Briga por herança

Herdeiros contestam divisão de bens no Rio, mas já é tarde.

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14 de março de 2001, 0h00

Os herdeiros de um dos maiores empresários do Brasil no ramo de cimentos, Severino Pereira da Silva, entraram na Justiça para contestar a divisão de bens. Mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o prazo para a reclamação foi encerrado e não há como voltar atrás.

Os bens foram divididos em 1986. O prazo legal para recorrer à Justiça terminou em 1990. Mas somente em 1996, os herdeiros entraram com a ação. O relator do processo, desembargador Joaquim Alves de Brito afirmou que houve “prescrição vintenária”.

Veja a decisão da Justiça do Rio de Janeiro

TRIBUNAL DE JUSTIÇA – NONA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível nº10387/2000

Relator: DESEMBARGADOR JOAQUIM ALVES DE BRITO

EMENTA: Ação ordinária visando anular transação. Ação constitutiva negativa cujo direto é atingido pela decadência prevista no art. 178, parágrafo 9º, V. “b” do Código Civil. Se o ato que se pretende anular ocorreu em novembro de 1986 e esta ação foi proposta em 1996, em muito se operou a decadência face ao transcurso do prazo de 4(quatro) anos previsto no dispositivo legal referido. Decaindo a parte do direto de discutir a matéria, inócuo é o debate sobre as demais questões jurídicas do feito como os atos posteriores e decorrentes da transação. Desprovimento do recurso.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº10387/2000, em que é Apelante LUIS ANTONIO BRAGA PEREIRA DA SILVA, sendo Apelados CARLOS ALBERTO MOURA PEREIRA DA SILVA e MARIA DA GLÓRIA PEREIRA DA SILVA FREIRE e OUTROS.

ACORDAM os Desembargadores da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

Trata-se de recurso que visa desconstituir sentença que julgou improcedente pedido de anulação de transação efetivada entre as partes litigantes.

Como referido no voto do apenso, este feito traz em seu bojo questões de alta complexidade defendidas por advogados que abrilhantem a profissão pela competência e cultura jurídica demonstradas.

Entretanto, inobstante o tema destes autos e do apenso, entendo que a questão encontra solução simples.

A leitura dos autos deixa claro, sem sombra de dúvidas, que esta ação visa anular transação extrajudicial efetivada entre as partes em 21/11/1986 ( fls. 23/30 ) visando a partilha dos bens de Severino Pereira da Silva.

Como o pedido visa anular ato jurídico entre as partes, esta ação tem natureza constitutiva negativa, e não declaratória simplesmente. É certo que toda ação possui parcela declaratória, posto que o magistrado em ações constitutivas, condenatórias ou mandamentais, por exemplo, declara o direto e desconstitui a relação jurídica, declara o direito e condena o réu ao pagamento, e declara o direito determinando conduta sob pena de responsabilidade.

O tipo da ação quanto à providência jurisdicional deve ser encontrado observando-se a relevância dos efeitos, já que em todas há uma declaração.

Na hipótese destes autos, o que os autores pretendem é a desconstituição da relação jurídica entres as partes qual seja uma transação extra judicial, ou seja, esta ação tem natureza constitutiva negativa.

Partindo-se da premissa supra, não há como se considerar esta ação imprescritível ou atingida pela prescrição vintenária, mas ao revés, impõe-se o reconhecimento da prescrição, rectius decadência,

prevista na alínea “b”, inciso V. parágrafo 9º do art.178 do Código Cível: quatro anos, contados do “dia em que se realizar o ato ou o contrato”.

A transação foi celebrada em 21/11/1986 (fls. 23/30), o prazo de quatro anos terminou em 21/11/1990 e a presente ação somente foi constituida em 04/03/1996.

O ato que se pretende atingir não é nulo, mas sim anulável, vez que a causa petindi é o dolo, induzimento a erro, já que segundo a exordial, os réus iludiram o autor convencendo-o a transigir.

A Jurisprudência pátria é unissona neste sentido afirmando a prescritibilidade dos atos anuláveis e a imprescritibilidade dos atos nulos, como os acordões a seguir atentam, in verbis.

SIMULAÇÃO – PRAZO PRESCRICIONAL – INTELIGÊNCIA DO ART. 178, parágrafo 9º, V. B. CC – 1. Na generalidade dos casos, prescreve em quatro (4)anos, contados da celebração da avança, a ação desconstitutiva de contrato viciado por simulação. 2. A lei não contempla critério deferenciador na fixação do prazo prescricional tendo em mira a natureza da norma vulnerada. (STJ – AgRg no Al 3.903 – PR – 4º T, – Rel. Min. Sálvio de Fegueiredo – DJU 03.02.1992).

PRESCRIÇÃO – PARTILHA DECORRENTE DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL -ALEGAÇÃO DE VÍCIO DO CONSENTIMENTO – PRECEDENTES DA CORTE – 1. Já está assentado em diversos precedentes da Corte que na separação consensual a anulação da partilha subordina-se ao ditame do art. 178, parágrafo 9º,V, do Código Cível. 2.Recurso especial conhecido e provido, (STJ – REsp 146.324 – PR – 3º T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 26.10.1998 – p.116).

AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA DE COMPRA EVENDA – PRESCRIÇÃO – A ação de anulação de escritura de compra e venda de imóvel, fundada no dolo dos vendedores, prescreve em quatro anos (art. 178, parágrafo 9º, inciso VI, b, do C. Civil). (STJ – REsp 54.578 – MG – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJU 25.09.1995).

Vale ressaltar ainda que na hipótese destes autos não há outro bem jurídico a tutelar que não os interesses patrimoniais das partes. Tenho manifestado entendimento no sentido de que, se o vício de consentimento é o instrumento pelo qual as partes atingem bem jurídico indisponível como por exemplo a própria sobrevivência da parte, nos casos de doação da totalidade dos bens, aplica-se a norma da prescrição vintenária e não a inerente ao vício de consentimento ou vício social.

Entretanto, como já referido, nestes autos não há outro bem jurídico que se pretenda preservar com o feito senão questão meramente patrimonial, o que faz incidir o lapso temporal de 04 (quatro) anos previsto no já mencionado art. 178, parágrafo 9º, V. ‘a’ do Código Civil.

Assim, operou-se a decadência, incidindo a norma do art. 269, IVdo Código de Processo Civil.

Desta forma, a sentença de fls. 249/262, da lavra do ilustre Juiz, Dr. Ronaldo José Oliveira Rocha Passos, bem apreciou a espécie com toda acuidade, dando a lide correta solução de justiça e de direito, pelo que é confirmada por seus próprios e jurídicos fundamentos, passando a integrar o presente, na forma regimental.

Assim, conheço do recurso, mas nego provimento ao mesmo.

Rio de janeiro,

LAERSON MAURO

Desembargador Presidente

JOAQUIM ALVES DE BRITO

Desembargador Relator

Revista Consultor Jurídico, 14 de março de 2001.

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