Sociedades por quotas

'Menores de idade podem participar de sociedades por quotas'

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19 de novembro de 2001, 11h24

O objetivo da presente matéria é enfocar as principais características atinentes à possibilidade ou não da participação de menores nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Primeiramente, é importante frisarmos que a questão não é pacífica. Durante algum tempo, predominou o entendimento impedindo os menores de ingressarem nas sociedades, inclusive, as Juntas Comerciais não registravam os instrumentos de alteração ou de constituição em que o menor tivesse participação.

O assunto abordado neste trabalho tem sido responsável por muita discussão envolvendo ilustres doutrinadores, que não se posicionam de maneira uniforme.

Inúmeros são aqueles que defendem a idéia da impossibilidade de o menor ser cotista nas Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, permanecendo com o mesmo posicionamento que predominou durante muitos anos, ou seja, impedir que os menores ingressem na sociedade, sob diversos argumentos, entre os quais podemos destacar:

a) que o dispositivo legal, artigo 308 do Código Comercial, não permite que os menores pertençam a sociedade, assim vejamos:

“Artigo 308. Quando a sociedade dissolvida por morte de um dos sócios tiver de continuar com os herdeiros do falecido (artigo 335, nº 4), se entre os herdeiros algum ou alguns forem menores, estes não poderão ter parte nela, ainda que sejam autorizados judicialmente; salvo sendo legitimamente emancipados” (grifo nosso)

Se a sociedade decidir continuar mesmo após a morte de um dos sócios com um dos seus herdeiros menores, acabará deparando-se com o impedimento da alteração do contrato social, uma vez que com o falecimento de um dos sócios, ocorrerá a modificação;

b) se fosse permitida a participação do menor com as suas quotas integralizadas, não estaria excluída a possibilidade de o menor envolver-se e ser solidário no caso de descumprimento de obrigações financeiras de outros sócios, ou seja, o menor sempre estaria em situação de insegurança em relação aos demais sócios.

Por outro lado, há aqueles que entendem positivamente quando da participação do menor, como herdeiro, nas Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, e que não se aplica a regra do artigo 308 do Código Comercial, apresentando, entre outras, as seguintes justificativas:

a) menor pode participar, independentemente de autorização judicial, se o capital for integralizado;

b) menor pode ingressar, se devidamente autorizado pelo juiz competente, por subscrição inicial, ou por sucessão causa mortis, nas Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada de capital não integralizado.

Nesse sentido é a lição de João Eunápio Borges, em sua obra Curso de Direito Comercial Terrestre, Editora Forense, onde destacamos alguns trechos “in verbis”:

“……

É que não se aplica às sociedades por cotas tal dispositivo do Código Comercial. Do mesmo modo que não se aplica às sociedades anônimas, apesar de ser sócio o acionista, tanto quanto o é o cotista.

……a solução para o problema do menor cotista é a mesma do menor acionista. Em conseqüência:

a) o menor pode, como herdeiro, tornar-se cotista de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, independentemente de autorização judicial, estando o capital integralizado;

b) do mesmo modo, se todo o capital for integralizado no ato da constituição da sociedade, o menor absolutamente incapaz poderá subscrever cotas, por intermédio de seu representante legal, pai ou tutor, o menor relativamente incapaz poderá fazê-lo com assistência do pai ou tutor;

c) devidamente autorizado pelo juiz competente poderá o menor, por subscrição inicial, ou por sucessão causa mortis, ingressar em sociedades por cotas, de capital integralizado. Pelas mesmas razões que todos admitem a autorização judicial para a subscrição de ações, não integralizadas no ato da subscrição.”

Para melhor entendermos a questão comentaremos em linhas gerais o que vem a ser a subscrição e a integralização do capital social nas sociedades limitadas.

As Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, ao serem constituídas, declaram o valor de seu capital social, e este é representado por quotas, que são as parcelas deste capital. A formação do capital ocorre com a subscrição, que é a promessa do sócio de entregar determinado montante, que pode ser em dinheiro ou em bens, e com a integralização, ou seja com o cumprimento, pelo sócio, da promessa de entrega do montante com o qual se comprometeu.

Quando um ou mais sócios subscrevem o capital social e não o integralizam totalmente, é ajustado um prazo para a integralização da parcela restante, ficando assim o capital a integralizar; e este prazo fica estipulado no contrato social. Devemos atentar ao fato que nenhuma sociedade poderá ser constituída com capital totalmente a integralizar, uma vez que não seria possível implantá-la, em função dos custos necessários para a sua constituição.

Um outro posicionamento defende a possibilidade de participação do menor nas Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, sustentando-se:

a) que rigorosamente a lei civil e o Decreto nº 3.708/1919 (regula a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada) nada obstam a esse respeito; b) que o capital esteja integralizado;c) e que os menores não exerçam poderes de gerência e administração.

Oportuno observar-se que a doutrina admite, sem maiores discussões, que o menor seja acionista de Sociedades Anônimas, acrescentando-se que tanto as ações quanto as quotas sociais são bem móveis, e assim podem ser livremente adquiridos, alienados ou gravados pelo representante ou responsável legal do menor, lembrando que o disposto no artigo 386 do Código Civil aplica-se somente aos bens imóveis, imprescindível também da autorização judicial.

“Artigo 386. Não podem, porém, alienar, hipotecar, ou gravar de ônus reais, os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, exceto por necessidade, ou evidente utilidade da prole, mediante prévia autorização do juiz (art. 178, parágrafo 6º, n. III).”

