Brasileiro na guerra

Juiz brasileiro toma posse em tribunal no Timor Leste

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21 de março de 2001, 0h00

O juiz federal de Belo Horizonte e diretor cultural da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Marcelo Dolzany da Costa, toma posse no tribunal da Organização das Nações Unidas, nesta quarta-feira (21/3), em Dili, capital do Timor Leste.

Dolzany irá julgar os crimes de guerra cometidos pelo exército indonésio, entre 1º de janeiro e 25 de outubro de 1999. Antes da posse deverá ser feito um juramento perante o representante especial do secretário-geral da ONU.

Ele afirma que “atuar em um tribunal que julga violações a direitos humanos reforça a importância do assunto para Justiça Federal brasileira”. O juiz brasileiro destaca a necessidade de que grandes tragédias brasileiras sejam julgadas pelos tribunais federais, onde o interesse do Estado está mais representado para a comunidade internacional.

Em Dili há uma semana, Dolzany já participou de treinamentos em segurança e informação aplicados pela ONU, indispensáveis para o inicio de qualquer missão.

“A ONU é muito severa com a segurança de seu pessoal. Qualquer afastamento da área de missão, no meu caso a capital Dili, deve ser comunicado previamente em 48 horas. Caso contrário, ela não assume responsabilidade se houver morte, seqüestro ou qualquer fatalidade”, afirma.

Julgamento de crimes de guerra

Grupos de juízes internacionais foram convocados pela ONU para julgar crimes violentos em áreas de conflito no mundo. Atualmente, funcionam pequenos tribunais similares em Ruanda e Haia, onde já foram emitidas várias condenações por massacres contra populações e outros abusos.

O tribunal de Haia tem apreciado os crimes praticados na antiga Iugoslávia e não se confunde com a Corte Internacional de Haia, onde tem assento o brasileiro Francisco Rezek, ex-chanceler e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal. A Corte de Haia julga apenas as controvérsias entre países e organismos internacionais, como as reclamações em extradição e disputas sobre territórios.

Os tribunais de Direitos Humanos se ocupam exclusivamente de crimes praticados em conflitos localizados. Alguns especialistas vêem nesses tribunais um ensaio para um futuro Tribunal Penal Internacional apregoado pelo Tratado de Roma.

As primeiras condenações do tribunal no Timor Leste foram em casos de assassinatos envolvendo milicianos dos dois lados na luta timorense. A pena aplicada a um deles foi 12 anos de prisão. Outro condenado recebeu pena mais leve – apenas sete anos de reclusão.

A corte considerou a confissão do acusado, um ex-militante da Falintil (Frente Armada de Libertação do Timor Leste) logo no inicio do processo (plea of guilty) uma circunstância forte para diminuir-lhe a pena.

O tempo máximo de pena segundo os regulamentos da ONU é de 25 anos de prisão para os crimes previstos na Convenção de Genebra sobre Conflitos Armados (1949) e outros tratados internacionais (tortura, genocídio e deportação de civis). No caso de homicídio doloso e crimes sexuais vale o que a legislação indonésia estabelecer.

A pena de morte e a prisão perpétua são expressamente proibidas nos regulamentos da ONU. Quando um crime não for previsto nas convenções internacionais, a ONU admite a aplicação do código penal indonésio, vigente no Timor Leste antes da consulta de 1999.

Os crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade e torturas são considerados imprescritíveis – podem ser apurados e punidos a qualquer tempo. Os crimes sexuais e o homicídio simples prescrevem no tempo que a lei indonésia dispuser.

Hoje o tribunal é composto por juízes portugueses, italianos e outros com experiência anterior em Ruanda e Haia. O serviço de acusação é chefiado pelo procurador-geral Mohammed Othman, um tanzaniano com longa atuação em crimes de guerra, assessorado por um chefe de investigação, o norueguês Ylven Olsen. Outros promotores na área são do Canadá, Portugal e Holanda.

A língua franca nos julgamentos é o inglês, mas acusados e testemunhas tem direito a interprete. Em Timor Leste uma minoria fala português, especialmente os mais idosos, ainda alfabetizados sob o domínio português até 1975. O tetum é falado por 95% dos timorenses, seguido do bahasa indonésio.

Constituinte

O governo transitório da ONU e o líder da resistência timorense Xanana Gusmão anunciaram na sexta-feira passada, 16, as eleições para uma assembléia constituinte. Foi marcado o dia 30 de agosto deste ano para a escolha dos delegados constituintes, exatamente dois anos depois da consulta do plebiscito onde 87% dos timorenses responderam “sim” à declaração de independência.

As lideranças feministas e a própria ONU rascunharam um regulamento que assegurasse às mulheres uma quota mínima de candidaturas em cada partido, a exemplo da legislação eleitoral brasileira. O projeto foi vetado nesse ponto pelo Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT), órgão consultivo da Untaet e majoritariamente composto por homens.

Mesmo assim, o administrador Vieira de Mello assegurou que a ONU procurará equilibrar a disputa em favor das candidaturas femininas durante a propaganda eleitoral.

Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2001.

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