Telebrás

Professor critica processo de privatização do Sistema Telebrás

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13 de março de 2001, 0h00

1. No Brasil, é incomum que os estudiosos do Direito se ocupem do exame de “casos”, como forma de analisar vícios jurídicos e mesmo de despertar estudos sobre a forma de prevenir-lhes a reiteração. Sem embargo, uma vez que, recentemente, ocorreu um dos mais teratológicos eventos de violação à ordem jurídica, vale a pena comentá-lo tecnicamente. É que, embora estivesse em pauta fato importantíssimo, com ampla repercussão política, seus aspectos de direito, ficaram ensombrecidos, baldos de análise efetuada por tal prisma, conquanto, ao propósito dele, a ordem jurídica haja sido escandalosamente aviltada.

Referimo-nos ao processo de alienação das ações que a União Federal detinha na Telebrás, empresa da qual detinha o controle e que era, juntamente com a Embratel, igualmente privatizada, responsável por todo o sistema de telecomunicações do País.

Dita alienação foi efetuada com vícios jurídicos tão espantosos que é razoável supor que os responsáveis por ela acreditaram-se acima da Constituição e das Leis e descrentes em que o Poder Judiciário do País se atreveria a contê-los de logo: questão, é bem de ver, da máxima gravidade, tanto mais porque a seqüência dos fatos revelou que a pressuposição governamental estava fundada em prognóstico certeiro.

2. O primeiro e ostensivo vício da operação de alienação – suficiente para fazê-la nula – reside em que a pessoa jurídica encarregada de efetuá-la mediante leilão, o BNDES, recusou-se, até mesmo, a atender as exigências legais de publicidade. Isto é, as que constam do art. 11 da lei nº 9.491, de 09.09.97, norma específica sobre desestatização e alienação de ações de estatais e, ademais, posterior à lei nº 9.472 criadora da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e na qual foi prevista a privatização da Telebrás.

Dito artigo 11, por estar alocado em norma específica sobre o tema e que é posterior à lei nº 9.472, alterou-lhe o art. 198, passando, evidentemente, a ser o regente da publicidade da alienação de estatais.

Dispõe o citado art. 11:

“Para salvaguarda do conhecimento público das condições em que se processará a alienação do controle acionário da empresa, inclusive instituição financeira incluída no Programa Nacional de Desestatização, assim como de sua situação econômica, financeira e operacional, será dada ampla divulgação das informações necessárias, mediante a publicação de edital, no Diário Oficial da União e em jornais de notória circulação nacional, do qual constarão, pelo menos, os seguintes elementos:

a) justificativa da privatização, indicando o percentual do capital social da empresa a ser alienado;

b) data e ato que determinou a constituição da empresa originariamente estatal ou, se estatizada, data, ato e motivos que determinaram sua estatização;

c) passivo das sociedades de curto e de longo prazo;

d) situação econômico-financeira da sociedade, especificando lucros ou prejuízos, endividamento interno e externo, nos cinco últimos exercícios;

e) pagamento de dividendos à União ou às sociedades por essa controladas direta ou indiretamente, e aporte de recursos à conta capital, promovidos direta ou indiretamente pela União, nos últimos quinze anos;

f) sumário dos estudos de avaliação;

g) critério de fixação do valor de alienação, com base nos estudos de avaliação;

h) modelagem de venda e valor mínimo da participação a ser alienada;

i) a indicação, se for o caso, de que será criada ação de classe especial e os poderes nela compreendidos”.

3. Esta lei, posterior à lei nº 9.472 e, ademais, específica para o tema da desestatização e alienação de estatais ao setor privado, veio, no artigo transcrito, precisamente evitar que a divulgação da privatização de estatais, sua justificativa e suas condições, ficassem exclusivamente por conta do Diário Oficial e daquilo que os meios privados de divulgação entendessem de noticiar, segundo o viés de cada qual.

Assim, seu intento manifesto foi assegurar que o tema pudesse ser objeto do conhecimento de qualquer do povo, em todos os seus detalhes, no que se atendia a um princípio elementar do Estado de Direito: o da transparência e o da submissão dos atos governamentais ao controle da Sociedade. A importância desta providência é particularmente saliente no caso de alienação de um patrimônio de vulto extraordinário, como ocorreu com a privatização do Sistema TELEBRÁS que se constituiu na “maior privatização em bloco já realizada no mundo”, conforme, aliás, noticiou a imprensa.

Registre-se que a simples leitura do art. 11 citado enseja perceber, de imediato, que o sentido da sobredita regra não é o de reclamar cumprimento da função inerente aos “editais de licitação”, qual, a de proporcionar aos que possam se interessar em acorrer ao certame conhecimento das condições estabelecidas para concorrerem e ofertarem, disputando-o com prévia ciência dos termos que o regem.


O sentido do artigo 11 é manifestamente o de permitir que a sociedade, os cidadãos, o público em geral, possam verificar que a privatização daquela específica empresa ou conjunto de empresas atende a razões prezáveis, vai se desenvolver com a adequada transparência e que, pois, não comparecem motivos para objetá-la. Em suma: visa assegurar e de maneira qualificada o princípio da publicidade.

4. Tanto é óbvio ter sido este o propósito do art. 11 (transparência no que se pretende efetuar e prestação de contas ao público quanto à procedência da decisão tomada) que o sobredito preceptivo exige informações absolutamente irrelevantes para fins de um procedimento licitatório, mas que, inversamente, são cruciais para atender o objetivo apontado como o que lhe é pertinente. Valem como exemplo disto as exigências das letras “a”, “b” e “e”, ainda que o mesmo possa ser dito de quase todas.

