Poluição nas águas

Juiz manda companhia ampliar rede de esgoto em Camboriú

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21 de novembro de 2001, 19h10

O juiz substituto da 3ª Vara Federal de Blumenau (SC), Franco Mattos e Silva, mandou a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) implementar um projeto elaborado há 20 anos para a expansão da rede coletora de esgoto no Balneário Camboriú. A intenção é reduzir a poluição no mar, no rio Camboriú e no ribeirão Marambaia.

O juiz deu prazo até 3 de março de 2005 para a conclusão das obras. “A viabilidade técnica dessa extensão é inconteste, dado que se trata de projeto da própria Casan, concluído há pelo menos 20 anos, quando a tecnologia era consideravelmente menor”, afirmou.

A colimetria no Marambaia demonstrou que o grau de poluição gerado pela ausência de rede coletora é alto. Nas coletas feitas em trecho de um córrego foram constatados resultados alarmantes. O número de coliformes fecais passa de 10 milhões a cada 100 mililitros. O máximo permitido para esse volume de líquido é mil coliformes fecais.

Veja a decisão

3ª Vara Federal de Blumenau

Processo nº 99.2003238-7

Classe: 5000 – Ação Diversa (Ação Civil Pública)

Autor: Ministério Público Federal

Réus: Fundação Nacional de Saúde – FUNASA

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama

Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente – FATMA

Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN

Município de Balneário Camboriú

Sentença

1. Relatório

Em 02 de junho de 1999, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, em face dos réus acima nominados, visando à redução dos níveis de poluição no rio Camboriú e no ribeirão Marambaia, assim como no mar territorial sob influência destes cursos d’água.

Assevera que instaurou em janeiro de 1998 procedimento administrativo para apurar as causas da poluição marítima no município de Balneário Camboriú, tendo sido realizados contatos com o IBAMA, a FATMA, a CASAN, a Prefeitura Municipal, além da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Constatou-se, então, que a poluição marítima naquele município decorre de duas fontes principais: o esgoto doméstico ligado clandestinamente à rede de escoamento de águas pluviais e a ineficácia do serviço público de tratamento de esgoto, prestado pela CASAN.

Aduz que o primeiro problema gera o despejo de esgoto in natura (sem qualquer tratamento) diretamente na praia. Alega, por meio de normas delimitadoras de competência, que é atribuição da FNS e da CASAN atuar junto com o Município na identificação das ligações clandestinas, sendo certo que tal cooperação não vem ocorrendo.

Quanto ao segundo fato gerador de degradação ambiental, alega o MPF que o atual sistema de esgotos sanitários do município em questão, mantido pela CASAN, é incapaz de atender à demanda, especialmente durante a temporada de veraneio. Afirma que a Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) instalada não é capaz de tratar o volume a ela remetido, sendo despejado diretamente no rio Camboriú o esgoto que não recebe o tratamento adequado. Quanto à ETE, afirma, por fim, que problemas operacionais fizeram, em mais de uma oportunidade, com que fosse despejado esgoto em estado bruto no referido rio.

Assevera ainda o MPF que o crescimento desordenado do município, aliado à não ampliação da capacidade do sistema tratamento de esgotos, contribui para a perda da qualidade ambiental das águas no município, devendo ser proibida a realização de novas construções até a solução da insuficiência do sistema.

Aduz serem necessários exames periódicos de balneabilidade, na forma da Resolução CONAMA nº 20/86, por parte do IBAMA e da FATMA, sendo certo que tais órgãos não vêm realizando tais exames nos locais acertados em reunião com o MPF, deixando, também, de efetuar a análise relativa a outros poluentes relacionados na mencionada resolução, que não os coliforme fecais. Pleiteia a colocação de sinalização nos trechos impróprios para banho e a interdição da praia, caso necessária, tudo na forma dos arts. 33 e 34 da referida resolução do CONAMA.

O MPF fundamenta sua legitimidade para a propositura da presente ação no art. 129, III, da Constituição – que lhe atribui a função institucional de propor ação civil pública para proteção do meio ambiente – além de outros dispositivos constitucionais e legais (LC nº 75/93 e Lei nº 7.347/85). Diz ainda que a ação visa à proteção da saúde pública.

