Diploma dispensável

Professor é contra obrigatoriedade de diploma no jornalismo

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1 de novembro de 2001, 10h56

Cada seu C’o Dele* ou vá cuidar do seu rábula

Tem uma frase que antigamente era bem usada nas redações que dizia que quando o médico erra mata o paciente, quando o advogado erra coloca o cliente na cadeia e lembra que quando o jornalista erra provoca uma revolução (e eu substituo aqui por danos irreparáveis a um indivíduo, grupo ou sociedade). Alguém deveria mandar esta frase para a juíza Carla Abrantkoski Rister, que em seu despacho comete, acredito que por ignorância, a insânia de afirmar que “o jornalista não requer qualificações profissionais específicas, indispensáveis à proteção da coletividade, diferentemente das profissões técnicas (a de Engenharia, por exemplo), em que o profissional que não tenha cumprido os requisitos do curso superior pode vir a colocar em risco a vida de pessoas”, conforme publicado pela revista eletrônica Consultor Jurídico que explica: “A decisão da juíza federal substituta Carla Abrantkoski Rister é válida em todo o país. O pedido foi feito pelo procurador Regional dos Direitos do Cidadão, André de Carvalho Ramos, em Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada”.

Mas, paradoxalmente, os colegas mais antigos, que me conhecem bem, sabem que eu considero dispensável a formação acadêmica para o exercício da profissão. Embora entenda que no ensino formal encurta-se o tempo de preparo do jornalista ético, crítico e comprometido com o desempenho da sua função social e que o estudo permanente da Comunicação Social é que nos vai levar à excelência, estabelecendo padrão de competência como referência para o posicionamento de profissionais no mercado.

Em outros centros que não Cuiabá, já se entendeu que o profissional formado em Comunicação e com cursos de pós-graduação reúne condições melhores de desenvolver o trabalho jornalístico, comparado com os leigos que podem desenvolver trabalhos técnicos em nível da execução mas que poderão se ver limitados nas questões mais abrangentes que extrapola a pauta e que existe nas redações.

Ignora o douto (Ui!) procurador Regional dos Direitos do Cidadão, André de Carvalho Ramos, a quem se atribui a autoria da Ação Civil Pública que originou o posicionamento da juíza, que o jornal é, na visão daqueles que entendem alguma coisa, um espaço público a ser utilizado pela sociedade, justamente para garantir a liberdade de expressão, numa linguagem inteligível e fora das codificações criptográficas do Direito, da Medicina, da Engenharia, Economia, que criaram dialetos próprios para iniciados e que estão distantes do entendimento do cidadão comum, que é quem normalmente acaba arcando com a cefaléia (ai!).

Confunde, o douto causídico (ui! ui!), o direito de expressão da sociedade com a tarefa de editar em todos os seus processo um jornal, que inclusive irá abrir espaço para que pessoas como ele manifestem seu pensamento, por mais absurdo que seja, pois num comparativo seria a mesma coisa que acabar com o ensino de Direito para ressuscitar o rábula, ou suprimir o ensino de Medicina para entregar a Saúde Pública às benzedeiras ou parteiras, com apesar da eficiência indispensável e de presença tão marcante nas nossas vidas possuem o conhecimento técnico limitado e em muitos casos sucumbiriam à direção de um tribunal ou de um hospital.

Não se lembrou o douto causídico (ui! ui! ui!) que personalidades que têm o que se expressar são figuras constantes nas páginas de opinião, onde devem estar os Colaboradores e a expressão do leitor e estes sim, podem ou não ser jornalistas. Sequer imagina que há gêneros (informativo, interpretativo e opinativo), que fazem do jornal este veículo de comunicação singular, que exige a presença de pessoas com dedicação exclusiva para a notícia, às vezes com risco da própria vida, como os “privilegiados” que estão na linha de frente do Afeganistão e desconhecem José Hamilton Ribeiro (que não sei se tem diploma) e sua perna deixada no Vietnã quando fazia um trabalho jornalístico. Foi o seu erro.

Por outro lado, também considero dispensável o diploma para magistrados, médicos e tantas outras profissões regulamentadas e que em tantos casos mostram que a regulamentação, em vez de trazer a excelência que a sociedade espera, cria o descompromisso da reserva de mercado para incompetentes, que invariavelmente acabam ficando desempregados por incompetência profissional. Estas profissões, ao contrário do jornalismo, não têm o assédio de nenhum curioso que se mete a exercê-la, em nome de direitos, que na maioria das vezes escondem interesses, não muito ligados aos coletivos ou grupais (o que também não deixa de ser legítimo, desde que no lugar certo).

Conheço casos de jornais que funcionam praticamente sem jornalistas formados na Universidade e garantem o nível de excelência, posso citar aqui o Diário de Primavera (Primavera do Leste) e o Jornal Arinos (Nova Mutum), dentre outros que não conheço, que encravados em regiões pioneiras, longe dos olhares dos jornalistas diplomados, sustentam a tarefa de ser um depositário do dia-a-dia dos anseios, feitos e fatos da comunidade. São profissionais sem diploma, que dedicam a sua vida para ajudar a alinhavar o tecido social. Pessoas que aprenderam o jornalismo em processos formativos amplos, fora da sistematização escolar e que apesar de contemplados pela Lei da regulamentação profissional, anseiam, como eu ansiei um dia, já militando na Grande Imprensa, sem diploma, aprender mais sobre o que eu estava fazendo e que me redundou na obtenção do diploma, juntamente com a consciência de minha ignorância crescente.

A questão do diploma, portanto, colocada como o foi, num desrespeito à da regulamentação de uma categoria profissional, é no mínimo absurda. Vai ao encontro de interesses empresariais, que, de olho no caixa, esperam obter mão-de-obra barata, como era na pré-história da profissionalização da Imprensa. Naquela época o jornalista recebia uma carteira de imprensa e com ela avançava ávido em busca do salário, apresentando-a como moeda corrente em restaurantes, casas noturnas e companhias aéreas. O pior disso é que com a carteirinha ele também arremetia contra órgãos públicos, visando conseguir um emprego virtual onde só o salário era real em troca de favores no jornal que o acolhia… e tolerava, desde que não tivesse que remunerá-lo.

A Justiça, cega, não vê a Educação como instrumento de formação que como nos ensina o doutor em Pedagogia Pablo Orama Padrón como o processo de “depositar em cada homem o trabalho humano inteiro que o precedeu”. Nega a possibilidade de um aprendizado escolar e propõe, a outra metade do processo, que é o não-escolar. Retroage quando quer colocar nos jornais aqueles desiludidos com sua profissão (como o foram os jornalistas pré-histórico) que pensam que jornalismo é só meter a colher no pirão do outro. Esquece que para aqueles que se destacam em qualquer área de atividade, mesmo sem formação acadêmica, há o reconhecimento do autodidatismo por notório saber.

Num aspecto estou com a juíza Carla Abrantkoski Rister, qualquer um pode ser jornalista. Desde que esteja preparado para o ser. Assim como qualquer um pode ser juiz, médico, arquiteto, etc, desde que se prepare para isso (formal ou informalmente) e que prove seu preparo. E para isso, nada melhor do que os órgãos de classe para exercer o controle das profissões, nada melhor do que os Sindicatos se posicionarem para fiscalizar a formação dos seus profissionais, deixando à Justiça e ao Ministério Público (quem controla, além da opinião pública?) a incumbência de garantir direitos de regulamentação profissional às profissões cujas responsabilidades exigem formação apurada, escolar ou não-escolar, como é o caso do jornalismo.

*Expressão mato-grossense que pode querer dizer cada macaco no seu galho

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