Na letra “a” demanda-se “justificativa da privatização”, ou seja, exposição do conjunto de motivos que levaram o Poder Público a privatizar aquela específica empresa ou conjunto de empresas que esteja em causa e, pois, demonstração da ausência de razões ponderáveis que a infirmariam ou, pelo menos, a enunciação de argumentos explicativos do porquê devem, ao juízo do Poder Público, preponderar os concernentes à alienação da empresa. É claro que nos editais de licitação é irrelevante a exposição aos eventuais interessados em afluirem à disputa os motivos que justificam a conduta administrativa consistente em adquirir, locar ou alienar bens, realizar obras ou serviços. E é claro, de outra parte, que tudo isto é indispensável se o que se deseja é oferecer ao corpo social explicações de uma dada conduta.

Na letra “b” requer-se “data e ato que determinou a constituição da empresa ou, se estatizada, data, ato e motivos que determinaram sua estatização”. Ainda aqui é igualmente óbvio que em nada interessa aos licitantes saber porque determinada atividade algum dia foi assumida pelo Estado. É óbvio, pelo contrário, que se o desejado pela norma é propiciar ao público em geral amplo conhecimento das razões que motivam o Estado a agir do modo a que se propõe, interessa profundamente à sociedade com um todo saber porque o Estado considerou importante assumir determinada empresa e passou depois a reputar que esta não mais interessa aos objetivos que lhe haviam determinado a estatização.

Na letra “e” reclama-se informação sobre “pagamento de dividendos à União Federal ou a sociedades por essa controladas direta ou indiretamente, e aporte de recursos à conta capital, providos direta ou indiretamente pela União, nos últimos quinze anos”. Vê-se igualmente que é irrelevante para os licitantes o montante de recursos aportados nestes últimos quinze anos pela União. Inversamente, se o dispositivo legal que impõe tal esclarecimento almeja proporcionar aos cidadãos a ocasião de conferirem o bom fundamento do propósito de desestatizá-la, interessa e muito saber se o Poder Público tem efetuado dispêndios com ela e se vem colhendo proveitos econômicos apreciáveis.

5. Verifica-se, então, que o edital a que se refere o art. 11 tem, para além de qualquer dúvida ou entredúvida, o objetivo claro, manifesto e indiscutível de garantir a todo o corpo social um amplo conhecimento das razões determinantes da alienação de uma dada empresa, para que este possa fiscalizar e avaliar a justeza da medida, com as correlatas conseqüências, inclusive os ônus políticos que daí derivem para quem haja decidido dela se desfazer. Note-se que tal encargo foi posto à compita do Poder Público, isto é, não se pretendeu deixá-lo ao sabor meramente das informações ou direcionamento ensejado pelos rumos que a “mídia” adotasse quanto a cada caso de privatização.

Em suma: o alcance específico do art. 11 da lei nº 9.491, de 09.09.97, foi justamente impedir que o promotor da licitação se limitasse a publicar, em jornais de grande circulação nacional, tão somente “avisos”, remetendo o leitor ao Diário Oficial, como dantes estabelecia o art. 198 da lei nº 9.472.

6. Sem embargo, o BNDES não publicou em jornais de grande circulação nacional os dados do edital que estava obrigado a publicar. Limitou-se a publicar um “Aviso”, remetendo o leitor ao DOU. Isto é, não foi feito o que a lei determinou e foi feito exatamente aquilo que ela pretendeu evitar que se fizesse.

7. Não se imagine que a lei nº 9.491 não se aplica à alienação do Sistema Telebrás e que esta se regeria exclusivamente pela lei da Anatel. O art. 3º da lei nº 9.491, em sua primeira parte, poderia induzir a tal entendimento, contudo, a segunda parte do artigo espancaria qualquer dúvida passível de se instalar no espírito do exegeta. Veja-se. Diz o preceptivo em causa:

“Não se aplicam os dispositivos desta Lei ao Banco do Brasil S.A., à Caixa Econômica Federal, e a empresas públicas ou sociedades de economia mista que exercem atividades de competência exclusiva da União, de que tratam os incisos XI e XXI do art. 21 e a alínea “c” do inciso I do art. 159 e o art. 177 da Constituição Federal, não se aplicando a vedação aqui prevista às participações acionárias detidas por essas entidades, desde que não incida restrição legal à alienação das referidas participações”.


Inexistia restrição legal à venda de ações do Sistema TELEBRÁS, até porque, se existisse, não poderiam ser alienadas. O permissivo para tanto está expresso no art. 187 da lei nº 9.472.

Em suma: a lei nº 9.491, de 09.09.97, veio a se constituir na lei regente de todas as desestatizações, como decorre da abrangência de seus termos. Aliás, tal abrangência resulta explicitamente do mesmo artigo 3º precitado. Com efeito, a própria exceção que dele consta, ao excluir expressamente o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal (que jamais foram incluídos no Plano Nacional de Desestatização), bem como outras entidades em relação às quais, todavia, ressalvou a exceção (quando inexistisse restrição legal à alienação das participações acionárias da União) demonstram que dita lei apresentou-se, explicitamente, como retora de quaisquer desestatizações. A não ser assim, o art. 3º seria um sem-sentido; não teria qualquer razão de existir.

É induvidoso, pois, que desde a citada lei a publicidade da venda de estatais exige publicação, em jornais de grande circulação nacional, de todos os elementos indicados em seu art. 11. De resto, seria disparatado, ridículo, incongruente, que tais cautelas fossem exigidas para a privatização de quaisquer estatais e não o fossem justamente para a “maior privatização do mundo”.

9. Aliás, independentemente do disposto na citada lei, a ausência de “justificativa” do ato, isto é, de sua “motivação”, deve ser considerada, ainda, como vício autônomo, isto é, como um segundo vício. Deveras, a motivação é condição de validade dos atos administrativos praticados no exercício de alguma discrição e induvidosamente requerido nos casos de alienação, tanto que, consciente disto, a lei geral de licitações e contratos (nº 8.666, de 21.06.93, com suas alterações) em seu art. 17, dispõe: “A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado …”.