Segundo a peça vestibular, a competência da Justiça Federal decorre da presença de entidades da administração indireta federal (autarquia e fundação) no pólo passivo, ensejando a incidência da regra do art. 109, I, da Constituição Federal. Afirma, outrossim, a inicial que o art. 93 do Código de Defesa do Consumidor – aplicável à ação civil pública por força do art. 21 da Lei nº 7.347/85 – ressalva a competência da Justiça Federal em qualquer caso, não havendo que se falar em delegação de competência à Justiça Comum Estadual.


Pleiteia, em resumo:

a) a condenação da CASAN a adaptar e dimensionar o atual sistema de tratamento de água e esgoto de Balneário Camboriú às necessidades dos usuários habitantes e visitantes e ao meio ambiente, com auxílio da FNS;

b) a condenação da FNS e do IBAMA a cooperar com a CASAN e o Município de Balneário Camboriú na identificação e no lacre de todas as ligações clandestinas de esgoto ligadas à rede pluvial;

c) a condenação do IBAMA e da FATMA a realizar exames de balneabilidade, na forma da Resolução CONAMA nº 20/86, pelo prazo de cinco anos ou enquanto a praia apresentar substâncias poluidoras, na periodicidade de uma semana para coliforme fecais e três meses para os demais poluentes, assim como a condenação dos mesmos órgãos a interditar os trechos da praia impróprios para contato humano, nos termos da mesma resolução, enquanto permanecerem em tal condição;

d) a condenação do Município da Balneário Camboriú em deixar de expedir alvarás para construção de imóveis residenciais e/ou comerciais, enquanto não dispuser de estação de tratamento de esgotos compatível com a quantidade de usuários habitantes e visitantes;

e) a fixação de multa diária de R$ 500,00, para o caso de descumprimento de qualquer das condenações.

Foi requerida a medida liminar prevista no art. 12 da Lei nº 7.347/85, tendo sido juntados diversos documentos.

Foi determinada, às fls. 471, a ouvida das rés, na forma do art. 2º da Lei nº 8.437/92.

O Município de Balneário Camboriú (fls. 477/1373) alega, preliminarmente, a incompetência da Justiça Federal, em razão do disposto no art. 2º da Lei nº 7.347/85 (competência funcional do juízo do local do dano) e a litispendência, em face de ação proposta na Justiça Estadual, a qual ostenta, segundo crê, a tríplice identidade com a presente ação civil pública. No mérito, assevera que vem cumprindo suas obrigações, inclusive na descoberta e lacre de ligações clandestinas de esgoto, e também por meio de cobrança da CASAN para que preste bons serviços; que o vizinho município de Camboriú também polui o rio de mesmo nome; que é descabida a vedação à expedição de novos alvarás, diante do fato de que fiscaliza os projetos e obras, liberando os alvarás somente em caso de absoluta regularidade; e que, quanto a isso, o MPF pretende a interferência do Judiciário em questões administrativas. Juntou cópia de sindicância instaurada para apurar a má-prestação dos serviços pela CASAN; fotos da praia; cópias de termos de intimação para regularização de instalações sanitárias e de autos de infração, entre outros documentos.

A CASAN (fls. 1375/1524) assevera não possuir poder de polícia para lacrar ligações clandestinas de esgoto, tendo comprometido-se a trazer aos autos lista com os domicílios servidos pela rede já implantada. Também alega que o sistema vem sendo ampliado, de modo a atender 255.000 habitantes, conforme documentos juntados. Também juntou planta de toda a rede coletora instalada na primeira etapa de implantação do projeto de esgotamento sanitário da cidade.

A FATMA (fls. 1531/1580) também assevera que vem cumprindo suas obrigações legais, notadamente a realização de exames de balneabilidade, e a comunicação destes ao Poder Público e à população, na forma da Resolução CONAMA nº 20/86. Alega, outrossim, que realizou convênio com a UNIVALI visando a cooperação técnica na prestação de tais serviços e que a concessão da liminar a esse respeito é, portanto, desnecessária.

