TJ do Rio

Desembargador toma posse no Rio e defende ética no Judiciário

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21 de março de 2001, 0h00

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem dois novos desembargadores: Adriano Celso e Nagipe Slaibi Filho. Em seu discurso de posse, o desembargador Slaibi defendeu a ética no Judiciário.

O TJ carioca estava com 143 desembargadores e voltou a ter 145. As vagas ocupadas são de um magistrado falecido e de outro que se aposentou.

Leia, na íntegra, o discurso do desembargador Nagib Slaibi Filho

Permita, senhor desembargador Marcus Faver, que em Vossa Excelência, chefe do Poder Judiciário do Rio de Janeiro, expresse respeitosamente os cumprimentos aos irmãos na magistratura e na comunidade forense, e a todos os amigos.

Agradeço ao desembargador Adriano Celso Guimarães a honrosa delegação de representá-lo nestas palavras.

É dia auspicioso, em que se reverencia a memória de José, expressão de amor, de fé e de resistência, a quem se dedicou centenária igreja, vizinha deste Tribunal, padroeiro dos ofícios e da família.

Essa me ampara, também neste momento: Cristina, esposa, companheira e colega, Nagib, Helena, Themis Alexandra, Nathalia Cristina e Ana Beatriz, Matilde e Conti, Rodrigo, primos.

Esta solenidade é um rito de passagem. Mais uma entre tantas que se nos apresentam nos caminhos daqueles cujo ofício é tentar cumprir a promessa do doce Rabi: “Bem-aventurados os que têm sede e fome de Justiça, porque serão saciados”. (1)

É hora de renovar o compromisso de fidelidade à Justiça. A fórmula regimental (2) exige do empossando a solene promessa de que cumprirá e fará cumprir a Constituição e as leis.

Contudo, a Constituição e as leis quem as realiza não é a inteligência que as concebe nem o pergaminho que as estampa, mas a magistratura que as concretiza. (3)

A Constituição promete direitos, institui o Estado Democrático, é a suprema vontade popular expressa em dispositivos. Seu texto, no entanto, por si só é insuficiente para realizar o que promete. Paulo, que exercera a magistratura antes da revelação de Damasco, ensinou que a letra mata e o espírito vivifica. (4)

À Justiça não basta a Lei. O Direito é a ciência das normas. A Ética, a ciência da conduta. Ao juiz incumbe, através do Direito, impor as condutas indicadas pela Ética. Muito além do fundamento jurídico, o ofício da judicatura é essencialmente ético.

O juiz se move dentro do Direito como o prisioneiro dentro de seu cárcere, (5) mas o que lhe importa, a final, não é o instrumental jurídico mas o conteúdo moral, não é a forma, mas o fim, e este é o Homem, e a sua indisponível dignidade.

O supremo valor ético é a dignidade do homem, a existência digna de todos os homens e mulheres. Todos os homens se igualam em dignidade. E do ofício do juiz é indissociável a dignidade.

A dignidade da magistratura está na independência moral dos juízes, não é concessão das leis, nem benevolência das forças sobre as quais exerce a jurisdição.

O que garante o juiz não é a letra fria da Lei; é a sua independência, a fortaleza moral, a coragem de decidir, é o fazer de seu ofício a ponte de ouro entre o Direito e a Ética.

Este século XXI finalmente nos dará adequados instrumentos jurídicos de garantia da dignidade da magistratura. E o fará não em favor do juiz, mas do cidadão a quem garante nos seus direitos.

Hoje, a Constituição e as leis pouco ou nada amparam a magistratura; parecem, até mesmo, desafiar e testar a independência dos juízes. As prerrogativas constitucionais – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos – sequer são exclusivas da magistratura.

Tais prerrogativas, em face da autonomia do Judiciário como Poder da República, simplesmente contrapõem o juiz ao próprio tribunal. A vitaliciedade não impede decisões administrativas, muitas vezes sem prévia audiência do acusado, que conduzem à disponibilidade forçada.

A inamovibilidade é garantia que se torna letra morta quando metade da magistratura da instância inicial permanece anos sem lotação definida. A irredutibilidade dos vencimentos, estendida aos servidores públicos e aos empregados privados, não impede que ao juiz se desconte quase a metade da remuneração a título de imposto de renda, de contribuições previdenciárias, de seguro-saúde e outras verbas.

A ele se veda o exercício de outras funções, salvo diminuta dedicação ao magistério, e a incorporação à remuneração de parcelas que são plenamente acessíveis aos demais servidores públicos.

Os membros dos Poderes da República, e entre eles os juízes, somente respondem por comprovados dolo ou fraude, o que não impede a instauração de processos disciplinares administrativos que, tantas vezes, se arrastam em desgastante tramitação. Só há carreira se houver promoção.

Ainda assim, a promoção do juiz não ocorre naturalmente, mas é tomada como fato excepcional.

O Supremo Tribunal Federal reiteradamente exige a motivação expressa para a recusa da promoção pela antigüidade; quanto a de merecimento, são enaltecidos os tribunais que utilizam tão somente o critério da antigüidade, pois ainda hoje não se aplicam os critérios constitucionais de presteza e segurança no exercício da jurisdição e de freqüência e aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento.

Espera-se este ano que, finalmente, os chefes dos Poderes da República consigam alcançar o consenso necessário para estabelecer os subsídios de juiz da Suprema Corte, o que representará o teto de remuneração de todos os agentes públicos. Enquanto isso, afronta-se o contribuinte com as não raras situações em que servidores públicos são remunerados mensalmente em dezenas de milhares de reais.

A exigência de incensurável conduta na vida pública e privada, a espartana remuneração, a desigualdade de tratamento entre os diversos níveis funcionais, a crescente demanda dos serviços judiciários pela progressiva consciência da cidadania, as difíceis condições de trabalho decorrentes de insensatos percentuais orçamentários, o grau de dificuldade dos concursos, tudo conspira para desanimar os candidatos ao ingresso na carreira, hoje estando vagos um quarto dos cargos. Tudo isso, no entanto, são meros entraves que serão vencidos ao seu tempo.

Aqui estamos a celebrar a magistratura; honrar aqueles que deram o melhor de si em nome da Justiça; reverenciar os que foram ao supremo sacrifício pelo Direito; desenvolver o nosso espírito na contemplação do exemplo de tantos outros que transcenderam a fragilidade de sua condição humana pela projeção no seu ofício da força de sua personalidade.

Já advertia o Eclesiastes: “Não pretendas ser juiz, se não tens coragem para fazer frente às injustiças, para que não temas à vista do poderoso, e não te exponhas a proceder contra a eqüidade”. (6)

É mais um rito de passagem, Senhor Presidente, de um longo, gratificante e áspero caminho. Nele nos fortalecemos quando por ele não somos vencidos.

É o caminho cujo destino é a inexorável apresentação perante o tribunal do Último e Supremo Juiz.

A ele suplicamos que nos julgue, não com a humana medida com que julgamos nossos irmãos, mas com a misericórdia e o amor que somente Ele pode prover e que nós juízes prometemos continuar procurando no nosso ofício.

Notas de rodapé

1 – Mateus, 5, 6.

2 – Regimento Interno do Tribunal de Justiça, art. 225.

3 – Rui Barbosa.

4 – São Paulo, Epístola

5 – Eduardo Couture.

6 – Eclesiastes, VII, 6.

Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2001.

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