Assalto do governo

Artigo: Governo ameaça todos que resistem ao acordo do FGTS

Autor

  • Luís Carlos Moro

    é advogado trabalhista sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C presidente da Alal -- Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário de Direito do Trabalho dos cursos de graduação e pós graduação da UNIFMU (licenciado)

22 de março de 2001, 0h00

Refletindo sobre o acerto anunciado entre governo e parte dos atores sociais que compunham a mesa de negociação do débito do FGTS, não pude deixar de conter um raciocínio comparativo que dá bem a idéia do que esse “ajuste” representa.

Lembrei-me de um fato sucedido com o presidente do Sindicato dos Economistas de São Paulo, Jamil Zantut. Há anos, que foi vítima de um assalto, no centro de São Paulo. O agressor lhe tomou, empunhando um revólver, o relógio de ouro que estava em seu pulso.

Jamil – figura notável -, naquele momento, calmíssimo, aceitou negociar o próprio relógio com o meliante, através de pagamento por cheque. Firmou o compromisso ético de que o cheque não seria – como de fato não foi – sustado. Ao final, em tese, ficaram satisfeitos assaltante e assaltado.

No acordo do FGTS, vale-se o governo federal da mesma lógica do assaltante de Jamil, embora não da mesma ética. O governo é pior.

No caso do Fundo, os empregadores, ao tempo dos planos econômicos, contribuíram regularmente com os 8% (oito por cento). Praticaram aquilo que, em Direito, chamamos ato jurídico perfeito. Portanto, nada devem.

Os trabalhadores, que são condenados a subsidiar compulsoriamente os desmandos governamentais, a taxas indignas de remuneração, tiveram suas contas espoliadas pelo Estado, já condenado em todos os graus de jurisdição do Poder Judiciário.

Por fim surge o governo, ente que efetivamente beneficiou-se do empulhamento das contas do Fundo, condenado, ostentando a qualidade de indébito apropriador de dinheiro dos trabalhadores, convocando as vítimas à “mesa de negociação”. Nesta, quem paga o prejuízo é, primordialmente, quem já teve o débito quitado e o efetivamente lesado, ficando o “assaltante” com mínima parcela de responsabilidade.

Jamil, ao menos, tomou a iniciativa da negociação. Não a impôs ao assaltante, nem este negociou a revenda do relógio roubado com o revólver em punho. Já o havia recolhido.

O Governo, nesse episódio, mantém o revólver em riste, ameaçando todos os quantos resistam ao seu assalto, tanto com a ampliação dos custos às empresas, quanto com o não pagamento aos efetivamente lesados.

A ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, sob o ponto de vista corporativo, poderia estar bem feliz com um governo tão mau pagador. Trata-se de um grande patrocinador da advocacia. Entretanto, nossas visões vão além do interesse da corporação.

Quem perde nessa negociação somos todos. O Direito, cada vez mais vilipendiado. O trabalhador, que paga por ter sido assaltado. O empregador, que paga o quanto já pagou. O Governo, que paga com sua maior moeda, a credibilidade.

Resta apelar para que tenham um mínimo de bom senso e não promovam essa insanidade, cujo resultado, mais uma vez, será o inchaço de um Judiciário paralisado pela incompetência de seu maior cliente, a administração pública conduzida pelo Executivo.

Revista Consultor Jurídico, 22 de março de 2001.

Autores

  • é advogado trabalhista, sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C, presidente da Alal -- Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas, membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário de Direito do Trabalho dos cursos de graduação e pós graduação da UNIFMU (licenciado)

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