Advogado discute indulto no caso Guilherme de Pádua
12 de novembro de 2001, 7h43
Recentemente, durante uma aula de Direito Penal, para uma turma de primeiro ano, surgiu a questão a respeito da concessão de indulto para o caso Daniela Peres. Ouve-se na mídia que o requerimento do indulto coletivo está amparado pelo Decreto 3226/99, de grande amplitude porque permite, em tese, a comutação da pena, ou seja, o abatimento de 1/3 para réu não reincidente e 1/5 se reincidente, para o condenado que não preencha os requisitos para o indulto “total”.
Em mais de uma oportunidade, porém, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça ampliou o conceito de indulto, abrangendo como indulto parcial, a comutação da pena.(RESP 312346/SC). A disposição da Lei Maior é de impossibilidade de conceder-se anistia, graça e indulto aos condenados por crimes hediondos. Indulto total, ou parcial (comutação), entende o STJ.
Guilherme de Pádua, como se sabe, foi condenado a 19 anos de prisão, por crime de homicídio qualificado, artigo 121, § 2°,incisos II e IV do CP, praticado em 1992. O homicídio qualificado, passou a ser considerado delito hediondo pela lei 8930/94. Por isso, permitiu-se a progressão do regime fechado, para o semi-aberto.
Pelo que se tem notícia, o pedido de indulto fundamenta-se no artigo 1° do Decreto 3226/99, inciso IV, que concede indulto ao condenado à pena privativa de liberdade superior a seis anos, pai ou mãe de filho menor de doze anos de idade até 25 de dezembro de 1999, e que na mesma data, tenha cumprido um terço da pena, se não reincidente, ou metade se reincidente.
É princípio basilar do Direito Penal, na Carta Magna, que a lei penal não retroage, não volta a eficácia para o passado se for prejudicial ao réu. Deveu-se a este princípio a concessão de progressão de regime para Guilherme de Pádua. Aplicar-se-ia este princípio , também, para o indulto coletivo?
A resposta à pergunta é importantíssima. Pois todos os Decretos Presidenciais que concedem indulto têm expressa proibição de aquele benefício não alcançar os delitos hediondos. Em 1992,tempo do crime, o homicídio qualificado não era delito hediondo!
O tema da retroatividade da lei mais severa, da chamada “novatio legis in pejus” para as hipóteses de concessão de indulto já foi analisado pelas mais graduadas Cortes do país, e chega a surpreender que ninguém tenha , ainda, escrito a respeito.
O Plenário do Supremo Tribunal cuidou do assunto no HC 71262/SP, em que condenado por extorsão mediante seqüestro em 1989, antes pois da vigência da lei dos crimes hediondos, debatia-se pelo indulto, do Decreto 953/93, que dispunha no artigo 7°, II, sua inaplicabilidade para os crimes hediondos, mesmo que cometidos anteriormente à vigência da lei.
O “writ” sustentava, justamente, o princípio da irretroatividade da “lex gravior”. A Corte seguiu o voto do Eminente Ministro Francisco Rezek, para quem “a lei penal que não retroage senão para beneficiar o réu é a lei penal em sentido estrito. É aquilo que tem a ver com a definição do crime e a determinação da pena…não está escrito em parte alguma de ordem jurídica de país que o réu tem o direito de ver prevalecerem em seu favor todas as normas vigentes no momento do crime, até mesmo em domínios como o da anistia, o do indulto o da extradição.”
A ementa esclarece: “A concessão de indulto é medida de natureza extraordinária, de Competência Privativa do Presidente da República ( art. 84, XII e parágrafo único da CF), que não está impedido de impor restrições ao benefício, ainda que valendo-se de conceitos de lei nova (lei 8072/90). Não há falar em aplicação retroativa da lei. Cuida-se de fixação de requisito- não ofensivo á Carta da República- para concessão do benefício. HC indeferido.”
Neste mesmo sentido: HC 74354/SP; 74132/DF; 73118/RN;
Aliás, o HC 74354/SP trata de caso idêntico ao de Guilherme de Pádua. Veja-se a ementa: “Precedentes do Plenário e das Turmas do Supremo Tribunal Federal têm proclamado que os Decretos concessivos de benefícios coletivos de indulto e comutação de penas podem favorecer os condenados por certos delitos e excluir os condenados por outros.
Essa exclusão pode fazer-se com a simples referência aos crimes que a lei classifica como hediondos, mesmo senda esta posterior à prática do delito. À alusão , no Decreto presidencial de indulto e comutação, aos crimes hediondos, assim classificados na lei 8072, de 25.05.1990, modificada pela Lei 8930 de 06.09.1994, foi uma forma simplificada de referir-se a cada um deles (inclusive o de homicídio qualificado), para excluí-los todos do benefício, o que, nem por isso, significou aplicação retroativa desse diploma.” Também o STJ já apreciou causa semelhante, no RESP 234922/RS.
Por tudo o que foi exposto, dizer-se que o favorável Parecer do Conselho Penitenciário para Guilherme de Pádua irá necessariamente vincular o juízo da execução é asneira .É de clareza que o indulto do Decreto 3226/99 não alcança os condenados por crimes hediondos (artigo 7°, inciso I).
Conforme a jurisprudência apresentada, para o indulto não se fala em retroatividade de “lex gravior”, até porque o indulto é instituído mediante Decreto Presidencial, tem natureza assemelhada a de ato administrativo.
Bobagem do mesmo porte é querer transformar o indulto coletivo em inexistência de reincidência, dentre outros efeitos da condenação, transmudando-se o instituto , de perdão do executivo, para indulgência divina.
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