Ao respeito do dever de motivar, quadra referir a precisa lição da eminente professora e juíza do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, LUCIA VALLE FIGUEIREDO:

“A motivação é elemento essencial para o controle, sobretudo para o controle judicial. Não haveria possibilidade de aferir se o ato se conteve dentro da competência administrativa, dentro da razoabilidade, que deve nortear toda competência, caso não sejam explicitadas as razões condutoras do provimento emanado”. .

“In casu”, o vício da falta de motivação é de relevância extrema, não só por ser ela expressamente exigida na letra “a” do art. 11 da lei nº 9.491, ou por estar em causa a alienação de um complexo gigantesco de empresas, mas por envolver concessões de serviço público.

Deveras, a lei 8.987, de 13.02.95, que disciplina as concessões de serviço público, em seu art. 5º, prevê que: “O poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo”. É certo que a alienação das empresas do “Sistema TELEBRÁS” não se rege especificamente por tal lei. Sem embargo, ninguém, em seu juízo normal, suporia que é obrigatória a justificativa emitida em ato público e oficial precedendo uma mísera permissão de serviço público qualquer e não o é quando se trate de efetuar concessões abrangendo a totalidade do “Sistema de Telecomunicações do País”.

10. Os exegetas nutridos de alguma ilustração, sabem que a existência de um dado poder outorgado legalmente à Administração, não significa elisão do restante da ordem jurídica e muito menos de princípios gerais de Direito. Ao respeito e de modo lapidar assim se manifestou o consagrado publicista espanhol EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA:

“La Administración – hay que repetirlo una vez más – no es un poder soberano, sino una organización subalterna al servicio de la comunidad, y por esta simplicísima e incontestable razón no puede pretender apartar en un caso concreto, utilizando una potestad discrecional, la exigencia particular y determinada que dimana de un principio general del Derecho en la materia de que se trate. La Ley que ha otorgado a la Administración tal potestad de obrar no ha derogado para ella la totalidad del orden jurídico, el cual, com su componente esencial de los principios generales, sigue vinculando a la Administración” (EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA Y TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ – Curso de Derecho Administrativo, Ed. Civitas, Madrid, 3ª ed., 1981, pag. 400 – grifos nossos).

11. O terceiro vício reconhecível de plano, foi o de ofensa manifesta àquele que é, talvez, o mais importante princípio inspirador do Estado de Direito, qual seja, o princípio da igualdade. O edital de alienação das ações vedou que participassem do leilão Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades integrantes de suas administrações indiretas .


Inversamente, não existe, no edital, restrição alguma à participação de Governos estrangeiros ou de pessoas controladas por Governos estrangeiros, tanto que, como é público e notório, inscreveram-se para participar empresas controladas pelos Governos de diversos Países e várias delas foram as arrematantes.

Nisto existem, simultaneamente, várias violações ao Direito.

Uma, a de que, permitindo-se participação de estatais estrangeiras e, inversamente, não se permitindo que Estados, Municípios ou entidades de sua administração indireta disputem o leilão, ofende-se, às escâncaras, o princípio constitucional da igualdade. E dita ofensa é tanto mais grave porque praticada com favorecimento a estrangeiros e em desfavor do que é brasileiro, o que contraria, também, toda a lógica do sistema constitucional de qualquer país que se pretenda soberano (art. 1º, I, 4º, I e 170, I da Constituição Federal).

Porém, demais disto, viola-se, outrossim, o princípio constitucional da autonomia de Estados e Municípios, porque a eles se impõe limitação não residente na Lei Magna. Acresce que, dessarte, restringe-se o universo de proponentes, o que se contrapõe ao princípio básico de qualquer certame licitatório.

De resto, tal limitação foi imposta sem que sequer estivesse mascarada pelo suposto apoio de alguma lei autorizante, a qual, se existisse, forneceria algum arremedo de pretenso calço jurídico à restrição de direitos nele contemplada. Deveras, como bem foi anotado em estudo de mão e sobremão a respeito do edital “sub examine”, efetuado pelo eminente GASPAR VIANA, certamente o maior especialista brasileiro em direito de telecomunicações:

“Não há na Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, nem em qualquer outra lei, um único artigo que proíba o Distrito Federal, os Estados da Federação, os Municípios, ou mesmo os entes descentralizados do Poder Público, em qualquer de suas esferas, de controlar acionariamente ou mesmo de ter participação relevante no capital de empresas de telecomunicações.

Se não há tal restrição legal, o Edital – que é um ato administrativo de execução – não poderia estabelecê-la”.

O Edital, todavia, desconhecendo os limites impostos ao ato administrativo, estabelece restrição que não existe na lei, operando assim outra odiosa discriminação e interferindo indebitamente na Administração Estadual e Municipal.

A discriminação inscrita no item 1.2.2. do Edital é, portanto, inconstitucional, e nula de pleno direito, devendo tal nulidade ser declarada por sentença judicial de mérito”.

Assim, este terceiro vício apontado, traz consigo, ao menos, um quarto vício, qual o de invadir autonomia de Estados e Municípios, para não se falar da ostensiva postergação da rudimentar noção de que toda atividade administrativa e, pois, qualquer restrição por ela imposta, necessita inelutavelmente estar calçada em lei.

12. O quinto vício é literalmente espantoso porque configura, mais do que descaso pela segurança nacional, ato de manifesto comprometimento dela e uma incompreensível ausência de previsibilidade em relação a um futuro imediato.

