Rosali deixa PGE

Procuradora-geral do Estado de SP é afastada do cargo

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20 de novembro de 2001, 11h21

O juiz da 9ª Vara da Fazenda Pública, Paulo Eduardo de Almeida Sorci, suspendeu a nomeação da procuradora-geral do Estado de São Paulo, Rosali de Paula Lima. A Ação Civil Pública, com pedido de antecipação de tutela, foi impetrada pelo Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo (Sindiproesp). O sindicato resolveu entrar com a ação depois que a procuradora aumentou em até 33,3% somente os salários do alto escalão da Procuradoria e por entender que ela não se empenhou pelo reajuste dos procuradores paulistas.

O sindicato foi representado pelo advogado Flávio Luiz Yarshell, do escritório Yarshell, Mateucci e Camargo Advogados. O advogado apontou a inconstitucionalidade na nomeação de Rosali porque ela era aposentada quando assumiu o cargo. O parágrafo único do artigo 100 da Constituição do Estado determina que o chefe da Procuradoria-Geral do Estado seja escolhido entre os integrantes da carreira.

O sindicato quer que a procuradora-geral devolva aos cofres os vencimentos e vantagens que recebeu no cargo. O juiz mandou o Sindiproesp apontar o valor. Segundo o sindicato, desde que assumiu o cargo a procuradora passou a receber duas vezes: por estar na ativa e por ser aposentada.

O juiz mandou o governador Geraldo Alckmin nomear novo procurador. O governo paulista vai recorrer da decisão.

Veja a decisão

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Juízo de Direito da Nona Vara da Fazenda Pública

Processo nº 1.418/053.01.023568-2

Ação Civil Pública

Requerente: Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo – SINDIPROESP

Requerido: Fazenda Pública do Estado de São Paulo, Governo do Estado de São Paulo e Procuradoria Geral do Estado de São Paulo

Vistos.

Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada inaudita altera parte, ajuizada por Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo – SINDIPROESP contra Fazenda Pública do Estado de São Paulo, Governo do Estado de São Paulo e Procuradora Geral do Estado de São Paulo, fundada na ilegalidade e inconstitucionalidade do ato do Governo que nomeou a Doutora Rosali de Paula Lima para exercer, em comissão, o cargo de Procurador Geral do Estado de São Paulo, sob alegação de que sua atual titular, na condição de aposentada, e isso ao tempo do próprio Decreto, não integrava mais a carreira dos Procuradores do Estado.

Almeja tutela jurisdicional de urgência visando à suspensão do ato de nomeação e, ao final, anulado definitivamente esse ato, com a regular nomeação de novo Procurador Geral do Estado, integrante da carreira, a condenação da requerida à devolução de todos os valores que recebeu a título de salários e vantagens durante o exercício do cargo em comissão, acrescidos de correção monetária e juros. A inicial está instruída com os documentos a fls. 28/273 e à causa foi atribuído o valor de R$ 10.000,00.

Os D. representantes judiciais dos entes de direito público requeridos foram ouvidos nos termos do artigo 2º, da Lei nº 8.437/92 (conf. fls. 288/331), aduzindo, em suma, a regularidade do Decreto de nomeação e o perigo de irreversibilidade do provimento antecipatório.

Esse é o relatório do essencial. Decido.

O controle judicial dos atos administrativos é unicamente de legalidade e, de acordo com a Constituição Federal, essa revisão é muito ampla, pois nenhum ato do Poder Público poderá ser subtraído do exame judicial, seja ele de que categoria for (vinculado ou discricionário) e provenha de qualquer agente, órgão ou Poder.

A anulação de um ato administrativo ilegítimo ou ilegal pode ser declarada pela própria Administração. Entendimento pacificado no Pretório Excelso estabelece que: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (1)

Logo, força é convir que carece de qualquer razoabilidade a tese que prega a ausência de situação emergencial e danosa que se mostre prima facie irreparável a justificar a tutela de urgência, alicerçada no frágil argumento de que a “situação que se busca coarctar é ocorrente há mais de um ano”, se, na verdade, à Administração era facultado reconhecer a prática de um ato contrário ao Direito vigente, anulando-o o quanto antes, a fim de restabelecer a legalidade administrativa. Ora, quem não faz o que deve, não recebe o que convém – “Qui non fácit quod débet, non récipit quod oportet”.

No caso, a medida antecipatória almejada está ligada diretamente à proteção da pretensão de direito material do autor, i.e., está situada no plano do direito substancial aventado pelo sindicato dos Procuradores que, acaso relegada apenas para o pronunciamento final, ensejará tutela a direito subjetivo esvaziado pela perda do objeto, daí decorrendo, inegavelmente, lesão irreparável, conquanto repercutirá sobre a efetividade da sentença que, insista-se, sem antecipação de seus efeitos resultará absolutamente inócua.

Não se olvida que a declaração de certeza e a constituição de uma nova situação jurídica devem, em regra, ser alcançadas pela sentença definitiva de mérito, após cognição completa e exauriente. Todavia, no caso dos autos, impõe-se, desde logo, o reconhecimento do direito constitutivo alegado pelo autor, cuja verossimilhança, irrecusável, autoriza acertamento de plano.