O IBAMA (fls. 1585/1588) alega que não tem atribuição legal para lacrar ligações clandestinas de esgoto e que a sinalização da impropriedade das águas é até mesmo desnecessária. Questiona os critérios sugeridos pelo MPF para padronização das bandeiras de identificação dos setores impróprios para banho (bandeiras vermelhas com a palavra “poluída” na cor negra).

A FUNASA (fls. 1590/1594) alega que não possui convênio com o Município de Balneário Camboriú, não tendo incidência, portanto, sua Portaria nº 134/99, que exige tal avença para que o DESAN atue no desenvolvimento de sistemas de saneamento básico. Pela mesma razão, alega que não pode fiscalizar o cumprimento do convênio celebrado entre o Município de Balneário Camboriú e a CASAN. Pleiteia sua exclusão do pólo passivo.

Após, foi determinado ao MPF que promovesse a citação do Município de Camboriú, diante do fato de que a poluição marítima e fluvial em questão também decorre do esgoto lançado pelos habitantes e empresas daquele município no rio de mesmo nome.

Cumprida a determinação, o Município de Camboriú apresentou sua manifestação (fls. 1601/1613).

A liminar foi deferida em parte, tendo sido determinadas as providências constantes de fls. 1632/1634.

Contra a determinação ao Município de Balneário Camboriú de abstenção de expedição de alvarás para construção, pelo prazo de 120 dias, o mencionado réu interpôs pedido de suspensão de execução da liminar, negado pelo I. Presidente do E. TRF da 4º Região (fls. 1638/1640). Pedido semelhante do IBAMA teve a mesma sorte (fls. 1930/1931).


Os mesmos réus também pediram reconsideração da liminar, a ambos negada (fls. 1943/1945).

Contra a mesma decisão, a FATMA opôs embargos de declaração, não acolhidos (fls. 1730).

O Ministério Público Federal emendou novamente a inicial para que fosse estendida a liminar em diversos aspectos ao município de Camboriú, considerando-se também estendidos a ele diversos pedidos formulados contra o município vizinho. Após nova manifestação do Município de Camboriú, foi indeferida a inicial no que lhe dizia respeito, tendo em conta a incompatibilidade entre os pedidos formulados contra o Município de Balneário Camboriú e a situação fática existente em Camboriú, município que não utiliza a ETE instalada pela CASAN na cidade vizinha (fls. 1949/1950).

O Município de Balneário Camboriú interpôs agravo de instrumento da decisão que concedeu a medida liminar, tendo o I. Relator determinado a remessa dos autos à Justiça Comum Estadual, com fulcro na Súmula nº 183 do STJ (fls. 1767/1771). Contra tal provimento, o MPF interpôs agravo regimental, provido pela C. 4ª Turma do TRF da 4ª Região, diante que dispõem os arts. 93 da Lei nº 8.078/90 e 21 da Lei nº 7.347/85 (fls. 1939/1941).

Anotando os pontos em que o cumprimento da liminar não fora comprovado, o despacho de fls. 1980/1982 determinou a citação dos réus.

As contestações foram apresentadas, com as seguintes alegações:

CASAN (fls. 1992/2000): alega que já cumpriu a liminar, apresentando projeto de redimensionamento da rede de tratamento de esgotos, dividido em duas etapas, sendo que a primeira já está sendo implantada e a segunda depende de verbas maiores que as que possui. Requer a extinção sem apreciação do mérito, diante de alegada perda do interesse de agir. Quanto ao auxílio na identificação das ligações clandestinas, afirma que, embora se trate de obrigação do município, já está promovendo visitas a todos os imóveis da cidade a fim de pesquisar acerca da regularidade da destinação dos dejetos. Embora alegue que também quanto a este ponto cessou o interesse de agir do MPF, requer mais seis meses para a conclusão do trabalho.