Mesmo considerando a importância que fazem por merecer as diversas opiniões de conceituados doutrinadores, é importante ressaltar que a jurisprudência tem se manifestado pela possibilidade de ingresso do menor.

O Supremo Tribunal Federal já examinou a questão, tendo consentido pela participação do menor, e em razão da relevância do pronunciamento transcreveremos parcialmente o acórdão a seguir:

“Ementa: Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada. Participação de menores, com capital integralizado e sem poderes de gerência e administração, como cotistas. Admissibilidade reconhecida, sem ofensa ao artigo 1º do Código Comercial. Recurso Extraordinário não conhecido.

……

O Sr. Ministro Xavier de Albuquerque: A Junta Comercial do Estado de São Paulo indeferiu pedido da ora recorrida, de arquivamento de alteração contratual pela qual passaram a integrá-la, com capital inteiramente realizado e sem poderes de gerência e administração, dois menores, filhos de seu principal cotista. Pediu a sociedade, em conseqüência, mandado de segurança que lhe foi concedido pelas duas instâncias ordinárias.

Da concessão da segurança, recorreu extraordinariamente o Estado de São Paulo e apontou como violado o art. 1º do Código Comercial.

O Recurso foi admitido pelo ilustre Presidente do Tribunal a quo. Considerou S. Exa. “que a matéria merece ser levada ao Colendo Supremo Tribunal Federal, dada a sua relevância e aspecto interpretativo que enseja” (F.90).

……

Voto

O Sr.Ministro Xavier de Albuquerque (Relator): Sem embargo da opinião contrária de Egberto Teixeira (Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, 1956, pág. 36), penso que a sentença e o acórdão, de que ora se recorre, afinam com a boa doutrina (De Plácido e Silva, Noções Práticas de Direito Comercial, I/193, João Eunápio Borges, Curso de Direito Comercial Terrestre, pág. 318, Pedro Barbosa Pereira, Curso de Direito Comercial, 2ª ed., pág.80). Nestes autores e no nosso eminente colega e Mestre de Direito Comercial, Ministro Cunha Peixoto, arrimaram-se os julgadores e o próprio Ministério Público Estadual.

A lição do douto Ministro Cunha Peixoto, reproduzida pelo Promotor Público que oficiou às fls. 41 e extraída da sua consagrada monografia Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, 2ª Edição, I/233, é deste teor:

“Surge, então, a questão de saber se o representante do menor pode subscrever, em seu nome, cotas de uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada. A resposta depende do exame prévio da situação do menor e da espécie de contribuição.

Se o menor está sob o regime do pátrio poder e sua contribuição é em dinheiro ou bens móveis, a afirmativa se impõe. De fato, consoante nossas leis civis,o pai e, na sua falta, a mãe, só tem limitada a administração dos bens imóveis dos filhos, não existindo nenhuma restrição quanto aos móveis, inclusive, o dinheiro de contado. Podem, pois, os pais dispor dos bens móveis como entenderem e, conseqüentemente, nada impede que eles subscrevam, em nome dos filhos, cotas de sociedade de responsabilidade limitada”.

Pelo exposto, nada vendo a reparar no acórdão recorrido, não conheço do recurso.

……”(Recurso Extraordinário nº 82.433-SP – STF – Tribunal Pleno – j. 26/05/1976 – Relator Ministro Xavier de Albuquerque)

Após a manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, as Juntas Comerciais passaram a posicionar-se favoravelmente, assim registrando os contratos e alterações onde figurassem menores, desde que preenchidos requisitos essenciais, quais sejam:

a) o capital da sociedade deve estar totalmente integralizado, tanto na constituição como nas alterações contratuais; b) não poderá ser atribuído ao menor nenhum poder de gerência ou administração; c) o sócio menor deverá estar assistido ou representado pelo pai, mãe ou tutor.

Há que se observar também, que no ingresso do menor por sucessão causa mortis, na sociedade, quando autorizado pelo Juiz competente, não é necessário que as quotas estejam inteiramente integralizadas, pois em consonância com o já mencionado artigo 386 do Código Civil, o menor poderá contrair obrigações.

Faz-se necessário que mencionemos a questão relacionada à emancipação, uma vez que, embora o menor possa participar da sociedade, ele está impedido de gerenciar ou administrá-la, pelo fato de não possuir capacidade para gerir seus próprios atos.

Assim sendo, se o menor for emancipado, tornar-se-á apto para a prática dos atos jurídicos, conseqüentemente ele poderá assumir o cargo de gerência ou administração da sociedade. A emancipação dar-se-á:

a) por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezoito anos cumpridos;

b) pelo casamento;

c) pelo exercício de emprego público efetivo;

d) pela colação de grau científico em curso de ensino superior;

e) pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria.

Assim vejamos a postura do STF a respeito:

“Legado de quotas de sociedade limitada a menor. Sua legitimidade. Não há confundir o legado, em si, com a participação societária do menor, que poderá adquirir capacidade, na forma do artigo 9º, parágrafo 1º, do Código Civil. Recurso Extraordinário não conhecido” (Recurso Extraordinário nº 87.090-3-PR – STF – 2ª Turma – j. 26/06/1979 – Relator Ministro Cordeiro Guerra)

Em que pese opiniões contrárias, entendemos ser possível a participação do menor como sócio quotista nas Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, desde que não seja atribuído ao mesmo os poderes de gerência ou administração da sociedade.

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