Suicídio e o seguro

Advogado critica indenizações concedidas para famílias de suicidas

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7 de novembro de 2001, 13h56

As apólices de seguro de vida, especialmente no seguro de acidentes pessoais, excluem expressamente de cobertura os eventos decorrentes de suicídio ou tentativa de suicídio, voluntário ou involuntário do segurado.

Em um primeiro momento, pode parecer tratar-se de um tema pacífico, claro, lógico, indiscutível. O suicídio é um evento descoberto pelas apólices de seguro, motivo pelo qual ante a sua ocorrência não há que se falar em pagamento da indenização. Não é bem assim!!

O suicídio do segurado é um dos temas que, dentro do universo do seguro, talvez tenha provoca as maiores dúvidas de interpretação e críticas à jurisprudência que se formou sobre a matéria, especialmente no tocante ao procedimento adotado pelas áreas técnicas de seguros porque o conteúdo das exclusões ao evento suicídio, constantes das condições gerais das apólices passaram, em regra, a ser de pouco ou nenhum efeito prático, pois são rechaçadas por esse entendimento jurisprudencial majoritário.

A primeira questão imposta ao Judiciário, através de inúmeras ações judiciais, debatia a validade da cláusula que excluía, genericamente, o suicídio praticado pelo segurado, fosse ele voluntário ou involuntário.

O elevado número de demandas discutindo o mesmo tema gerou a edição de duas súmulas, uma do Supremo Tribunal Federal, nº 105 e outra do Superior Tribunal de Justiça, nº 61, abaixo transcritas:

Súmula 105 do Supremo Tribunal Federal: “Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.”

Súmula 61 do Superior Tribunal de Justiça: “O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.”

Assim, tem-se que ambas as súmulas, que representam o entendimento pacífico da jurisprudência, tornam, na prática, inoperantes as cláusulas que excluem a responsabilidade da seguradora ao pagamento do benefício do seguro em casos de suicídio involuntário do segurado.

A regra nesses casos é considerar o suicídio involuntário como morte acidental, dado que se presume tal ato como de inconsciência e de desequilíbrio mental, pois uma pessoa que atenta contra a própria vida não está, ainda que temporariamente, dentro da normalidade de suas faculdades mentais, cabendo à seguradora o ônus de provar que o segurado agiu de maneira premeditada e consciente, com uma racional intenção de dar cabo à própria vida.

Além dessas decisões (RTJ 37/628; RTJ 75/297; RTJ 104/1114; RT 575/150; RT 562/128; RT 520/523; RT 401/247, entre outras), outras mais rigorosas exigem a prova de que o segurado suicida, cometeu o ato em função do seguro, ou seja, contratou-o com o objetivo prévio de matar-se, caracterizando, somente nesse caso, a contratação ilícita e fraudulenta do seguro, pois sua intenção era favorecer o beneficiário da apólice do seguro de vida em questão.

Neste sentido, a doutrina também já se posicionou, podendo se transcrever os ensinamentos de Clóvis Bevilacqua, constantemente trazidos como fundamento doutrinário nas sentenças e acórdãos:

“… o suicídio para anular o seguro deve ser conscientemente deliberado, porque será igualmente um modo de procurar o risco, desnaturando o contrato. Se, porém, o suicídio resultar de grave, ainda que subitânea, perturbação da inteligência, não anulará o seguro. A morte não se poderá, neste caso, considerar voluntária; será uma fatalidade; o indivíduo não a quis, obedeceu a forças irresistíveis.”

Nas palavras acima se pode resumir a teoria da morte involuntária no caso de suicídio, fato que dá ensejo ao recebimento da dupla indenização do seguro e, ainda, obriga o segurador a considerar nula a cláusula que disponha de maneira contrária.

Na prática o que temos visto é que apenas vingará a tese da não cobertura e conseqüentemente o não pagamento da indenização nas situações em que for observada a premeditação, ou seja, a má-fé do segurado. Ainda mais quando ele deixa bilhetes de despedida, citando a existência de seguro e ainda contrata-o em data bastante próxima ao dia em que comete o suicídio.

Referidas situações nem sempre são fáceis de serem provadas e trazem uma questão importante que é a do ônus probatório nas relações de consumo. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor passou a ter sua inversão em favor do consumidor exigida.

Ademais, os princípios do CDC, entre eles o da facilitação da defesa do consumidor em juízo, do reconhecimento da hipossuficiência do consumidor, tem especial aplicação aos contratos de adesão, não se podendo olvidar da regra: na dúvida, pró consumidor.

Pois bem trazidos à baila a visão realista do problema, sob o enfoque jurídico, deixemos a razão jurídica pela razão leiga para pensar no problema do ponto de vista social. Essa corrente jurisprudencial atende aos apelos sociais?

