Porque Pimenta foi solto

Saiba porque Pimenta Neves foi libertado

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30 de março de 2001, 16h33

Alicerçado por 16 precedentes em que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que a prisão preventiva deve ser decretada ou mantida para proteger o processo e não como instrumento de punição, o ministro Celso de Mello foi o autor do habeas corpus que libertou o jornalista Pimenta Neves, assassino confesso da sua ex-namorada, Sandra Gomide.

A decisão do ministro, dono da mais sólida reputação, provocou forte polêmica por favorecer um dos brasileiros mais odiados por seu crime.

Entre os ataques dirigidos contra o ministro houve uma sucessão de mensagens pela internet, todas tendo ao final a expressão “lembrai-vos do vosso primo”. Celso de Mello chegou a ser interpelado, pessoalmente, por pessoa que disse não saber “que o Collor tinha tanta força a ponto de libertar o Pimenta Neves”. A sandice é um duplo equívoco: Celso de Mello não tem qualquer grau de parentesco com o ex-presidente Fernando Collor de Mello; enquanto o ministro Marco Aurélio é reconhecido na comunidade jurídica por sua independência.

Quanto ao julgamento do habeas corpus, Celso de Mello ateve-se ao rigoroso exame da aplicação da legislação. Em sua opinião, dar tratamento diferente a um réu impopular “é uma visão distorcida e autoritária”.

Pela leitura do despacho do ministro, entende-se que não se viu nos autos qualquer fato que indique, objetivamente, interferência de Pimenta Neves no processo. Suposições e alegações, explicou ele, não são elementos suficientes para manter alguém preso antes da condenação.

Conheça os fundamentos da decisão

Prisão Preventiva e Fundamentação

HC 80.719-SP (medida liminar)*

Relator: MIN. CELSO DE MELLO

DECISÃO: Os impetrantes pretendem a suspensão liminar da eficácia do decreto judicial de prisão preventiva, ora questionado nesta sede processual, em ordem a viabilizar, cautelarmente, até final julgamento do writ, a concessão de liberdade em favor do paciente (fls. 31).

A presente impetração questiona a legitimidade jurídica da prisão cautelar do ora paciente, sustentando inexistirem razões que justifiquem, objetivamente, a necessidade da custódia preventiva de Antonio Marcos Pimenta Neves, que se acha preso desde o dia 24 de agosto de 2000 (fls. 45).

A decisão judicial, que decretou a prisão cautelar do ora paciente, proferida pela magistrada da comarca de Ibiúna/SP, mantida, sucessivamente, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 60/68) e pelo Superior Tribunal de Justiça, tem a seguinte motivação (fls. 55/57):

“A prisão preventiva é medida de extrema excepcionalidade, sendo cabível em situações previstas no artigo 312, do Código de Processo Penal, o que se verifica.

Há prova da existência do crime (exame necroscópico). Ademais, existem indícios de autoria conduzindo ao acusado, notadamente a confissão prestada na fase policial, corroborada pelas testemunhas ouvidas.

Quanto à presença dos requisitos da garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal, seria redundante repelir a judiciosa manifestação do Ministério Público, que acolho como razão de decidir.

……………………………………………….

Do crime decorreu grave perturbação da ordem pública. Outrora tranqüila cidade de Ibiúna vem sendo assolada, recentemente, por crimes gravíssimos, como o presente.

Também não se pode olvidar todo o clamor público que este gerou, atingindo âmbito nacional.

A garantia da ordem pública aqui encontra consubstanciada não na possibilidade que o acusado volte a delinqüir.

Ela se confunde, de certa forma, com a garantia da aplicação de lei penal.

O acusado não tem domicílio no distrito da culpa. Após o crime evadiu-se, tumultuando as investigações policiais.

Não se pode conferir espontaneidade à sua apresentação. Permaneceu oculto por quase três dias. Só depois é que deu entrada ao Hospital Albert Einstein levado por pessoa não identificada. O próprio acusado, em seu interrogatório, declarou que não sabe informar a pessoa que o socorreu.