IBAMA (fls. 2043/2045): assevera não possuir competência para as medidas requeridas pelo MPF. Reitera suas petições anteriores, tendo manifestado expressamente ausência de interesse na produção de provas;

FATMA (fls. 2047/2052): traz preliminar de ilegitimidade passiva, por não causar poluição, mas, sim, combatê-la. No mérito, afirma já cumprir sua obrigação de realizar exames de balneabilidade e indicar os pontos impróprios.

FUNASA (fls. 2054/2067): alega, em preliminar, que o pedido – genericamente considerado – é juridicamente impossível. No mérito, aduz não ter competência para os pedidos formulados na inicial, relativos a serviços constitucionalmente atribuídos aos municípios.

Município de Balneário Camboriú (fls. 2069/2079): reitera as preliminares de litispendência e “interferência indevida no Executivo”, no que diz com a pretendida proibição à expedição de alvarás para construir. No mérito, volta a tratar dessa questão e afirma que grande parte da área urbana do município já é coberta pela CASAN, cuja ETE tem aumentado sua eficiência com a adoção de um tratamento químico suplementar ao biológico.

O Ministério Público Federal ofertou réplica (fls. 2085/2089).

Após a fase de especificação de provas, foi indeferida a realização de perícia, por desnecessidade e ausência de fundamentação pelas partes que a requereram, tendo sido deferida a inspeção judicial requerida pelo autor (fls. 2108/2109).

A diligência foi realizada em 8 de junho de 2001, contando com a presença de representantes de todas as partes. O termo lavrado diretamente na ocasião encontra-se às fls. 2125/2127.

Em suas alegações finais, o MPF rechaçou novamente as preliminares; apontou itens descumpridos da liminar e pleiteou a avocação de processo de usucapião, em curso na comarca de Balneário Camboriú, acerca de área onde supostamente se encontraria a nascente do canal Marambaia. Trouxe novas fotos da praia e outros documentos, notadamente memoriais descritivos do município réu acerca da fiscalização das ligações de esgoto e de projeto para doação de tanques sépticos para famílias de baixa renda não atendidas pela atual rede da CASAN e medições do próprio município sobre a qualidade das águas (fls. 2134/2381). A CASAN afirmou haver cumprido a liminar, consignando não ser responsável pela poluição na cidade em questão (fls. 2398/2400).

O Município de Balneário Camboriú repisou as alegações anteriores e trouxe documentos idênticos aos colacionados pelo MPF, além de resultados da FATMA sobre a balneabilidade no município (fls. 2402/2624).

A FUNASA trouxe nova preliminar, de ausência completa de interesse de agir. No mérito, também alegou o cumprimento dos pontos da liminar que lhe diziam respeito, disponibilizando seu único engenheiro em Santa Catarina e celebrando convênio com o Município de Balneário Camboriú, com repasse de verbas, para identificação e lacre das ligações clandestinas de esgoto (fls. 2702/2710).


O IBAMA tornou a alegar ausência de atribuição legal para as medidas pleiteadas pelo MPF (fls. 2713/2716).

A FATMA reiterou que em suas visitas à ETE da CASAN não tem visto funcionar o sistema de tratamento químico (dióxido de cloro), tal como já informado na própria inspeção judicial e petições de juntada das medições de coliformes fecais. Afirmou também o cumprimento constante de suas funções institucionais, reiterando também pleitos acerca de dois pontos de medição e de periodicidade das coletas (fls. 2718/2720).

O pedido do MPF acerca da ação de usucapião referida acima foi indeferido pelo provimento de fls. 2722/2723, vindo os autos conclusos para sentença.

Após, foram baixados para que a CASAN juntasse cópia do convênio celebrado com o Município de Balneário Camboriú, para prestação de serviços de saneamento básico, e de eventuais alterações. Cumprida a diligência, foram os autos em vista ao MPF e ao município réu, para ciência, tornando à conclusão.

É o relatório. Decido.