O caput do artigo 273 alude à antecipação total ou parcial dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial. É dizer, qualquer tipo de provimento poderá ser antecipado, devendo o Juiz, nos provimentos constitutivos e declaratórios, limitar-se a antecipar alguns efeitos que correspondam a esses provimentos e não ao próprio provimento. A utilidade da declaratória está na certeza jurídica a ser alcançada com a sentença transitada em julgado. Nos casos de sentença declaratória e constitutiva, a tutela antecipatória é preventiva ou inibitória. Seu caráter antecipatório está em ordenar ao réu não fazer aquilo que somente a sentença final poderá demonstrar ser ilegítimo fazer. Não é, pois, a tutela cautelar, mas antecipatória, eis que se refere ao exercício de um direito material que ainda será declarado ou constituído. É inegavelmente antecipatória a tutela que suspende a eficácia de um ato que se pretende ver anulado ou declarado nulo. Impede-se, nesse caso, que o ato produza efeitos contrários ao autor.

O pedido de tutela jurisdicional de urgência reclama a suspensão do ato de nomeação da Procuradora Geral do Estado, pois em desacordo com a Constituição Estadual. Ato suspensível é o que permite a cessação dos seus efeitos em determinadas circunstâncias ou por certo tempo, mantido o ato par oportuna restauração de sua operatividade, se for o caso, de sorte que não há falar em irreversibilidade da medida. Mesmo a despeito de almejar a suspensão do ato de nomeação para, a final, anula-lo, cumpre observar que não é imprescindível a correspondência entre o objeto da medida antecipatória com o exato conteúdo da sentença. Há que corresponder, isto sim, a um efeito normal da situação jurídica a ser declarada no mérito da causa. No caso, o dano que se busca impedir consiste na prevenção contra o risco de ineficácia prática do processo.

Com efeito. Há prova inequívoca dos fatos articulados pelo autor, conforme a seguir restará demonstrado.

O parágrafo único, do artigo 100, da Constituição do Estado de São Paulo, de clareza solar, estabelece que o Procurador-Geral do Estado será nomeado, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira.

A atual Procuradora Geral do Estado foi aposentada voluntariamente em 19 de março de 1999, com isso decorrendo a vacância de seu cargo, de modo que, na condição de aposentada, não sendo mais titular de cargo, não integrava mais a carreira de Procurador do Estado.

A carreira jurídica de Procurador do Estado é o agrupamento de classes da mesma atividade essencial à Justiça, escalonadas segundo a hierarquia do sérvio. “para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram”. (2) O cargo de Procurador Geral do Estado é de carreira. Cargo de carreira é o que se escalona em classes, para acesso privativo de seu titulares.

Esses os fatos que, convenço-me, não admitem discussão.

Afora tanto, a lei não é o texto, mas o contexto.

Nesse ponto, cumpre observar que a Constituição Federal estabelece limitação expressa ao Constituinte Estadual, de natureza mandatória, impondo-lhe que dispunha sobre a representação judicial e os serviços de consultoria jurídica do Estado, os quais incumbirão necessariamente aos Procuradores, que deverão ser organizados em carreira dentre de uma estrutura administrativa unitária em que sejam todos congregados. A chefia do órgão, portanto, é problema do próprio Estado, não importando em usurpação da iniciativa privativa do Poder Executivo a restrição imposta pela Constituição do Estado de São Paulo de que a chefia do órgão seja exercida por integrante da carreira, tal como corre, aqui mesmo, neste Estado, com os cargos de Procurador-Geral da Justiça e Delegado-Geral de Polícia.

Ora, o constituinte estadual é livre para estruturar sua própria Justiça, também podendo dispor a respeito das carreiras disciplinadas no título IV, da Lei Maior, respeitados os princípios desta. As próprias atribuições do Governador são definidas na Constituição do Estado, semelhantes as que cabem ao Presidente da República, dentre estas a de prover a extinguir cargos públicos do Estado, com as restrições da Constituição do Estado e na forma da lei. Inúmeros outros comandos insertos na Constituição Federal estão a indicar a validade do artigo 100, de Constituição Estadual Bandeirante, a bem da harmonia e do respeito mútuo que devem reinar entre os poderes. Nesse sentido:

“As funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (Artigo 37, inciso V, da Constituição Federal – Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/1998 – Da Administração Pública – Disposições Gerais); “Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social” (Art. 40, parágrafo 13, da Constituição Federal – Dos Servidores Públicos); “as nomeações que se seguirem às primeiras, para os cargos mencionados neste artigo, serão disciplinadas na Constituição Estadual” (art. 235, da Constituição Federal – Título IX – Das Disposições Constitucionais Gerais).

Posto isso, defiro a antecipação dos efeitos da tutela para, até final julgamento, suspender o ato de nomeação da Procuradora Geral do Estado, Doutora Rosali de Paula Lima, consubstanciado no Decreto do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de 1º de setembro de 2000, com regular nomeação de outro(a) Procurador Geral dentre Procuradores integrantes da carreira, de acordo com o disposto no Parágrafo único do artigo 100, da Constituição do Estado de São Paulo.

Adite-se a inicial, em dez dias, para adequação do valor atribuído à causa, que deverá corresponder ao quantum exato da devolução pleiteada a fls. 26, item “b”. No mesmo prazo, recolha o autor a complementação das custas processuais.

Citem-se, intimem-se e cumpra-se.

São Paulo, 19 de novembro de 2001.

Paulo Eduardo de Almeida Sorci

Juiz de Direito

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