Em sendo assim, deu mostras de sua intenção de subtrair-se da aplicação da lei penal, o que é plenamente possível considerando seu poder aquisitivo e as facilidades de quem já morou no exterior.

Esses fatos justificam a garantia da ordem pública na medida em que afetam a credibilidade do Judiciário, recentemente abalada por casos de foragidos da Justiça.

Nem se argumente que o acusado é primário e possui bons antecedentes, posto que isso não o torna imune à prisão provisória, comprovada como restou a necessidade desta.

A jurisprudência do STJ é neste sentido: ‘Prisão Preventiva – Clamor Público – Pacífico o entendimento no STJ de que nem sempre as circunstâncias da primariedade, bons antecedentes e residência fixa são motivos a obstar a declaração da excepcional medida, se presentes os pressupostos para tanto. O clamor público, no caso, comprova-se pela repulsa profunda gerada no meio social…’.” (grifei)


O exame do ato decisório em questão permite assim resumir, em seus aspectos essenciais, os fundamentos em que se sustenta a prisão cautelar do ora paciente, decretada com apoio na manifestação do Ministério Público local, cuja promoção foi acolhida, pela magistrada, como razão de decidir (fls. 56/57 e 48/53): (a) intensa repercussão social do evento delituoso (clamor público), (b) privilegiada condição sócio-econômica do acusado, cuja soltura “causaria imediato (…) descrédito ao Poder Judiciário…”, (c) evasão do distrito da culpa, logo após a prática do delito e (d) probabilidade de o réu atemorizar, pressionar e constranger testemunhas, além de poder frustrar a regular instrução do processo penal.

Passo a apreciar o pedido.

Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é qualificada pela nota da excepcionalidade. Não obstante o caráter extraordinário de que se reveste, a prisão preventiva pode efetivar-se, desde que o ato judicial que a formalize tenha fundamentação substancial, com base em elementos concretos e reais que se ajustem aos pressupostos abstratos – juridicamente definidos em sede legal – autorizadores da decretação dessa modalidade de tutela cautelar penal (RTJ 134/798, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO).

É por essa razão que esta Corte, em pronunciamento sobre a matéria (RTJ 64/77), tem acentuado, na linha de autorizado magistério doutrinário (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 376, 2ª ed., 1994, Atlas; PAULO LÚCIO NOGUEIRA, “Curso Completo de Processo Penal”, p. 250, item n. 3, 9ª ed., 1995, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO, “Manual de Processo Penal”, p. 243-244, 1991, Saraiva), que, uma vez comprovada a materialidade dos fatos delituosos e constatada a existência de meros indícios de autoria – e desde que concretamente ocorrente qualquer das situações referidas no art. 312 do Código de Processo Penal -, torna-se legítima a decretação, pelo Poder Judiciário, dessa especial modalidade de prisão cautelar.

Registre-se, ainda, que a mera condição de primariedade do paciente não pré-exclui, só por si, a possibilidade de decretação da medida cautelar constritiva da liberdade individual (RTJ 99/651 – RT 649/275 – RT 662/347). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem acentuado, de maneira inequívoca, que:

“A mera condição de primariedade do agente, a circunstância de este possuir bons antecedentes e o fato de exercer atividade profissional lícita não pré-excluem, só por si, a possibilidade jurídica de decretação da sua prisão cautelar (RTJ 99/651 – RT 649/275 – RT 662/347), pois os fundamentos que autorizam a prisão preventiva – garantia da ordem pública ou da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou necessidade de assegurar a aplicação da lei penal (CPP, art. 312) – não são neutralizados pela só existência daqueles fatores de ordem pessoal, notadamente quando a decisão que ordena a privação cautelar da liberdade individual encontra suporte idôneo em elementos concretos e reais que se ajustam aos pressupostos abstratos definidos em sede legal e que demonstram que a permanência em liberdade do suposto autor do delito poderá frustrar a consecução daqueles objetivos.”

(HC 79.857-PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“A primariedade, os bons antecedentes e a existência de emprego não impedem seja decretada a prisão preventiva, porquanto os objetivos a que esta visa (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou segurança da aplicação da lei penal) não são necessariamente afastados por aqueles elementos. O que é necessário é que o despacho – como ocorre no caso – demonstre, com base em fatos, que há possibilidade de qualquer destas finalidades não ser alcançada se o réu permanecer solto.”