2. Fundamentação

2.1. Preliminares.

2.1.1. Alegação de incompetência da Justiça Federal.

A prefacial a esse respeito levantada pelo Município de Balneário Camboriú já foi rechaçada tanto pela decisão de fls. 1615/1634, quanto pela decisão proferida no agravo regimental que, tal como relatado, restabeleceu a liminar (fls. 1939/1941). De qualquer sorte, é de afastar novamente a alegação, tendo em conta a superveniência de nova jurisprudência acerca da matéria, assim como o fato de a matéria ainda não estar preclusa, em razão dos recursos sucessivamente interpostos pelo município réu.

É importante esclarecer que não se discute acerca da competência natural, por assim dizer, da Justiça Federal; esta é incontroversa nos autos e não poderia mesmo deixar de ser, diante da discussão acerca da qualidade ambiental de bens da União, isto é, o mar territorial, terrenos de marinha (praia) e o rio Camboriú, o qual, banhando terras pertencentes à União na forma do art. 1º, “c”, do Decreto-lei nº 9.760/46, é rio federal, a teor do art. 20, III, da Constituição. Outra não é a opinião de VLADIMIR PASSOS DE FREITAS.(1)

Frise-se que esse fato faz com que a Justiça Federal seja competente independentemente da figuração de entes federais no pólo passivo. Na ausência destes, seria caso de ação proposta pela “União” (MPF). Entender que o art. 109, I, da CF, ao se referir à “União” como autora, não inclui o Ministério Público Federal seria fazer com que este pudesse propor ações civis apenas em face de entes federais, independente da matéria tratada, o que seria absurdamente limitador. Assim, havendo interesse federal, abstratamente considerado, a competência é da Justiça Federal e a atribuição, do MPF, independentemente dos réus legitimados, tendo em conta também o art. 129, III, da Constituição.

De qualquer forma, a controvérsia diz respeito apenas a uma suposta hipótese de delegação de competência federal contida no art. 2º da Lei nº 7.347/85, que firma a competência funcional do juiz do “foro” onde ocorrer o dano. O STJ chegou a albergar a tese do município réu, por meio de sua Súmula nº 183, percebendo posteriormente que a expressão “foro” não se refere exclusivamente ao foro estadual, eis que do contrário estaria restringido o foro federal ao município sede da circunscrição ou subseção judiciária. Na verdade a mudança de posicionamento do STJ – que redundou na revogação da referida súmula pela Seção competente – decorreu de manifestação do Supremo Tribunal Federal no sentido ora defendido. É o que se depreende dos seguintes precedentes:

“Ação Civil Pública Promovida pelo Ministério Público Federal. Competência da Justiça Federal. Art. 109, I e parágrafo 3º, da Constituição. Art. 2º da Lei nº 7.347/85.

O dispositivo contido na parte final do parágrafo 3º do art. 109 da Constituição é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir competência (rectius jurisdição) ao Juízo Estadual do foro do domicílio da outra parte ou do lugar do ato ou fato que deu origem à demanda, desde que não seja sede de Varas da Justiça Federal, para causas específicas dentre as previstas no inciso I do referido artigo 109.

No caso em tela, a permissão não foi utilizada pelo legislador que, ao revés, se limitou, no art. 2º da Lei nº 7.347/85, a estabelecer que as ações nele previstas “serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”

Considerando que o Juiz Federal também tem competência territorial e funcional sobre o local de qualquer dano, impõe-se a conclusão de que o afastamento da jurisdição federal, no caso, somente poderia dar-se por meio de referência expressa à Justiça Estadual, como a que fez o constituinte na primeira parte do mencionado parágrafo 3º em relação às causas de natureza previdenciária, o que no caso não ocorreu. Recurso conhecido e provido.” (grifei)


(STF, RE nº 228.955/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJU 14-04-2000)

“Processual Civil. Embargos de Declaração. Conflito de Competência. Ação Civil Pública. Local do Dano. Juízo Federal. Art. 109, I, e parágrafo 3º, da Cf/88. Art. 2º, da Lei 7.347/85.

