Alça de mira

Serasa é denunciada no TCU e pode ser alvo de CPI

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1 de novembro de 2001, 22h56

O advogado de Curitiba Edson Galdino Vilela de Souza entrou com representação no Tribunal de Contas da União contra a Serasa. O advogado afirma que o convênio firmado entre a União e Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), em que “a Serasa se compromete a disponibilizar os dados para consulta da rede bancária” é ilegal.

A Serasa nega haver ilegalidade e afirma que o advogado está sendo processado criminalmente por divulgar falsas acusações baseadas em documentos inidôneos contra a empresa.

O convênio foi anexado à representação encaminhada ao TCU pelo advogado. O advogado afirma que a Serasa difunde, indiscriminadamente, dados confidenciais e desfruta de informações sigilosas da Receita Federal.

Segundo Galdino, a empresa privada vem auferindo lucros com a venda de informações que incluem “todo o universo dos cadastros da SRF, ou seja, 116 milhões de cadastros de pessoa física e 8,9 milhões de cadastros pessoa jurídica, tudo isto gratuitamente e só para a Serasa”.

De acordo com o superintendente Jurídico da Serasa Silvânio Covas, os dados enviados pela Receita Federal não são sigilosos e estão disponíveis no site da Receita Federal. Segundo ele, o convênio está amparado no artigo 64, parágrafo único, da Lei nº 8.383/91, que faculta a confirmação do número de inscrição do CPF e CNPJ “para evitar configuração do crime de falsidade na abertura de conta ou movimentação de recursos sob nome falso de pessoa física ou pessoa jurídica inexistente”.

O superintendente afirma que o “convênio visa a dar maior segurança jurídica ao Sistema Financeiro, protegendo o interesse público retratado na concessão de crédito”.

A Serasa também está sendo alvo de um pedido de CPI na Câmara dos Deputados. O pedido foi feito pelo deputado Rubens Bueno (PPS-PR). A CPI serviria para investigar suposta divulgação indevida de dados do presidente Fernando Henrique Cardoso, do governador de Minas Gerais, Itamar Franco, da apresentadora Hebe Camargo, do político Leonel Brizola, entre outros.

A assessoria da Serasa afirmou que os documentos em que se teria divulgado os dados do presidente e de outras pessoas são falsos. “Inclusive já houve uma audiência no Congresso em que foi mostrada a falsidade dos documentos para os deputados”, afirma a assessoria.

Na justificativa do pedido de abertura de CPI, o deputado afirma que a imprensa já divulgou que os dados da Serasa “não são devidamente protegidos e são disponibilizados sem maiores critérios”.

O debate envolve aspectos multifacetados. A Serasa, com o poder de fogo que lhe dá a condição de consórcio dos conglomerados financeiros do país – mais de 80 bancos – obtém convênios com diversos órgãos públicos. Com esses convênios, a empresa priva de bancos de dados cadastrais de pessoas físicas e jurídicas.

À primeira vista, é lícito que se disponha de um grande cadastro cujo objetivo seja o de orientar o comércio e bancos para que os fornecedores se protejam contra maus pagadores. Nesse aspecto, a entidade protege a saúde financeira das empresas.

Contudo, dada a facilidade de se lançar nomes no rol de inadimplentes, o sistema permite a impugnação de pessoas que nada devem e acabam sendo prejudicadas. Ex-devedores que já cumpriram sua obrigação e dívidas atribuídas a quem não as tem são divulgadas, indevidamente, como fator de restrição cadastral.

O zelo com que fornecedores e supostos credores lançam cidadãos no rol de inadimplentes não é o mesmo que se tem na hora de “limpar o nome” das pessoas, apesar da imposição de inúmeras normas nesse sentido. A Serasa, nesse plano é o sujeito passivo da oração, mas, ainda assim, é o veículo solidário da perfídia.

Os prejudicados que têm tempo e dinheiro para movimentar o Judiciário em busca de reparação têm obtido generosas indenizações. A grande massa de brasileiros honestos encurralada pela situação econômica, contudo, sofre a ira do sistema financeiro calada.

A outra questão em jogo, levantada por um ministro do Supremo Tribunal Federal, é o fato de órgãos públicos disponibilizarem, gratuitamente, mas com custos para o erário, informações que, em seguida, são comercializadas.

Veja a denúncia encaminhada ao TCU e a nota divulgada pela Serasa

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, MINISTRO HUMBERTO SOUTO,

EDSON GALDINO VILELA DE SOUZA, brasileiro, casado, advogado, economista e consultor, residente e domiciliado na Rua Guilherme Lunardon, n. 300, bloco 15, apto 102, Pilarzinho, Curitiba/PR, CEP. 82.110-240, fone (41) 9979-8860, e-mail [email protected], portador da cédula de identidade RG n. 8.106.619-1, expedida pela SSP/PR, inscrito no CPF/MF sob n. 084.633.955-20, na condição de cidadão brasileiro, portador do título de eleitor n. 0726660506-63, Estado do Paraná, em pleno exercício dos direitos políticos, vem, a Vossa Excelência, formular DENÚNCIA E REQUERER A ATUAÇÃO CONSTITUCIONAL E INSTITUCIONAL deste Tribunal de Contas da União, tendo por base os elementos de convicção a seguir explicitados:

Esta denúncia tem como lastro constitucional a legitimidade conferida a “qualquer cidadão” para “denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”, (§ 2º, art. 74 da CF/88), reforçado pelo “direito de petição aos Poderes Públicos” (alínea a), inciso XXXIV, art. 5º da CF/88), bem assim do poder-dever deste Tribunal de Contas da União a quem compete “representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados” (cf. inciso XI, art. 71 da CF);