(RTJ 121/601, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei)

Presente esse contexto, cabe verificar se os fundamentos subjacentes à decisão ora questionada ajustam-se, ou não, ao magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal no exame do instituto da prisão preventiva.

É inquestionável que a antecipação cautelar da prisão – qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão temporária, prisão preventiva ou prisão decorrente da sentença de pronúncia) – não se revela incompatível com o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade (RTJ 133/280 – RTJ 138/216 – RTJ 142/855 – RTJ 142/878 – RTJ 148/429 – HC 68.726-DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA).

Impõe-se advertir, no entanto, que a prisão cautelar – que não se confunde com a prisão penal (carcer ad poenam) – não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal” (BASILEU GARCIA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense).


Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar – considerada a função processual que lhe é inerente – não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento do princípio da liberdade.

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la.

Entendo que os fundamentos subjacentes ao ato decisório emanado da ilustre magistrada da comarca de Ibiúna/SP, que decretou a prisão cautelar do ora paciente, conflitam com os estritos critérios consagrados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Impende assinalar, desde logo, que a configuração jurídica do delito de homicídio qualificado, como crime hediondo, não basta, só por si, para justificar a privação cautelar da liberdade individual do réu.

O Supremo Tribunal Federal tem advertido, a esse propósito, que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, só por si, para justificar a privação cautelar do status libertatis daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.

Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo (HC 80.064-SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RHC 71.954-PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RHC 79.200-BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”

(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.

– A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”

(HC 80.379-SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sustentou-se, ainda, para justificar a prisão preventiva do ora paciente, no que se refere ao delito que lhe foi imputado, que “também não se pode olvidar todo o clamor público que este gerou, atingindo âmbito nacional” (fls. 56 – grifei).

Cabe advertir, neste ponto, que o clamor público não pode erigir-se em fator subordinante da decretação ou da preservação da prisão cautelar de qualquer réu.

A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem enfatizado que o estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso. Bem por isso, já se decidiu, nesta Suprema Corte, que “a repercussão do crime ou o clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva, dentre as estritamente delineadas no artigo 312 do Código de Processo Penal…” (RTJ 112/1115, 1119, Rel. Min. RAFAEL MAYER).

A prisão cautelar, em nosso sistema jurídico, não deve condicionar-se, no que concerne aos pressupostos de sua decretabilidade, ao clamor emergente das ruas, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.

Esse entendimento constitui diretriz prevalecente no magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que a repercussão social do delito e o clamor público por ele gerado não se qualificam como causas legais de justificação da prisão processual do suposto autor da infração penal, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal (RT 598/417 – HC 71.289-RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – HC 78.425-PI, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RHC 64.420-RJ, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, v.g.):


“O CLAMOR PÚBLICO NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.

– O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.

O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes.”

(HC 80.379-SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições.

Esse entendimento já incidiu, por mais de uma vez, na censura do Supremo Tribunal Federal, que, acertadamente, tem destacado a absoluta inidoneidade dessa particular fundamentação do ato que decreta a prisão preventiva do réu:

“I. A boa ou má situação econômica do acusado não basta por si só para alicerçar prisão preventiva, que não pode basear-se em meras presunções.

II. Não serve a prisão preventiva – nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada – a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art. 5º, LVII).

III. Motivar a prisão preventiva no bom relacionamento do acusado com pessoas gradas, que lhe atestam a honorabilidade é paradoxo que sugere abuso de poder.”

(HC 72.368-DF, Rel. Min SEPÚLVEDA PERTENCE)

De outro lado, o fato de o ora paciente haver abandonado o distrito da culpa, para evitar a caracterização da situação de flagrância, não justifica a decretação de sua prisão preventiva.