1 – O tema em debate, por ser de natureza estritamente constitucional, deve ter a sua interpretação rendida ao posicionamento do Colendo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que o dispositivo contido na parte final do art. 3º, do art. 109, da CF/88, é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir competência ao Juízo Estadual do foro do domicílio da outra parte ou do lugar do ato ou do fato que deu origem à demanda, desde que não seja sede de Vara da Justiça Federal, para causas específicas dentre as previstas no inciso I, do referido art. 109. No caso dos autos, o Município onde ocorreu o dano não integra apenas o foro estadual da comarca local, mas também o das Varas Federais.

2 – Cancelamento da Súmula nº 183, deste Superior Tribunal de Justiça, que se declara.

3 – Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para o fim de reconhecer o Juízo Federal da 16ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Bahia.” (grifei)

(STJ, EDCC nº 27.676/BA, Primeira Seção, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJU 05/03/2001)

Afasto, portanto, a alegação de incompetência absoluta.

2.1.2. Litispendência.

Também segue rejeitada esta prefacial, argüida pelo mesmo réu.

A simples comparação entre os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal, na presente ação, e pelo parquet catarinense, naquela cuja inicial encontra-se por cópia às fls. 1607/1613, deixa clara a inexistência de repetição de ação.

No feito que tramita na comarca de Balneário Camboriú, apenas esse município figura no pólo passivo, tendo contra si dirigidos pedidos de realização e comunicação de exames de balneabilidade; identificação e lacração de ligações clandestinas de esgoto e/ou material químico junto aos rios Camboriú e Marambaia; e de recuperação ambiental dos mesmos cursos d’água, bem como da praia principal da cidade.

Como visto, acerca desses assuntos, o MPF não dirigiu qualquer pedido contra a municipalidade em tela, sendo certo que a simples similitude entre as causas de pedir fáticas das ações (altos índices de poluição hídrica) não enseja litispendência. Em verdade, a completa independência verificada entre as providências requeridas pelos diferentes órgãos ministeriais, assim como a pouca coincidência da causa petendi, fazem com que não se deva falar sequer em conexão. Esta, aliás, ainda que reconhecida, não teria o efeito de reunião dos processos, visto tratar-se de faculdade do juiz, a teor do art. 105 do CPC e da lição da doutrina.(2)

2.1.3. Impossibilidade jurídica do pedido.

Esta preliminar, alegada pela FUNASA em sua contestação, diz com o próprio mérito, sendo com ele analisada.

2.1.4. Ilegitimidade passiva da FUNASA.

Em sua primeira manifestação, a referida fundação federal pleiteou

sua exclusão do pólo passivo, alegando não possuir atribuição legal para as atividades constantes dos pedidos formulados pelo Ministério Púbico Federal. Assevera não possuir convênio com o município réu ou com a CASAN, o que lhe impede de atuar na questão do saneamento básico daquela cidade.

É de ser afastada a alegação.

Em sede de análise das condições da ação, deve-se perquirir, acerca da legitimidade passiva ad causam, se o demandado é “aquele que, por força da ordem jurídica material, deve, adequadamente, suportar as conseqüências da demanda”.(3) Outra coisa é verificar se o réu deve ou não prestar o que foi requerido.

No caso concreto, é importante observar que a União tem competência, juntamente com Estados, Distrito Federal e Municípios, para “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” (CF, art. 23, IX) e para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (CF, art. 23, VI).

Tendo a União constituído pessoa jurídica distinta para o exercício de tais atividades, dela é a legitimidade para, em juízo, representar a Administração Federal a esse respeito.

Dizem respeito ao mérito quaisquer questionamentos acerca da obrigatoriedade de a FUNASA prestar ou não, no caso concreto, a assistência mencionada nos pedidos “b” e “c” da inicial, de vez que não há no ordenamento qualquer norma que, aprioristicamente, exclua o Município de Balneário Camboriú da área de atuação da fundação e, mais especificamente, de seu Departamento de Saneamento – DESAN. Segundo o art. 1º do Anexo à Portaria FUNASA nº 134/99 cabe a esse departamento “planejar, coordenar e fomentar políticas e ações de saneamento e de engenharia, desenvolver programas de cooperação técnica aos Estados e Municípios e de execução de ações, em caráter supletivo e de interesse epidemiológico, visando a organização, estruturação, execução, operação e manutenção dos serviços de saneamento.”