O suporte fático é o instrumento intitulado de “Resumo” e “Convênio” entre União e FEBRABAN, documento anexo, em 03 laudas, juntado, originalmente, pela União em processo da 4ª Cível da Justiça Federal do Paraná;

Como pode constatar Vossa Excelência o “convênio” afigura-se eivado de vícios dentre os quais evidenciam-se:

O título “CONVÊNIO” é ilegal, nos expressos termos do parágrafo único, do artigo 2º da Lei 8.666/93 – Lei de Licitação;

A UNIÃO não está representada por agente legítimado: o enunciado diz tratar-se de “Convênio que entre si celebram a União”, (…), no entanto, o instrumento de “CONVÊNIO” é assinado por cinco pessoas físicas: as duas qualificadas no primeiro parágrafo, representam a FEBRABAN; outras duas qualificadas na cláusula quarta, parágrafo único, representam a SERASA; a quinta assinatura é de um sem-nome e sem-qualificação.

O objeto do “Convênio”, (cláusula primeira), é o “fornecimento de dados” que, nos termos do artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, são sigilosos; Mas, se os dados, objeto do “Convênio”, não fossem sigilosos e, portanto, fossem “bens de comércio”, estariam sujeitos a “processo de licitação” (art. 37, XXI, da CF).

“A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento público convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos” (cf. caput do artigo 3º da Lei 8.666/93);

Ora, Excelência, se os dados são sigilosos não podem ser vendidios nem cedidos graciosamente;

Mas, se pudessem ser cedidos graciosamente, porque a União os cedeu unicamente à FEBRABAN, sem atendimento aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade, (caput, do art. 37, da CF);

A conduta da União, consubstanciada neste contrato com a Febraban, afronta o princípio constitucional da “livre concorrência” (inciso IV, art. 170, da CF) e, como corolário, burla todo o esforço do Congresso Nacional na edição leis, vigentes, anti-monopólio e de repressão ao abuso do poder econômico;

Cheira a desdém com o Congresso Nacional e com a cidadania brasileira quando afirma: sic “A FEBRABAN se compromete a utilizar os dados … somente nas atividades que, em virtude de lei, lhe competem” … (cf, cláusula 4ª);

Mas que lei seria esta que atribui competência particular, pessoal, exclusiva à FEBRABAN, o contrato não o diz;

Por outro lado é necessário investigar como o princípio da publicidade, (art. 37, caput), essencial à validade de todo ato administrativo, está sendo atendido no caso específico das atualizações diárias via EDI. Ou, sic, “O primeiro fornecimento, contendo todo o universo da base de CPF e de CNPJ foi efetuado em 21/12/1988. Desde então são efetuadas atualizações, diárias via EDI” (cf. “Resumo”, item 1, § 3º).

Diante do exposto, requer se digne Vossa Excelência, receber a presente DENÚNCIA, para determinar o processamento e as apurações relativas ao instrumento de contrato juntado, e, ao final, REPRESENTAR ao Congresso Nacional para que adote as providências fixadas no § 1º, inciso XI, do artigo 71, da CF/88.

Outrossim, requer se digne Vossa Excelência, se acolhida a DENÚNCIA, determinar ao órgão competente deste TCU que informe, por ofício, ao cidadão-denunciante, o número do processo administrativo e a forma de acompanhar o seu trâmite.

P. Deferimento

Curitiba, 17 de outubro de 2001.

EDSON GALDINO VILELA DE SOUZA

[email protected]

Veja a nota da Serasa

Nota à imprensa

A autenticidade e veracidade dos documentos apresentados pelo denunciante ao TCU estão sendo questionadas na Justiça (processo 152/2001, 1º Vara Criminal do Foro Regional XI- Pinheiros da Comarca de São Paulo- SP).

A Serasa esclarece ainda que os dados enviados pela Receita não são sigilosos. O convênio com a Receita Federal está amparado no art. 64, parágrafo único, da Lei n. 8.383/91, que faculta a confirmação do número de inscrição do CPF e CNPJ, para evitar configuração do crime de falsidade na abertura de conta ou movimentação de recursos sob nome falso de pessoa física ou pessoa jurídica inexistente, de pessoa jurídica liquidada de fato ou sem representação regular.

O convênio, portanto, visa a dar maior segurança jurídica ao Sistema Financeiro, protegendo o interesse público retratado na concessão de crédito. Nessa linha, o Manual de Normas e Instruções do BACEN preconiza que as instituições financeiras só devem conceder empréstimos a tomadores que possuam adequadas informações cadastrais.

O acesso à base de dados do CPF não fere sigilo algum, encontrando-se disponível para consultas pela Internet, no site da Receita Federal, conforme Instrução Normativa n. 170/99.

Sobre o mérito da denúncia, a SERASA conta com pareceres favoráveis da Advocacia Geral da União (Processo nº 2000.70.00.026487-0, da 7ª Vara Federal de Curitiba e sentença da Justiça Federal. O Código Tributário Nacional considera livres as informações sobre as inscrições em dívida ativa e sobre a existência de parcelamentos. A informação quanto ao estado do CPF, se ativo ou cancelado, não é sigilosa, nem capaz de produzir algum dano. (Processo n. 2000.70.00.026488-1, da 1ª Vara Cível Federal de

Curitiba, PR).

Silvânio Covas

Superintendente Jurídico da Serasa

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