Guerra fiscal e a vaca louca

Pressão induz governo a oferecer incentivos fiscais sem critérios

Autor

  • Gonzaga Adolfo

    é doutor em Direito pela Unisinos e pesquisador na área dos Direitos Autorais professor da Ulbra Gravataí e do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Unisc e ex-presidente (gestão 2011/2013) da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB-RS.

1 de março de 2001, 0h00

O recente acirramento dos conflitos gerados pelas relações comerciais entre o Brasil e o Canadá traz novamente à pauta questões como guerra fiscal, livre mercado, globalização e Estado Mínimo, além de expor as mazelas da interferência privada nas ações econômicas públicas.

Um resultado dessa interferência na atuação estatal é vislumbrado na esfera tributária. A guerra fiscal danosa e, na maioria das vezes, insensata mostra como a política e os governos se perderam no labirinto da economia global.

As próprias instituições internacionais, como o organismo comercial das Nações Unidas – UNCTAD, que mantém controle contínuo sobre a prática mundial de subvenções, alertam que a pressão da concorrência internacional induz os governos ao oferecimento de incentivos que não podem mais ser justificados sob critérios objetivos.

Entretanto, no afã de mostrar aos eleitores medidas contra o desemprego, os agentes políticos não percebem que somente prejudicam seus países a longo prazo.

Os defensores do novo capitalismo passaram a defender o subsídio direto e indireto do Estado – um subsídio que é maior do que a soma paga pelas corporações, através de impostos diretos e indiretos. O melhor Estado, na concepção liberal fundamentada em Adam Smith (A riqueza das nações), e, posteriormente, em Friedman, expoente máximo da chamada Escola de Chicago, é aquele que possibilita que a mão invisível opere o mais desembaraçadamente possível, tornando-se o Estado portador de uma atuação independente da vontade geral e ainda contrária ao interesse público, geral e específico.

O Estado, então, está na constante tensão entre fazer parte de uma sociedade civil definida contrariamente ao imperfeito estado da natureza (Hobbes e Locke), sendo uma expressão perfeita da vontade coletiva, e interferir com a perfeição da sociedade civil.(CARNOY, Martin. Estado e teoria política. 3. ed. Campinas : Papirus, 1990, p. 311-313).

Sua explicação parte do postulado de que o mercado é o melhor mecanismo dos recursos econômicos e da satisfação das necessidades dos indivíduos. Daí se conclui que todos os processos que apresentam obstáculos, controlam ou suprimem o livre jogo das forças do mercado terão efeitos negativos sobre a economia, o bem-estar e a liberdade dos indivíduos.(LAURELL, Asa Cristina. Avançando em direção ao passado: a política social do neoliberalismo. Estado e políticas sociais no neoliberalismo, op. cit., p. 161).

Tudo perfeito, na teoria. Na prática, o que é mais chocante, é que os Estados não põem em prática, muitas vezes, o que pregam, como se observa nesta guerra comercial entre Brasil e Canadá, na qual o país da América do Norte agiu em defesa da Bombardier, sua fábrica de jatos de até 50 poltronas que vem perdendo mercado para a nossa Embraer desde 1997. Ou seja, livre-mercado para os outros, mercado com subsídios, monopólios, oligopólios e tantas outras vantagens para nós. O boicote à carne bovina brasileira foi apenas um pretexto para pressionar o governo brasileiro em decorrência de alegados subsídios prestados à empresa de nosso país.

Além da constatação de que não dá para entrar em jogo tão forte com a inocência com os que os dirigentes de meu time, o Grêmio, trataram da questão que envolve o passe do craque Ronaldinho. Fica a impressão de que a burocracia pátria não agiu com os cuidados que eram de se esperar em tema tão delicado.

Enquanto isso, um agropecuarista, em São Sepé (RS), minha terra natal, olha atônito para uma vaca leiteira holandesa, que cria em sua pequena propriedade rural, que carinhosamente apelidou de “Mimosa”, e questiona-se sobre o que ela tem a ver com a situação criada. Quem sabe, ela é a louca.

Revista Consultor Jurídico, 1º de março de 2001.

Autores

  • Brave

    é advogado com atuação em Direitos Intelectuais, mestre e doutor em Direito pela Unisinos, professor da Unisinos, da Ulbra Gravataí e do Unilasalle

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