Ademais, em se tratando de direito difuso, a mera ausência de convênio celebrado com os obrigados pela prestação direta do serviço não é causa impeditiva do exercício do direito pelos legitimados à defesa da sociedade, eis que, do contrário, poderia a FUNASA locupletar-se à custa da própria inércia.

2.1.5. Ilegitimidade passiva da FATMA.

Em sua contestação, o órgão ambiental estadual alega ser parte ilegítima, por combater a poluição e não causá-la. A prefacial é de manifesto incabimento, em razão de o autor pretender justamente uma determinação judicial para que a FATMA cumpra sua obrigação legal. Não se trata de ação para reparação de dano ambiental, mas para cessação e impedimento deste, sendo despiciendo o questionamento acerca dos causadores da poluição.

Trata-se aqui de verificar quem está obrigado por lei a combater a degradação, razão pela qual a FATMA tem indubitável legitimidade passiva ad causam. O mesmo vale para o IBAMA, que, conforme se verá, tem atribuição legal acerca de parte da matéria sub judice.

2.1.6. Perda do interesse de agir, face ao alegado cumprimento da liminar.

Alega a CASAN, em contestação, que cumpriu a liminar e que, relativamente a ela, não mais há interesse de agir. A alegação não procede, diante do fato de que há pedido de condenação da sociedade de economia mista em tela a “adaptar e dimensionar o atual sistema de tratamento de água e esgoto de Balneário Camboriú às necessidades dos usuários habitantes e visitantes e ao meio ambiente”. Trata-se de obrigação de fazer (efetiva implantação de melhorias no sistema) não prevista na liminar, que se limitou a determinar a apresentação de projeto a esse respeito.

Afasto, por isso, a prefacial.

2.2. Mérito.

2.2.1. Considerações iniciais quanto ao objeto da ação e quanto à tutela pretendida.

A presente ação civil pública foi ensejada pelos alarmantes níveis de poluição encontrados, por época da propositura, na praia central de Balneário Camboriú, poluição esta cuja constatação independia de quaisquer exames bacteriológicos então previstos na Resolução CONAMA nº 20/86. As fotos de fls. 34/51, especialmente, esclarecem qualquer dúvida a respeito. Trata-se de fato incontroverso, também comprovado pelas medições laboratoriais.

A utilização segura das praias como recreação, mais que um hábito, é um direito de qualquer brasileiro, decorrente, em última análise, do art. 225 da Constituição, que afirma o meio ambiente como bem de uso comum do povo. A instrumentalização desse direito, porém, encontra-se na Lei nº 7.661/88 (Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro), cujo art. 10 dispõe:

“ART.10 – As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.”

É claro que não basta garantir o acesso físico às praias. É preciso que a lei – e sua aplicação pelos órgãos encarregados – assegure que a utilização dessa forma de recreação pelos cidadãos não lhes acarretará quaisquer riscos à saúde, eis que, do contrário, de nada adiantaria ter acesso garantido a esses bens públicos. Quanto a isso, o ordenamento brasileiro não se omite. As Resoluções CONAMA nº 20, de 1986, e nº 274, de 2000, disciplinam minuciosamente os critérios qualitativos das águas a serem utilizadas para esse fim, sendo que tal legislação será melhor analisada adiante, no tópico relativo aos exames de balneabilidade.

A poluição de que se está a tratar é aquela gerada por esgotos domésticos ou decorrentes de atividade comercial ou industrial que utiliza (ou deveria utilizar) o sistema local de tratamento. Numa cidade turística como Balneário Camboriú, verticalizada e com alto índice de ocupação por residências (permanentes ou temporárias), o esgoto doméstico é, decerto, o maior causador potencial de poluição, embora os estabelecimentos comerciais e industriais também possam contribuir com poluentes os mais diversos, sendo necessário um maior aprofundamento a respeito, também conforme esclarecimento no item seguinte.