Tal vício pode ser exposto com transcrição das seguintes considerações extraídas do mencionado trabalho notável da lavra de GASPAR VIANA, o qual, depois de referir que o edital não colocou quaisquer peias à participação de empresas controladas por outras potências, anotou:

“Ao se omitir sobre esta questão essencial, o Edital admite tudo (cf. item 3.1.II) e autoriza o entendimento discriminatório de que o funcionamento, no Brasil, de entes estatais de outros países é mais salutar do que a existência no Brasil de empresas estatais brasileiras.

Com esta grave omissão, o Edital, poderá configurar uma desnacionalização que adicionalmente, caracterizará uma grave inconstitucionalidade: empresas estatais estrangeiras, que atuam do campo da geração de informação, poderão assumir o controle acionário de empresas sediadas no Brasil e encarregadas do transporte da informação.

Como se sabe, em quase toda a América Latina, no Leste Europeu, na África e em parte da Asia, as redes e sistemas de telecomunicações estão caindo sob o domínio de um reduzido grupo de países – nomeadamente, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Itália, Japão e seus sócios menores da OCDE e Comunidade Européia.

Impulsionando este novo infocolonialismo, estão o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, a Organização Mundial de Comércio (OMC), a União Internacional de Telecomunicações (UIT), o FMI, o Banco Mundial e outras instituições ligadas aos governos e interesses econômicos daqueles países.

E quem executa esta estratégia de dominação de mercado relevante ?

A execução desta estratégia está a cargo da American Telephone & Telegraph (AT&T), o maior operador de telecomunicações dos Estados Unidos; a British Telecom, operador privado britânico de telecomunicações, no qual o governo inglês tem participação acionária estratégica; as France Telecom, Deutsche Telecom e Telecom Italia, operadores controlados e dirigidos pelos Estados francês, alemão e italiano, respectivamente; a Telefónica de España, outro operador privado, no qual o Estado – espanhol – tem participação acionária estratégica. Atores menores e associados são as MCI, Bell South e outras companhias norte-americanas; a Telia, companhia estatal sueca; até a pequena, mas muito esperta, Portugal Telecom.


Coincidentemente, todas estas empresas estão pré-qualificadas para participar do “leilão” da TELEBRÁS…

Esta corrida pelo domínio das redes e sistemas de telecomunicações em todo o mundo é parte de um veloz e feroz esforço dos grandes grupos multinacionais, dos bancos e corretoras internacionais, dos conglomerados da comunicação social e, claro, dos Estados hegemônicos do mundo.

E com que objetivo ?

A resposta é evidente e plena de lógica: para controlar as tecnologias, meios e sistemas que lhes permitam acessar, processar, registrar, comunicar – em suma, açambarcar e dominar – toda e qualquer Informação de natureza científica, tecnológica, gerencial, financeira, mercadológica, política, sem falar das sociais e culturais mais gerais, que as organizações, as empresas, os serviços públicos e, claro, os Estados necessitam em suas atividades econômicas, políticas e culturais.

Já é certo e incontestável que o próximo milênio será a “Era da Informação”. Então é indiscutível que Informação tornou-se o mais importante recurso econômico e social da humanidade, neste fim de século. Permitir ou negar o acesso e uso da Informação, significará favorecer ou não, a criação e distribuição de trabalho e riquezas, no mundo e em cada país.

Também a Democracia dependerá, ainda mais do que sempre dependeu, do livre, amplo e plural acesso dos cidadãos às informações necessárias à tomada de decisões sobre os rumos da sociedade.

Informação é poder: poder econômico, poder político. O acesso à Informação e aos meios de comunicá-la tanto pode ser um instrumento de radicalização democrática e de justa distribuição das oportunidades e riqueza, quanto de centralização autoritária do poder e correspondente exclusão social.. Não será um imperativo tecnológico, mas sim as decisões conscientemente políticas da sociedade que determinarão uma ou outra escolha.

As tecnologias da informação e da comunicação globalizam a economia e a cultura, mas não suprimem, por si sós, a exclusão social, a concentração de riquezas, a dominação de povos e países. Certamente, no mundo de hoje, alguns países globalizam, outros são globalizados. No passado, se diria, alguns países colonizam, outros são colonizados.

O domínio das redes e sistemas de telecomunicações, dos satélites que se encontram em seus vértices superiores, dos cabos, troncos e estações que formam a sua base à volta do mundo e em cada país, pode tornar quase obsoleto o uso da força bruta militar para impor essa nova dominação infocolonial.

No milênio que se avizinha, não será mais necessário invadir um país para submetê-lo. Bastará deixá-lo surdo e mudo, desligando os seus circuitos de satélite e outros sistemas que sirvam de suporte e infra-estrutura para as comunicações dos seus bancos e empresas, para o controle do seu tráfego aéreo, para as emissões das suas cadeias de televisão, sem falar, claro, das comunicações próprias e internas do governo, das forças de segurança e mesmo dos cidadãos, no dia a dia.

Com todas – rigorosamente todas – as empresas de telecomunicações de um País nas mãos das forças do capital internacional, uma súbita interrupção dos circuitos – um “apagão” – embora intencional, poderá ser divulgado como um simples “acidente”.

Esta possibilidade, embora pareça fantástica, especialmente em tempo de paz, não pode ser ignorada. Hoje, os gigaempreendimentos transnacionais são mais poderosos do que a maioria das nações do globo, e todos eles dispõem de um tentáculo no setor de teleinformática. A “Era da Informação” deixou de ser uma figura de retórica dos teóricos da informação e se tornou uma realidade palpável. Portanto, o setor de teleinformática tornou-se o eixo vital de Soberania, e mais ainda o são, pelo poder de voz e voto que confere a uma sociedade e a um Estado, neste mundo de economia e cultura globalizadas.

Exatamente por isso, nenhuma potência do Primeiro Mundo permitiu que Estados Estrangeiros, diretamente ou através de suas empresas, mesmo rotuladas de “privadas”, passassem a ter o controle diretivo e acionário de todos os segmentos de suas telecomunicações.