Na nossa visão, depende. Do ponto de vista econômico, do beneficiário do seguro, do favorecimento ao mais fraco e até da distribuição de renda, inegavelmente que sim. Entretanto quando se é capaz de imaginar que tais decisões podem servir de estímulo ao ato extremo de atentar contra a própria vida, faz-se necessário repensar o assunto.

Sim, porque se imagina que qualquer decisão, em especial aquelas que são constantes e representam entendimento pacífico no Judiciário, sirvam de exemplo à Justiça para determinadas situações do cotidiano, podendo então ser divulgada, publicada, difundida para diversos fins, entre eles, inclusive, o de reprimir os infratores da lei e incentivar àqueles que sofrem o mesmo problema poderem reclamar seus direitos.

Pois bem, no caso da nulidade da cláusula que exclui de cobertura securitária o evento suicídio, pergunta-se: incentivar a quem? Para que? Incentivar àqueles que tiverem consciência prévia dessa regra à prática do suicídio? Dar vazão para que a baixa estima, muitas vezes provisória, causadora da depressão momentânea do indivíduo possa dar lugar ao sentimento de alívio ao descobrir uma saída para que aquela inutilidade pessoal deixe de existir em reconhecimento a um ato de “coragem e de dedicação aos seus, desprendimento à própria vida, etc.?”

Com o devido respeito à corrente doutrinária e jurisprudencial, hoje amplamente predominante, que entende pela nulidade da cláusula que exclui o suicídio involuntário de cobertura, ao reconhecermos que existe a possibilidade destas decisões servirem de estímulo à pessoa do suicida em potencial, para consumar o ato extremo, entendemos que esta corrente deveria ser revista.

A questão é prévia e não posterior. Depois da morte do segurado, de fato temos no processo, em regra, “pobres beneficiários e ricas seguradoras”.

Antes porém, temos como dito a possibilidade de estar servindo de estímulo para aquele que, sentindo-se um inútil para seus familiares e amigos, encontrou nas próprias regras sociais, neste caso ditadas pelas decisões judiciais, uma saída para transformar-se de “vilão” em herói, uma saída para ser reconhecido como ser humano, ser amado e bem lembrado…enfim, ter e ser na morte, tudo o que não estava tendo e sendo naquele momento de sua vida.

Nesse caso, mister admitir que essas decisões judiciais terão, ainda que indiretamente, provocado a morte de uma pessoa, que poderia ter se socorrido a outras fontes de apoio, não tivesse antes o incentivo ora comentado. Vale a pena então beneficiar financeiramente alguns ante o prejuízo da vida de outros?

Formalmente, entende-se defensável a tese de que um processo serve apenas como solução daquele litígio e, portanto, faz Justiça entre as partes envolvidas, ou seja, privilegiando àquele que não teve culpa pelo ato suicida do segurado – seus beneficiários – até porque à seguradora não fará falta o dinheiro, que por sua vez será melhor aproveitado pelos requerentes.

A Justiça econômica, de tirar dos ricos e dar aos pobres, compensa a viabilidade de se estar incentivando a prática de um ato tão covarde e corajoso, tão consciente e inconsciente, enfim tão ambíguo, que pode ser pensado e repensado – e muitos de nós ao menos já pensamos no assunto – e jamais consumado?

A cega Justiça exige respeito às normas e deve ser também preventiva, por vezes ditando regras aparentemente rígidas e burocráticas para manutenção da ordem e paz social. Assim é a cláusula de exclusão ora comentada, limitativa do risco e não abusiva, não podendo ser anulada. Por isso e porque não se pode admitir a nulidade de tal excludente se levarmos em conta que a cobertura securitária do suicídio, pode estar, em outras palavras, dizendo: “se o Sr. der fim à própria vida estará favorecendo seus familiares com vultosa quantia em dinheiro”. Ou não é isso que se está dizendo?

Formalismo por formalismo podemos considerar que tal cobertura securitária, se constante da apólice, sequer seria válida pois é uma forma de induzimento ao ato suicida e portanto um crime tipificado no Código Penal Brasileiro, pois representa um estímulo ao autocídio, ainda que seja como mero ponto de apoio àquele que se encontra em estado de baixa estima poder sequer vislumbrar que pode ser mais útil morto do que vivo.

Formalismo por formalismo, não se pode esquecer que as cláusulas e condições do seguro são elaboradas pelo Poder Público através de resoluções, portarias ou circulares emanadas de seus órgãos reguladores, aos quais também o segurador está sujeito em igualdade de condições com o segurado.

Por fim, lembra-se ainda que o seguro de acidentes pessoais é facultativo e não obrigatório, portanto de “efeito social” e não “social.”

Em remate, independentemente da opinião ora trazida, o que se pretende é trazer à tona a visão realista das decisões judiciais na matéria enfocada, baseada em brilhantes sentenças e acórdãos, com argumentos consideráveis e, em contrapartida a visão negativa e contrária à moral e à Justiça que isso pode representar.

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