Conforme a prova dos autos, os poluentes contidos nos efluentes acima referidos atingem a praia central de Balneário Camboriú por três vias principais:

a) através das saídas particulares de esgoto clandestinamente ligadas à rede municipal de coleta de águas pluviais, a qual deságua diretamente na areia da praia (de vez que, em tese, conduz apenas a água não conspurcada das chuvas). Através de tais ligações, o esgoto chega in natura e com pouquíssima diluição à água do mar. Ainda no campo da irregularidade promovida pelo particular, é comum que a ligação, embora realizada junto à rede pública de esgoto, seja permeada por erros técnicos de instalação, como os noticiados às fls. 2412/2413;


b) por meio da emissão de esgoto, pelos munícipes, nos inúmeros ribeirões afluentes do Rio Camboriú, nele próprio, ou no canal Marambaia, que deságua na ponta norte da praia central da cidade.

Essa é poluição gerada especialmente pela parcela da população não abrangida pela rede coletora da CASAN. Neste ponto, a solução do problema ambiental – através da extensão da rede de esgoto a uma área maior da cidade – dar-se-ia juntamente com a efetiva prestação de um serviço público essencial a uma parcela significativa da população daquele município.

c) por meio do efluente saído da própria estação de tratamento da CASAN, cuja qualidade comprovou-se ser insatisfatória, com alto nível de coliformes fecais.

O fator principal referido na letra “a” acima foi o único que também mereceu atenção do Ministério Público Estadual na ação civil pública ajuizada na comarca da cidade em questão.

Os fatores de degradação indicados nas letras “b” e “c”, por sua vez, são aqueles decorrentes da prestação atualmente pouco efetiva do serviço público de coleta e tratamento de esgotos sanitários pela CASAN.

No que se refere ao tipo de tutela pleiteada pelo Ministério Público Federal, é bom esclarecer, desde já, alguns aspectos.

Foi dito ao longo do processo, mormente pelo Município de Balneário Camboriú e pela FUNASA, que os pedidos do autor, se providos, constituiriam indevida intervenção em funções discricionárias da administração, em ofensa ao princípio da separação de poderes.

A crença dos réus é equivocada.

No sistema de tripartição das funções do poder, sugerido por Montesquieu, cabe ao Poder Judiciário, em apertada síntese, garantir o cumprimento da Constituição e das leis, inclusive pela Administração.

Fala-se muito atualmente em um crescimento das funções do Poder Judiciário, especialmente no que diz com o controle dos atos e omissões da Administração. Entendo que esse aumento – que de fato existe – decorre antes de uma maior abrangência da própria legislação acerca das funções estatais, do que de um suposto agigantamento jurisdicional, calcado exclusivamente em entendimentos pretorianos.

Acerca do assunto, valho-me da lição da doutrina especializada:

“Estudando-se o Direito Administrativo desde o seu nascimento, com o Estado de Direito, até os dias atuais, constata-se a ampliação do seu conteúdo e as freqüentes mutações que vem sofrendo, intensificadas, no direito brasileiro, com a entrada em vigor da Constituição de 1988 e, mais recentemente, das Constituições Estaduais.

Isto se explica, de um lado, pelo sensível acréscimo das funções assumidas pelo Estado como conseqüência das crescentes necessidades coletivas nos âmbitos econômico e social. O conceito de serviço público ampliou-se para abranger serviços sociais comerciais e industriais antes privativos do particular; o poder de polícia estendeu-se a áreas onde antes não se fazia necessário, como a proteção ao meio ambiente e a defesa do consumidor; a atuação do Estado estendeu-se à esfera da atividade econômica de natureza privada.

Mas, paralelamente, a nova Constituição trouxe princípios inovadores que refletem o espírito democrático que norteou a sua elaboração; nota-se a preocupação em restringir a autonomia administrativa, aumentando o controle dos demais Poderes sobre a Administração Pública e inserindo a participação popular na função fiscalizadora.” (grifei)(4)

Assim, o aumento das funções estatais redunda em necessário regramento dessas atividades, cabendo ao Judiciário observar se tal regramento é ou não cumprido, o que somente é possível descobrir contrapondo-se a legislação de regência com as condutas adotadas pelos obrigados até o momento da apreciação da questão.

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