Nas nações do chamado “Primeiro Mundo”, a globalização e as novas tecnologias conduziram a privatização, contudo o controle diretivo e acionário foi reservado aos nacionais do País. A desnacionalização, pura e simples, não foi sequer cogitada. Os Editais de Venda de Ações limitaram a participação estrangeira a percentuais de 20% (como nos Estados Unidos) a 49% (como na Espanha), mas jamais admitiram o controle do capital votante”.

13. O sexto vício, também este de agressão ostensiva à Constituição e a vários de seus dispositivos – consistente na restrição do direito de acesso e informação – foi assim flagrado por GASPAR VIANA:


“O EDITAL estabelece que “para ter acesso aos estudos elaborados pelos CONSULTORES, bem como a outras informações relativas ao SISTEMA TELEBRÁS e à sua reestruturação, os interessados deverão estar inscritos para acesso às SALAS DE INFORMAÇÕES, nos termos do Aviso de Inscrição publicado no Diário Oficial da União em 16.04.98, as quais permanecerão abertas até a data indicada no CRONOGRAMA.” O Cronograma (item 7.4) indica que tal data é o dia 17 de julho de 1998.

Segundo o referido Aviso de Inscrição, o acesso às referidas Salas de Informações (também chamadas de “data rooms”) é restrito aos interessados qualificados, isto é, aos investidores que cumprirem determinadas condições, inclusive o pagamento de uma quantia em dinheiro, que vai de 20 a 100 mil reais.

Tais restrições foram estabelecidas com amparo no § 1 º do artigo 198 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, que estabelece que “o acesso à integralidade dos estudos de avaliação e a outras informações confidenciais poderá ser restrito aos qualificados, que assumirão compromisso de confidencialidade.

Este dispositivo é, evidentemente, inconstitucional, pois subtrai da sociedade brasileira a igualdade de direitos e o inalienável de acesso à informação sobre assunto de seu peculiar interesse (conforme os artigos 5º, caput, e inciso XIV e XXXIII e XXXIV). Ao permitir exclusivamente aos investidores o acesso à documentação da privatização (estudos elaborados pelos consultores e documentos relacionados à reestruturação do Sistema TELEBRÁS, critérios de avaliação do patrimônio e critérios para o estabelecimento do valor mínimo de venda), ela subtrai da sociedade brasileira o direito inalienável à informação e a verificação da lisura do processo. É abominável, para usar adjetivo brando, que se assegure a um investidor estrangeiro (que pode ser apenas um especulador, e nada mais) o acesso a informações dita “confidenciais” – as mesmas que se proíbe ao cidadão brasileiro interessado na verificação da lisura do processo de privatização.

Portanto, o Edital, em seu item 1.4., quando faculta exclusivamente aos “investidores” o acesso à documentação da privatização (estudos elaborados pelos consultores e documentos relacionados à reestruturação do Sistema TELEBRÁS, critérios de avaliação do patrimônio e critérios para o estabelecimento do valor mínimo de venda), viola os princípios da publicidade, da igualdade de tratamento, de direito à informação, da moralidade e do interesse público, todos inscritos na Constituição Brasileira, e, em especial, em seu artigo 5º , inciso XIV, XXXIII e XXXIV e 37, caput da Constituição Brasileira”.

Note-se que não estava em pauta, no caso vertente, o simples acesso a “pastas” do edital, como ocorre em geral com as licitações, mas o direito dos cidadãos se inteirarem daquilo que a lei reputou indispensável para “amplo conhecimento público” e a que têm o mais inequívoco direito de aceder em face dos termos constitucionais atinentes ao direito de informação e à transparência nos negócios públicos .

14. O sétimo vício reside na restrição ilegal estabelecida em relação aos Fundos de Pensão Brasileiros e estampada no item 1.2.3 do Edital, ademais, sem que equivalente restrição haja sido feita aos Fundos de Pensão Estrangeiros.

Ainda aqui, para bem exibir esta afronta ao Direito , melhor não se poderá fazer senão transcrever as lições de GASPAR VIANA:

“O Edital restringe onde a lei impede e libera onde a lei manda restringir. Esta é a lógica do absurdo seguida pelo Poder Executivo. Aqui, o Edital de Leilão impede, sem antecedente legal, e sem justificada razão, que as entidades brasileiras de previdência privada participem majoritariamente no leilão de privatização das empresas de telecomunicações.

Os fundos de pensão do exterior estão plenamente aptos para assumir o controle das telecomunicações brasileiras, mas os fundos de pensão do Brasil estão proibidos pelo Edital de fazê-lo. A SISTEL e a TELOS, que são fundos de pensão geridos por empregados e ex-empregados do setor de telecomunicações, e que reúnem a excelência do conhecimento brasileiro no setor, nem mesmo estes fundos, vitoriosos até mesmo na administração de complexos empresariais, de natureza completamente diversa, como shoppings center, nem, mesmo tais fundos poderão controlar uma das empresas de telecomunicações.

Há uma injustificável e odiosa discriminação contra o capital nacional, e em favor do capital estrangeiro.

…………………………………………………………

Somente a lei poderia proibir os Fundos de Pensão Brasileiros de participar livremente do Leilão, entendido como tal o direito de atuar segundo os seus interesses de investimento em favor dos patrocinados. Afinal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5 º , inc. II). E se lei estabelecesse tal restrição, deveria estendê-la também aos Fundos de Pensão Estrangeiros, uma vez que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. (art. 5 º, caput).


