Produtos gratuitos

Produtos gratuitos devem ter garantia para consumidor

Autor

  • João Campos

    é advogado especializado em Direito do Consumidor em Campo Grande (MS) e autor do "Manual do Consumidor Indignado".

12 de novembro de 2001, 7h46

Há pouco tempo recebi um telefonema de um cliente com problemas de assistência técnica para seus computadores. Convocado ao meu escritório o técnico responsável disse que um determinado software (folha de pagamento), adquirido por download gratuito, apresentava mau funcionamento em determinadas etapas do serviço. Mostrou alguns e-mails ao fornecedor pedindo assistência técnica e até o momento sem resposta. Contatado por telefone, o fornecedor exigiu pagamento para fornecer suporte ao cliente, justificando que em casos de gratuidades o suporte era cobrado.

O caso foi resolvido por acordo e, por questão ética, não posso revelar nomes dos envolvidos. Mas a hipótese é interessante para demonstrar as novas faces do conflito no âmbito do webconsumo.

Na verdade, quando o Código do Consumidor define quem é fornecedor (1) não distingue se a oferta do produto (e software é um produto!) ao mercado é gratuita ou onerosa.

De fato, a política nacional das relações de consumo não distingue produtos gratuitos de onerosos quando confere ao consumidor padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. <acronym title="2 CDC, Art. 4o.

A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho”> (2) . Além disso, é evidente que a operação comercial, na área do software, reveste-se de muito mais sutileza comercial do que nos tempos da “máquina de escrever”. O free é apenas uma etapa da verdadeira operação comercial que busca fidelizar (ou escravizar, se preferir) o usuário.

O cliente deve pensar sempre que está adquirindo um produto pelo qual, inicialmente, não paga mas que depois, na segunda cópia, quando já estiver acostumado ao benefício, terá de compensar o fornecedor, não sendo raro que este até inclua aquele free no preço da segunda versão.

Não é casual que a IBM tenha sido uma das primeiras a “ceder” generosamente e com bastante apoio de mídia um mainframe a Universidades espalhadas pelo mundo. É o que chamava, candidamente, de “incentivos à força de vendas”. <acronym title="3 "The IBM Way", Buck Rodgers, com Robert S. Shook, ed. Harbra, 1986, p. 58." (3) Quando os países despertavam da lua-de-mel, todos os sistemas periféricos tinham sido produzidos com cara da mamãe IBM, ou compatíveis, se preferir o leitor.

É claro que será desusado pedir garantia de um download onde o maior benefício parece ser o produto gratuitamente fornecido, mas o fato é que, ainda que não esteja escrita, a garantia é direito do usuário. (4) É evidente que nesse caso o termo escrito e com limitação de prazo será mais vantajoso para o fornecedor do que para o cliente.

Para reclamar, o usuário deve observar algumas cautelas quanto aos prazos. O cliente deve reclamar pelo defeito ou pela assistência técnica no prazo legal<acronym title="5 CDC, art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I – 30 dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis; II – 90 dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis.”> (5) e deve fazê-lo por escrito, guardando uma cópia da reclamação. A contagem do prazo de caducidade começa no dia seguinte ao download (6) mas se interrompe com esse gesto aparentemente simples. <acronym title="7 CDC, art. 26, § 2º –

Obstam a decadência: I – a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;”> (7)

No entanto, no caso de softwares, o vício pode ser considerado oculto, ou seja, aquele que o usuário não detecta à primeira vista ou ao primeiro exame. Aí, só ao constatar o defeito é que estará correndo o prazo para exigir a reparação. (8)

Recomendo a assessoria de um técnico para diagnosticar o defeito e pôr isso numa fórmula inteligível tanto para a empresa que forneceu o produto como para um juiz que vá julgar essa causa.

O autor do software é sempre uma pessoa física, mas a proprietária ou vendedora pode ser uma grande empresa. Cabe ao usuário escolher quem vai entrar na arena para apanhar. Se a empresa é pequena, mas o sócio é poderoso e tem bens, recomendo que a ação seja contra ele.

De qualquer forma, mesmo que você escolha processar uma pessoa jurídica, lembre-se que o juiz poderá desconsiderá-la no curso do processo e dirigir a ação para o sócio, caso ela esteja falida ou desativada por motivo de má administração. (9)

É claro que esse raciocínio todo está sendo desenvolvido, talvez pela primeira vez, com base em disposições do Código do Consumidor, no qual se veda a remessa ou facilitação de produto ou serviço sem pedido prévio. (10) Quando o fornecedor remete o produto ou o coloca disponível na net por download, mormente sob a capa de produto gratuito, assume o risco de indenizar se houver disfunção do mesmo.

Quando o Código converte a remessa não solicitada em amostra grátis (11) não retira do fornecedor a obrigação de dar assistência técnica, pois, interessa à lei que o produto (grátis ou não) funcione e o consumidor fique satisfeito. No caso, duplamente satisfeito, pois o produto funcionará e ele nem terá de pagá-lo.

Aos céticos sobre a tese aqui desenvolvida, lembro o que disse acima: o Código não exige que o termo de garantia seja por escrito, já que esta é apenas complemento da que está na própria lei. (12) Na dúvida, o juiz poderá ainda inverter o ônus da prova, atribuindo ao fornecedor o dever de provar que não está errado. (13)

Mesmo que o Código do Consumidor não bastasse, a Lei 9.609/98, que regula os programas de computador, é muito clara sobre o dever de dar assistência ao produto lançado no mercado, (14) o texto sequer fala em gratuidade ou ônus e garante assistência até mesmo quando o programa já foi retirado de circulação. (15)

A questão é: o software gratuito, baixado num download generoso e de ocasião, deve ser garantido pelo fornecedor? Os argumentos acima respondem positivamente e se assim não fosse, aquele incauto que oferece um churrasco aos amigos onde a maionese estragada leva alguns ao hospital, não responderia pelo dano. E responde. Mas, e você, o que acha?

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