela específica, parece certo que não haveria sentido lógico em diferir a efetivação dos correspondentes atos executivos para uma outra ação, com nova citação, com fixação de prazo para cumprimento, sujeita a embargos com efeito suspensivo.”(28) É o caso dos autos. A ausência de execução provisória e a necessidade de ação executória autônoma poderiam levar, em resumo, à completa ineficácia do provimento.

O procedimento da execução provisória desta sentença é simples e deverá seguir os arts. 588 a 590 do CPC, com formação de carta de sentença para juntada dos documentos a serem trazidos e para prolação de eventuais despachos e decisões, tendo curso normal enquanto pendente de apreciação o reexame necessário e os eventuais recursos.

A execução findará após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da conclusão e o início do pleno funcionamento das obras ora determinadas à CASAN, prazo dentro do qual a FATMA deverá manter a realização dos exames na forma fixada, a fim de se constatar a efetividade das medidas quanto à rede e a qualidade do efluente final lançado pela ETE no rio Camboriú.

3. Dispositivo

Diante do exposto, afasto as preliminares e JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, para,

I – com relação ao sistema de tratamento de esgotos sanitários:

a) determinar à CASAN a conclusão de todas as obras já iniciadas ou licitadas, no que diz com a expansão da rede coletora e da capacidade da Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) de Balneário Camboriú, dentro do prazo contratualmente previsto (ressalvados fatos supervenientes que possam ensejar atraso, na forma da Lei nº 8.666/93), sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais);

b) determinar à CASAN a otimização da atual ETE, a fim de que, segundo a autonomia técnica da empresa, as instalações e produtos da Estação – inclusive o dióxido de cloro – sejam utilizados da forma mais eficiente e segura no tratamento dos efluentes a ela destinados, devendo ser apresentado em juízo, no prazo de 30 (trinta) dias, documento que contenha os corretos padrões de utilização do produto químico mencionado, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais);

c) determinar à CASAN a apresentação, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, de projeto de extensão da rede coletora de esgotos de Balneário Camboriú à integralidade dos distritos sanitários de um a oito (DS 1 a DS 8), observados o projeto original e as áreas a ele eventualmente acrescidas, contando com cronograma de execução das obras, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais);

d) determinar à CASAN seja apresentado, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, projeto detalhando sua proposta de ampliação da capacidade da ETE para 400.000 (quatrocentos mil) usuários, também com cronograma de execução, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais);

e) determinar à CASAN a execução dos projetos referidos nas letras “c” e “d” acima, de modo a restarem todas as obras concluídas e em pleno funcionamento até 03 de março de 2005, observado ainda que a ampliação da capacidade da ETE deverá ocorrer prévia ou concomitantemente ao aumento da rede coletora, sempre de modo a não gerar incapacidade de tratamento do volume recebido e perda de qualidade do efluente final, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).


II – com relação às ligações clandestinas e irregulares de esgoto:

f) determinar à FUNASA, à CASAN e ao Município de Balneário Camboriú que concluam o “Projeto Banho de Mar”, na forma da fundamentação, obedecidas as atribuições de cada entidade tal como originariamente distribuídas, cabendo necessariamente ao município fazer com que sejam aplicadas as disposições da Lei Estadual nº 6.320/83 e demais diplomas aplicáveis, de modo a serem sanadas todas as irregularidades constatadas nas instalações dos imóveis ora abrangidos pela rede pública de esgotos;

III – Com relação aos exames laboratoriais (de balneabilidade e outros):

g) determinar à FATMA a realização e comunicação de exames de

balneabilidade na praia central de Balneário Camboriú, com coletas nos dez pontos atualmente cobertos pela fundação, na forma explicitada na fundamentação e observada a Resolução nº 274/00, do CONAMA, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), sendo facultada a redução dos pontos de coleta, segundo critérios técnicos, após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da conclusão e o início do pleno funcionamento das obras determinadas à CASAN na letra “e” acima. A comunicação dos exames supra determinados deverá ser feita à população por meio de sinalização clara junto à orla, em pelo menos seis pontos proporcionalmente distribuídos, com atualização semanal das informações, sendo certo que os resultados deverão ser trazidos ao juízo, trimestralmente, somente até o término dos 180 dias acima referidos;

h) determinar à FATMA a realização de colimetria mensal nos quatro pontos atualmente abrangidos do ribeirão Marambaia, assim como na entrada e na saída da ETE, até 180 (cento e oitenta) dias após a conclusão e o início do pleno funcionamento das obras determinadas à CASAN na letra “e” acima, devendo os resultados ser trimestralmente comunicados ao juízo, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais);

i) determinar ao IBAMA a realização de no mínimo um exame das águas da praia central de Balneário Camboriú, a partir de água coletada nos mesmos pontos indicados pela FATMA como “pontal sul” e “pontal norte”, pelo menos, de modo a verificar se os elementos referidos no art. 8º da Resolução nº 20/86, do CONAMA, encontram-se dentro dos limites nele previstos, devendo o resultado ser apresentado em juízo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais);

j) determinar ao Município de Balneário Camboriú, com fulcro no art. 84, parágrafo 5º, da Lei nº 8.078/90, que não afixe junto à praia central os resultados de suas próprias medições de balneabilidade, a fim de não obstar a eficácia da determinação feita à FATMA sobre essa matéria, evitando-se o fornecimento à população de informações contraditórias acerca do tema, sob pena de multa de R$ 100,00 (cem reais) para cada placa, bandeira ou similar comprovadamente afixado;

Os pontos de coleta dos exames definidos nos itens “g” e “h” e a periodicidade dos exames do item “h” poderão ser alterados pelo juízo da execução, conforme critérios técnicos apontem nesse sentido.

