Sigilo bancário e o STF

Ministério Público não pode quebrar sigilo bancário

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3 de novembro de 2001, 20h41

Divulgou-se recentemente na imprensa que o Supremo Tribunal Federal estaria entendendo que o Ministério Público Federal pode quebrar sigilo bancário de pessoas envolvidas com aplicação incorreta de financiamentos obtidos junto ao Banco do Brasil. Essa decisão, que já tem mais de cinco anos, foi proferida pelo Pleno, em Mandado de Segurança impetrado pelo Banco do Brasil, que se recusava a atender a requisição de documentos bancários relacionados com operações financeiras realizadas com usineiros.

Uma interpretação apressada desse julgado fez com que algumas pessoas afirmassem que doravante o MP ficaria dotado de poderes suficientes para investigar contas bancárias em geral, independentemente de prévia autorização judicial. Há, contudo, um evidente equívoco nessa análise superficial do julgado.

A decisão de agora (MS 21.729/DSF) diz textualmente que “a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas” e que, no caso examinado, “os empréstimos concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos”. Por isso, decidiu que “A ordem jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público…” o que lhe possibilitaria examinar contas bancárias, rompendo, pois, o sigilo.

Em decisão mais recente, de 13/4/99, a Segunda Turma do STF, sendo Relator o Ministro Carlos Velloso, já decidira que “A norma inscrita no inciso VIII do art. 129 da C.F. não autoriza o Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém.”

Embora a decisão cujo acórdão agora se publica seja do Pleno, não vale, como pretendem alguns, para todos os casos. Não se pode imaginar, com isso, que o sigilo bancário tenha de repente deixado de existir ou que possa ser “quebrado” indiscriminadamente pelo MP.

A Constituição Federal, ao definir nos artigos 127 a 130, como se institui o Ministério Público, em nenhum momento lhe confere poderes que possam ultrapassar os limites estabelecidos pelo artigo 5º, que fixa os direitos e garantias individuais, dentre os quais o do inciso X, que compreende o sigilo bancário. O próprio STF já deixou isso claro, em várias decisões que definem o alcance desse inciso X do artigo 5º, onde afirma-se que tal sigilo “é espécie de direito à privacidade” (RECR-215.301/CE) e nessa qualidade é cláusula pétrea, cuja discussão o artigo 60 § 4º do texto constitucional proíbe.

Pesquisando-se todas decisões do STF desde a vigência da atual Constituição, verificamos que a questão do sigilo bancário sempre foi resolvida no sentido de só permitir sua quebra em situações excepcionais, como, por exemplo, quando estejam presentes atos ilícitos relacionados com uso indevido de verbas públicas. A maioria dessas decisões relaciona-se com casos levantados através das várias CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) que funcionaram nos últimos anos: Narcotráfico, Futebol, Sistema Financeiro, Amazônia, etc.

Ninguém pode imaginar que, autorizando o Ministério Público a quebrar sigilo bancário em relação a processos criminais envolvendo desvios de financiamentos obtidos com recursos públicos, o Supremo Tribunal Federal esteja negando vigência ao inciso X do artigo 5º da Carta Magna. Também não se pode pretender que, sem autorização judicial, venha o Fisco Federal a ter o mesmo poder que só excepcionalmente e em determinados casos foi outorgado.

As decisões mencionadas não têm qualquer efeito vinculante. Valem apenas para o caso concreto. O STF é o guardião maior da Constituição e o defensor da Democracia. Não se constrói uma Nação civilizada se, a pretexto de investigações que muitas vezes ganham contornos claramente inquisitórios, uma instituição que se considera “fiscal da lei” possa romper ou ignorar cláusulas pétreas que asseguram direitos individuais absolutamente indisponíveis. Com tal respeito é possível que alguns culpados não sejam punidos. Mas mesmo a eventual punição de alguns culpados não pode justificar que os direitos fundamentais de um único cidadão inocente possam ser violados.

Sigilo bancário pode ser rompido, sim, mas apenas mediante decisão judicial onde os princípios do contraditório e da ampla defesa sejam efetivamente respeitados. Afinal, o poder de julgar e a imparcialidade a ele inerente são atribuições exclusivas do Judiciário.

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