Ocorre que o Poder Executivo esmerou-se em inverter integralmente o sentido da lei, pois estabeleceu restrição odiosa, em desfavor do capital nacional, em ato administrativo de segundo grau, um Edital de Leilão. Mais uma vez é o malfadado Edital que agride as garantias inscritas em nossa lei maior, ao impedir que os Fundos de Pensão adquiram ações ordinárias (com direito a voto e decisão) e só permitindo que sejam adquiridas ações preferenciais, ainda assim no limite de 25% do capital (que não configura participação relevante).

O Poder Executivo, ao estabelecer estas limitações discriminatórias contra o capital nacional, abusa do poder que lhe foi conferido, pois favorece injustificadamente os Fundos de Pensão Estrangeiros e os demais concorrentes potenciais que participarão do leilão, em prejuízo da economia nacional e dos ex-empregados do próprio Sistema TELEBRÁS, reunidos em seus fundos de pensão”.

Houve nisto, pois, uma inconstitucional restrição do direito de participar do certame, sem base legal e com discriminação em favor de entidades estrangeiras, com nova ofensa aos art. 5º, “caput” e inciso II e 37, por violação aos princípios da legalidade e moralidade.

15. O oitavo vício reside na fixação de preço mínimo insuficiente, isto é, na sub valorização do objeto da alienação.

Para servirmo-nos apenas de dois exemplos bastante elucidativos do aviltamento do preço das empresas do Sistema Telebrás, basta anotar o que segue.

No Estado de São Paulo, a concessão da BANDA B (telefonia celular) outorgada o ano passado, o foi por um total de cerca de 3.9 bilhões de reais. Ou seja: só o direito de exploração. Não foram vendidas instalações algumas, nem havia, ainda, como é óbvio, assinante algum. Para usar uma expressão do Ministro SERGIO MOTA, “foi vendido só o ar”. Contraste-se, agora, com este valor, o preço mínimo de venda fixado para a Telesp Celular, que explora a Banda A. Foi de 1.100.000 reais (item 2.2.2 do Edital), com todas as suas instalações e já com 1.348.726 assinantes.

Em Minas Gerais, a Telemig Celular – que explora a BANDA A – tendo 450.000 assinantes, atendendo 129 localidades, o que implica equipamentos, estações radio-base, centrais de comutação etc. e cujo faturamento mensal é de 52 milhões de reais, teve seu preço mínimo fixado pelo edital em 230 milhões. Sem embargo, no mesmo Estado para a outorga da concessão da BANDA B (novamente a “venda de ar”), há apenas poucos meses, o preço mínimo fixado foi de 400 milhões de reais, tendo sido efetivamente liquidado por 520 milhões.

Ou seja: nos dois exemplos dados, “o ar” foi estimado em valor superior ao “ar”, equipamentos e assinantes para fins de preço mínimo de venda das estatais.

Tome-se, agora, a Embratel, cujo preço mínimo de venda foi estimado em 1.8 bilhões de reais (item 2.2.2 do edital). Ora bem, nas palavras de GASPAR VIANA:

“A EMBRATEL está sendo posta à venda por R$ 1,8 bilhões. Ocorre que, segundo o seu último Balanço Patrimonial, de 31.03.98, o seu patrimônio líquido é de R$ 5,6 bilhões – ou seja, três vezes mais !!!

As dívidas da empresa com fornecedores, empréstimos e financiamentos, impostos e outras obrigações (que a Contabilidade chama de “exigível a longo prazo”) é de apenas R$ 0,593 milhões. E, para saldar tais obrigações, a empresa tem em caixa (“reservas”, na linguagem contábil) R$ 1,377 bilhões.

A EMBRATEL é uma empresa de capital fechado, isto é, não tem ações em Bolsa, sendo que a União detém 98,8% do seu capital social. Logo, de acordo com os dados do Balanço Patrimonial da Empresa, o valor mínimo para a sua venda deveria ser de R$ 6,1 bilhões e nunca R$ 1,8 bilhões”.

16. Diga-se, de passo, que o ex-Ministro das Comunicações, snr. SERGIO MOTA, conforme noticiado na ocasião por toda a imprensa, estimava que a privatização da Telebrás renderia 30 bilhões de reais. Ao depois, seu sucessor, o Ministro MENDONÇA DE BARROS, indicou estimativa de cerca de 21 bilhões, isto é, 30% menor, sem que se saiba como ou porque pessoas com a responsabilidade dos cargos que ocupam ou ocuparam fizeram tais estimativas, tão díspares, conquanto separadas por curto período de tempo. Supõe-se que não as fizeram levianamente.

Sem embargo, o preço mínimo fixado para o leilão, foi fixado muito abaixo de ambas as estimativas: 13,47 bilhões, ou seja: 35,85% a menos do que o previsto pelo Ministro BARROS e 55,1% menor do que o previsto pelo Ministro MOTA !

Note-se que o alienado, em rigor, não é simplesmente uma dada quantidade de ações da Telebrás – que é o que se compra nas Bolsas de Valores. Ao ser leiloada a parte que a União possui no pacote acionário da empresa, o que está sendo vendido é o controle do negócio. É, pois, a própria empresa, a qual se aloca entre as dez maiores empresas de telecomunicações do mundo. Seu patrimônio, ainda em 31 de dezembro de 1996, era de 31 bilhões de Reais. Seu faturamento anual, em 1997, foi de 22 bilhões de reais. Seu lucro líquido, no mesmo ano, foi de 4,3 bilhões de reais. A previsão do faturamento, para 1998 é de 27 bilhões. Seu investimento com recursos próprios, em 1997, foi de 7,5 bilhões. As ações da Telebrás representam mais de 50% do volume diário de movimentação do Bovespa e é a segunda empresa não-americana que mais vende ações na Bolsa de NOVA YORK, superada apenas pela SHELL. O setor de telecomunicações é um dos de maior potencialidade em todo o mundo. Segundo a Revista “Newsweek” de julho do corrente ano, é a segunda maior empresa do mundo dos mercados emergentes.


