Crime de opinião

Artigo gera afastamento presidente do Tribunal de Ética da OAB

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3 de março de 2001, 0h00

No próximo dia 12, o Conselho Seccional da OAB paulista tomará conhecimento, oficialmente, de que uma prerrogativa privativa do colegiado foi empalmada pela diretoria da entidade.

Sem a necessária consulta aos conselheiros, o presidente da OAB-SP afastou da direção do Tribunal de Ética e Disciplina da entidade o advogado Raul Haidar.

O motivo alegado foi a publicação de um artigo no jornal Tribuna do Direito em que o conselheiro questiona a eficácia do Exame de Ordem, da forma como é feito, para o ingresso na profissão. Haidar entende que as questões formuladas são específicas demais.

Outra iniciativa que teria irritado os caciques da Ordem foi o fato de Haidar defender uma reação da entidade contra denúncias de má-fé apresentadas contra advogados. A facilidade para se interpelar profissionais no Tribunal de Ética, como se sabe, tem dado espaço para a consecução de objetivos mesquinhos a pessoas que procuram a OAB para se vingar de desafetos ou concorrentes.

Uma terceira razão seria de ordem política. Diretores que pretendem suceder o atual presidente, Carlos Miguel Aidar, preocupam-se com a exposição de outros colegas que, no seu entender, não podem aparecer mais que eles. Esses diretores determinaram à assessoria de imprensa da entidade que nada pode ser divulgado sem a autorização prévia da cúpula.

Opinião

Na forma, a atitude da direção da OAB-SP mostra seu nível intelectual e grau de amadurecimento político. Serve de exemplo e alerta para todos os advogados que ocupam cargos na Seccional.

No mérito, em relação ao Exame de Ordem, os diretores negaram-se a refletir a respeito de uma questão séria. As estatísticas dos exames de ingresso na advocacia, assim como da seleção para a magistratura, costumam ser usadas para mostrar como os brasileiros são despreparados e imbecis e como o ensino nacional é ruim. Não se costuma questionar a qualidade dos exames aplicados.

Pois bem: o conselheiro Raul Haidar decidiu fazê-lo. E descobriu que os elaboradores desses exames também são brasileiros.

O procurador do Estado Vitorino Antunes, que presidiu a Comissão de Exame de Ordem na gestão passada e nesta é tesoureiro, um brasileiro emblemático, conseguiu que o advogado Haidar fosse substituído por outro procurador do Estado, Jorge Eluf Neto.

Quanto a chamar à responsabilidade pessoas que levam denúncias improcedentes ao Tribunal de Ética com terceiras intenções, não faltam exemplos. Ao ingressar em uma entidade que congrega sociedades de advogados, um escritório paulistano enviou aos integrantes da associação seu discreto folheto de apresentação.

O citado escritório passou dois anos respondendo pela absurda acusação de propaganda imoderada. Pior de tudo: a denúncia era anônima, o que é vedado pelas normas da própria OAB.

O Tribunal de Ética da Ordem, em princípio, existe para proteger a advocacia de sua porção ruim. No episódio em questão, o princípio foi invertido.

O sentido da existência da Ordem dos Advogados do Brasil é o de, organizadamente, enfeixar nas mãos de seus dirigentes o poder do conjunto dos advogados e aplicá-lo em benefício de todos. A diretoria de uma seccional representa os interesses da classe. Não os substitui.

Raul Haidar, que no ano 2000 foi corregedor do TED, mesmo destituído da direção do TED, pode orgulhar-se de ter caído por tentar representar esses interesses.

Revista Consultor Jurídico, 3 de março de 2001.

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