Sem honorários, por incabíveis em ação civil pública proposta pelo Ministério Público.

Sem custas, a teor do art. 4º, I e III, da Lei nº 9.289/96, exceto para a CASAN que, não abrangida pela norma isencional, pagará custas nas hipóteses do art. 14 da mesma lei.

As determinações contidas nesta sentença não impedem os órgãos de controle ambiental de adotar outras medidas enquadradas em suas funções institucionais, tampouco autoriza qualquer dos réus ao descumprimento de obrigações não expressamente determinadas.

Os prazos para cumprimento das medidas determinadas nesta sentença iniciar-se-ão juntamente com aquele legalmente fixado para interposição de eventuais recursos pelas partes.

Observado, a contrario sensu, o disposto no art. 14 da Lei nº 7.347/85, e tendo em conta que, ao menos nesta instância, não será atribuído efeito suspensivo a eventual apelação, tampouco ao reexame necessário, a subida dos autos não obstará o seguimento dos prazos fixados, sendo certo que os documentos representativos do cumprimento das determinações deverão ser, nos prazos assinados, apresentados neste juízo e juntados à carta de sentença, no aguardo do retorno dos autos e à disposição do E. TRF da 4ª Região.

Antes da subida dos autos, extraia-se a carta de sentença acima referida, na forma do art. 590 do CPC, para seguimento da execução provisória.

Tendo em conta a existência de agravo de instrumento contra decisão denegatória de recurso especial, interposto pelo Município de Balneário Camboriú e autuado sob o nº 2001.04.01.069889-2, oficie-se com cópia desta sentença à Vice-Presidência do E. TRF da 4ª Região.


Desentranhe-se a petição de fls. 2393/2394, juntando-se-a aos autos de expediente nº 01, por tratar-se de resultados de colimetria.

Após o prazo para recursos, com ou sem interposição, subam os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a teor do art. 475, II, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Blumenau, 14 de novembro de 2001.

Franco Mattos e Silva

Juiz Federal Substituto

Notas de Rodapé

– “Poluição de Águas”, in Direito Ambiental em Evolução, Juruá, 1998, p. 372.

2- VICENTE GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro, 1º vol., 15ª ed., Saraiva, 2000, p. 210.

3- Idem, idem, p. 77.

4- MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Direito Administrativo, 13ª ed., Atlas, 2001, p. 21.

5- LUIZ GUILHERME MARINONI, Tutela Inibitória, 2ª ed., RT, 2000, pp. 26/29.

6- PAULO AFFONSO LEME MACHADO, Direito Ambiental Brasileiro, 9ª ed., Malheiros, 2001, pp. 71/73.

7- O uso de agrotóxicos na cultura do arroz no município vizinho de Camboriú também recomenda a realização de um exame mais aprofundado.

8- Ob. cit., p. 437.

9- Cf. LUIZ GUILHERME MARINONI, ob. cit., pp. 181/182.

0- Fl. 2411.

1- Cf. NIVALDO BRUNONI, “A tutela das águas pelo município”, in Águas – Aspectos Jurídicos e Ambientais, Vladimir Passos de Freitas/coord., Juruá, 2000, p. 88/89.

2- NIVALDO BRUNONI, ob. cit., p. 86.

3- Idem, idem, p. 84/85.

4- Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, ob. cit., p. 158 e ss.

5- Vale lembrar que, observado o padrão de qualidade fixado na norma federal de classificação das águas, “legislar sobre o que ou em que quantidade pode ser lançado na água é matéria que diz respeito primeiramente ao poder de polícia dos Estados, pois não se está legislando sobre as águas, quando se definem as normas de emissão.” (PAULO AFFONSO LEME MACHADO, ob. cit., p. 106).

6- Note-se que na planta referida o emissário do DS 8 e o interceptor do DS 7 são acompanhados da expressão “2ª etapa”.

7- Fl. 269.

8- Fl. 1836.

9- http://www.camboriunet.hpg.ig.com.br.

20- http://www.sc.gov.br/turismo/contrastes/praias

2 – Ob. cit., pp. 88 e 93.

22- Note-se que o detalhamento técnico (medidas, plantas, etc.) contido nos autos de expediente nº 03 refere-se apenas à “Primeira Etapa de Implantação” (250.000 hab.), ao passo que a ampliação para 400.000 usuários aparece como proposta da empresa, denominada “Segunda Etapa”.

23- É importante lembrar, ainda acerca da universalidade do saneamento básico, que o art. 6, § 1º, da Lei nº 8.987/95, que cuida da concessão de serviços públicos, somente considera adequado o serviço prestado pela concessionária se atendidos, entre outras, as condições de generalidade e eficiência.

24- Na verdade, contrato de concessão de serviço público, conforme já assentou o STJ (ROMS nº 10.356/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJU 29.11.1999, e RESP nº 28.222/SP, 2ª Turma, Relª p/ o acórdão Minª. NANCY ANDRIGHI, DJU 15.10.2001).

25- Fls. 67 e 1451/1452.

26- Tendo em conta que a administração pública tem prazo para responder aos pleitos que lhe são ofertados, o fato de a realização das obras depender de atos a serem realizados por outros entes que não a própria CASAN – tal como o órgão ambiental que realizará o licenciamento – não pode ser alegado como empecilho ao cumprimento das determinações no prazo assinado.

27- L. G. MARINONI, ob. cit., p. 187.

28- Título Executivo e Liquidação, RT, 1999, p. 40.

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