17. Adite-se que em palestra aos investidores de Nova Iorque, o Diretor de Privatização do BNDES disse o seguinte: “Comprem as empresas de telecomunicações brasileiras agora, que daqui a dois ou três anos vocês poderão revendê-las por duas ou três vezes os preços pagos agora.” Há nisto, visível sugestão de que o Brasil estará fazendo péssimo negócio em vender tais empresas e que seus compradores estrangeiros fariam um autêntico “negócio da China”, à custa do patrimônio público. Ora tal declaração não pode ser desdenhada ou menoscabada. Não foi feita em uma mesa de bar ou por pessoa irresponsável, mas por um Agente Público, em viagem oficial, em palestra oficial. E não por qualquer agente, mas exatamente pelo que era o representante do Brasil encarregado diretamente do “negócio”. Nada mais, nada menos, do que o Diretor de PRIVATIZAÇÃO do BNDES, Sr. Pio Borges.

Para evidenciar ainda mais o caráter estranho da operação desencadeada pelo Governo, relembre-se que o próprio Ministro das Comunicações, Mendonça de Barros, conforme notícia amplamente divulgada pelos jornais, aconselhou os interessados em adquirir linhas de celular da Telesp a que não o fizessem e aguardassem a privatização da sobredita empresa, para fazê-lo apenas depois que fosse comprada por particulares. Pode-se imaginar alguém propondo-se a vender uma loja, uma fábrica, aconselhando seus potenciais clientes a que não adquirissem suas próprias mercadorias ou produtos enquanto não passasse a loja ou a fábrica para as mãos de outrém ?

Registre-se, por fim, que, com a mesma metodologia adotada pelo Governo, o Grupo de Assessoramento Técnico da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenado pelo renomado prof. Luiz Pinguelli Rosa, apontou um preço mínimo 50,5% superior ao estimado pelo Governo para a alienação das ações do Sistema Telebrás.

18. De resto, a confirmação irrespondível de que houve subavaliação foi dada pelo próprio resultado do leilão. Ao cabo dele, no total, apurou-se pouco mais de 22 bilhões: ágio de 63,74%, variando, no caso de cada empresa, entre 1% (Telenorte Leste) e 228,69% (Telemig Celular). A simples existência de ágio deste porte demonstra que, no seu todo, as empresas estavam subavaliadas. Já a variação do ágio entre elas põe em causa a criteriosidade da avaliação de cada qual e nisto se compromete o todo, que não é senão a soma das partes.

Eis, aí, então, outro evidentíssimo vício, na alienação do Sistema Telebrás: dada a sub-avaliação das empresas, houve sinalização em desfavor de oferta que poderiam ter sido muito superiores, isto é, ocorreu induzimento a lances mais baixos do que corresponderiam ao objeto leiloado. Nisto, pois, estampou-se vício em um pressuposto da alienação: a avaliação correta dos bens a serem vendidos ressaltando que, em tese, pode mesmo ter existido um atentado ao princípio da moralidade administrativa, residente no art. 37 da Lei Magna.

19. O nono vício da alienação resulta de que, havendo o Governo agido com excepcional açodamento, o procedimento para a alienação do Sistema de Telecomunicações do País foi desencadeado antes da edição de leis que lhe seriam condicionais e absolutamente indispensáveis, pena de acarretar violação de outras leis ou de instituir situações de perplexidade normativa.

Assim, ao colocar à venda o pacote acionário correspondente a diferentes empresas que compõem um mesmo “Grupo de empresas”, irá fragmentá-lo entre os distintos adquirentes. Tais empresas deixarão, pois, de se constituir em um “Grupo de Empresas”. Com isto, acarretará a descomposição de uma entidade de previdência fechada, o Sistel, que é pessoa de direito privado e entidade previdenciária dos empregados do atual Grupo Telebrás. Com efeito, a teor do art. 4º, I, “a”, da lei nº 6.435, de 17.07.77, é requisito para a qualificação de uma entidade de previdência privada como “fechada”, que seja “acessível exclusivamente aos empregados de uma só empresa ou grupo de empresas”. Ou seja: haverá, sua dissolução nesta qualidade, sem obediência a qualquer forma legal, inclusive porque sua transmutação em entidade “aberta” também não é possível sem obediência aos requisitos da mesma lei.

Ou seja: produzir-se-á situação ilegal e até mesmo de perplexidade jurídica como fruto da conduta estranhamente açodada na alienação do Sistema Telebrás.

Nada importa, quanto a isto, a inclusão no edital, em sua cláusula 4.3, IV, da obrigação, imposta aos participantes vencedores do leilão, de assegurarem “aos atuais empregados das Companhias e de suas respectivas controladas, os Planos de Previdência Complementar da Fundação Sistel de Seguridade Social e da Telos – Fundação Embratel de Seguridade Social …”. Tal dispositivo não elide a descomposição de uma entidade de previdência privada fechada, nem a ilegalidade que se apontou, praticada à revelia dos participantes dela.


20. Finalmente, dentre tudo, o que mais ressalta e já agora como um décimo vício envolvendo a decisão de venda do Sistema Telebrás, tanto como as circunstâncias e o modo em que se processou, é a ofensa radical a um princípio básico do direito administrativo, cuja transgressão faz nulo e irremissivelmente nulo qualquer comportamento administrativo incidente em sua censura: o princípio da razoabilidade.