É que esta Suprema Corte tem enfatizado – especialmente quando se tratar, como no caso, de pessoa sem antecedentes penais, com domicílio certo e com profissão definida – que a fuga, quando motivada pelo exclusivo propósito de evitar a prisão em flagrante, não autoriza a decretação da custódia cautelar (RHC 59.386-PE, Rel. Min. SOARES MUÑOZ), como também não o autoriza “o subtrair-se o acusado, escondendo-se, ao cumprimento de decreto anterior de prisão processual” (HC 79.781-SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

Na realidade, o mero temor de fuga do paciente, quando não apontado fato concreto que justifique a real possibilidade de sua ocorrência, não legitima o decreto de prisão preventiva, pois “A custódia cautelar não pode se basear em conjecturas, mas na real necessidade de constrição que justifique a excepcionalidade da medida” (RTJ 128/749, Rel. Min. FRANCISCO REZEK – grifei).

Por tal razão, esta Corte Suprema já deixou assentado que não constitui fundamento juridicamente idôneo, por si só, para legitimar a privação cautelar da liberdade individual, o fato de o paciente dispor de facilidade de trânsito pelo território nacional e no exterior, eis que, sem a efetiva comprovação de que o acusado objetiva evadir-se do País, torna-se incabível a decretação de sua prisão preventiva:

“Por outro lado, não é tão-somente o poder de mobilidade ou de trânsito pelos territórios nacional ou internacional que justifica a medida constritiva, mas, sim, a demonstração de que o acusado intenta promover sua fuga do distrito da culpa.”

(HC 71.289-RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – grifei)

Por sua vez, a suposição de que o réu seria capaz de interferir nas provas e de influir em depoimentos testemunhais, se mantido em liberdade, constitui, quando destituída de base empírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdade individual.

No caso presente, além de todas as testemunhas arroladas pela acusação já terem sido ouvidas em juízo, não se apontou qualquer conduta, que, atribuída ao ora paciente, pudesse traduzir ato caracterizador de ilícita interferência na produção da prova penal.

A mera afirmação de que o ora paciente, em liberdade, poderia frustrar, ilicitamente, a regular instrução processual revela-se insuficiente para fundamentar o decreto de prisão cautelar, se essa alegação – como ocorre na espécie dos autos – deixa de ser corroborada por necessária base empírica, tal como tem advertido, a propósito desse específico aspecto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 170/612-613, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 79.781-SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.).

Em suma: a análise dos fundamentos em que se apóia a presente impetração leva-me a entender altamente questionável a ocorrência de situação que justifique a necessidade de subsistência do decreto de prisão preventiva ora impugnado, circunstância essa que torna inteiramente aplicável, ao caso em exame, recente decisão emanada da Colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na qual se enfatizou, uma vez mais, que, ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, o ato de privação cautelar da liberdade individual:

“A prisão preventiva deve ser decretada, quando absolutamente necessária. Ela é uma exceção à regra da liberdade. Não mais subsistentes os motivos que levaram a sua decretação, como no caso concreto, impõe-se que seja revogada.”

(HC 80.282-SC, Rel. Min. NELSON JOBIM – grifei)

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, considerando que se revela extremamente densa de plausibilidade jurídica a pretensão ora deduzida pelos impetrantes – a que se associa a ocorrência de situação configuradora do periculum in mora – e atento, ainda, à função representada pelo provimento cautelar no âmbito do remédio heróico (RTJ 147/962, Rel. Min. CELSO DE MELLO), defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de habeas corpus, suspender a eficácia da decisão que decretou a prisão preventiva do ora paciente, proferida nos autos do Processo-crime nº 270/00 (Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Ibiúna/SP), expedindo-se, imediatamente, se por al não estiver preso, o pertinente alvará de soltura.

Comunique-se, com urgência, a presente decisão, aos Excelentíssimos Senhores Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Juiz de Direito Corregedor Permanente da Polícia Judiciária e Coordenador do Departamento de Inquéritos Policiais da comarca de São Paulo/SP (DIPO) e Juíza de Direito da 1ª Vara da comarca de Ibiúna/SP, encaminhando-se-lhes cópia deste ato decisório.

Publique-se.

Brasília, 23 de março de 2001.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

* decisão pendente de publicação

Revista Consultor Jurídico, 30 de março de 2001.

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