Em outra oportunidade, em obra teórica, e simplesmente traduzindo o que é corrente e moente na doutrina, deixamos averbado:

“Descende também do princípio da legalidade o princípio da razoabilidade. Com efeito, nos casos em que a Administração dispõe de certa liberdade para eleger o comportamento cabível diante do caso concreto, isto é, quando lhe cabe exercitar certa discrição administrativa, evidentemente tal liberdade não lhe foi concedida pela lei para agir desarrazoadamente, de maneira ilógica, incongruente. Não se poderia supor que a lei encampa, avaliza previamente, condutas insensatas, nem caberia admitir que a finalidade legal se cumpre quando a Administração adota medida discrepante do razoável. Para sufragar este entendimento ter-se-ia que atribuir estultice à própria lei na qual se haja apoiado a conduta administrativa, o que se incompatibilizaria com princípios de boa hermenêutica. É claro, pois, que um ato administrativo afrontoso à razoabilidade não é apenas censurável perante a Ciência da Administração. É também inválido, pois não se poderia considerá-lo confortado pela finalidade da lei. Por ser inválido, é cabível sua fulminação pelo Poder Judiciário a requerimento dos interessados. Não haverá nisto invasão do “mérito” do ato, isto é, do campo da discricionariedade administrativa, pois discrição é margem de liberdade para atender o sentido da lei e em seu sentido não se consideram abrigadas intelecções induvidosamente desarrazoadas, ao menos quando comportar outro entendimento” .

O mínimo que se pode dizer de tudo o que cerca a alienação das ações do Sistema Telebrás e em particular do edital é que não é razoável, não responde a critérios mínimos de prudência, de equilíbrio, da sensatez que qualquer homem médio dispõe e que a Sociedade tem o direito de esperar de suas autoridades. A simples precipitação com que foi realizada, bem o demonstra.

21. No que tange ao inconcebível açodamento, vale como demonstrativo, o simples fato de que, na Inglaterra, segundo o testemunho autorizado do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o processo de privatização das telecomunicações levou mais de 10 (dez) anos. Segundo suas próprias palavras, em entrevista concedida à revista Veja, em 17 de janeiro de 1996, a reestruturação e a desestatização das telecomunicações deveria ser feita com muita prudência, de forma a não causar danos irreparáveis ao patrimônio público. Exemplificando, citou a Inglaterra, onde o processo, como dito, levou dez anos. “Poderia ser mais rápido ? Talvez poderia. Com os recursos de que disponho, não” – afirmou, conclusivamente, o mandatário do País.

Como explicar, então, que se pretendesse em curtíssimo prazo, realizar, como foi realizado, um leilão de todas as ações da União, em todas as empresas de telecomunicações e em um mesmo dia ? Parece impossível aceitar-se, inclusive à vista de juízos emitidos pelo próprio Chefe do Executivo, que o comportamento em apreço se enquadre nas pautas da indispensável “razoabilidade”.

A recusa governamental em promover nova avaliação das empresas – mesmo ante um questionamento tão grande quanto o que houve – a resistência em debater com a Sociedade assunto que envolve visivelmente a segurança nacional e o futuro do País, a decisão de efetuar a alienação das ações já em um final de governo, na imediação das eleições, demonstram conduta imprudente, açodada, intemperante e carente da serenidade demandada de quem ocupe cargo de responsabilidade.

22. Deveras, a presumível justificativa da venda e que lhe imprimiria, ao menos, um eventual patamar de argumentação em prol de sua razoabilidade, não poderia firmar-se sobre o pressuposto de que com ela obter-se-iam recursos formidáveis, capazes de obviar dificuldades econômico-financeiras do País. Com efeito, o produto presumido da venda do Sistema TELEBRÁS – em face dos aviltados preços mínimos estabelecidos e mesmo em face dos que a final resultaram do leilão (cerca de 22 bilhões de reais) – estava e está longe de representar montante de significação notável para ditos fins.

Com efeito, o que a União se propunha a obter como mínimo na alienação (13,47 bilhões de reais) e o que afinal resultou da venda das ações do Sistema Telebrás (cerca de 22 bilhões) é absolutamente inexpressivo para fins de enfrentar nossa dívida interna, já que esta excede o montante de 280 bilhões. Também o é em face dos juros da dívida pública externa e interna, visto que só no ano retrasado, o Brasil pagou o equivalente a 24 bilhões de dólares ou perante o que o próprio Governo reputou-se capaz de enfrentar alocando recursos para o PROER (mais de 20 bilhões, já estando a suportar uma inadimplência de 10 bilhões). Porém, demais disto, nos termos da cláusula 2.2.4 do Edital, o participante vencedor só está obrigado a pagar, à vista, 40% (o que também diminui o ingresso imediato apurado com o leilão das empresas. Ou seja: à vista não receberá mais do que 8,8 bilhões de reais. O restante virá em duas parcelas iguais com vencimento em 12 e 24 meses, de sorte que para enfrentar o pagamentos dos 13,2 bilhões remanescentes, os arrematantes contarão com o lucro que obterão com a exploração das empresas adquiridas !

23. Também não se poderá buscar suporte capaz de elidir tal inculca na alegação de que o que acima de tudo se buscava era não tanto (ou não apenas) um proveito econômico, mas estabelecer um regime de concorrência, em benefício do público e da qualidade do serviço.

Para perseguir tal objetivo não seria preciso vender a Telebrás. Bastaria abrir licitação, outorgando concessões, em regime concorrencial com a empresa estatal, liberando os serviços a quem se interessasse em disputá-los. Afinal, não é isto mesmo que o Governo declarou pretender fazer, propiciando o surgimento de “empresas espelho”, para concorrerem com as privatizadas ?

Verifica-se, pois, que, de fora parte os nove primeiros vícios jurídicos apontados, é inequívoco ter ocorrido manifesta incursão em falta de razoabilidade, mácula esta que, de per si, configura irretorquível denúncia de “desvio de poder”, ou seja, de comportamento nulo, rechaçado pelo Direito como uma das mais graves incorreções que pode afetar a atividade administrativa.

Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2001.

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