Adolescente no trabalho

Artigo: Trabalho precoce exclui adolescente da sociedade.

Autor

  • Lelio Bentes Corrêa

    é ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (biênio 2022-2024) e mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade de Essex (Inglaterra).

25 de maio de 2001, 0h00

Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 1988, que elevou a idade mínima para admissão ao trabalho no Brasil para dezesseis anos, o tema vem sendo debatido sob a óptica da adequação de tal comando à realidade nacional. Questiona-se da viabilidade de estabelecer tal patamar para ingresso no mercado do trabalho em um país desigual, onde a miséria assola parcela significativa da população. Dados do IBGE de 1999 indicam que 3,8 milhões de adolescentes entre 15 e 17 anos trabalham no país, a grande maioria contribuindo com parcela significativa do orçamento familiar.

O debate em questão tem sido marcado pela preocupação predominantemente trabalhista e pela visão do trabalho como alternativa de inclusão social do adolescente desfavorecido economicamente e, por vezes, como uma conseqüência inevitável da pobreza. Tal enfoque, no entanto, revela-se insuficiente e desatualizado.

O trabalho não é a única, nem a melhor alternativa de inclusão social do adolescente. Ao contrário, o trabalho precoce exclui, na medida em que rivaliza com a educação e interfere no processo de aquisição das competências básicas para o mundo contemporâneo. Recentemente, o Primeiro-Ministro italiano sentenciou, em evento realizado para comemorar os excelentes resultados alcançados pelo programa de qualificação profissional daquele país: “no mundo globalizado, um país sem mão-de-obra qualificada é um país sem condições de competitividade”.

Dados recentes divulgados pela Organização das Nações Unidas demonstram que os países que mais se desenvolveram nos últimos anos foram exatamente os que mais investiram em educação, com especial destaque para a China.

Optar pelo tratamento da questão sob a óptica do trabalho em detrimento da educação, significa optar pelo atraso, sucumbir ante as dificuldades do momento e renunciar ao futuro. É urgente a revisão do eixo sobre o qual se norteia o debate do tema em questão. É fundamental voltar a atenção para a importância da educação no projeto de construção de uma Sociedade moderna, justa e igualitária e para o impacto positivo da Emenda Constitucional nº 20 nesse processo.

As normas internacionais consagram a importância da educação como ferramenta para o desenvolvimento das potencialidades da criança e do adolescente à sua plenitude, impondo aos Estados o dever de fixar idade mínima para admissão no emprego compatível com tal premissa. Assim é que a Convenção dos Direitos da Criança (art. 32, § 2º), o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 10, § 3º), o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos na Área de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 7º, § 1º) e a Convenção nº 138, da Organização Internacional do Trabalho (art. 2º), soam uníssonas na proteção do direito de crianças e adolescentes à educação. Este último diploma estabelece o princípio de que nenhum trabalho será permitido antes da idade legalmente prevista para o término educação compulsória, assegurando, ainda aos que ultrapassaram tal idade mas ainda não concluíram o ensino obrigatório, o direito a exercer trabalhos de natureza leve e compatíveis com a freqüência escolar (art. 7º, § 2º).

Fica clara, assim, a opção do Direito Internacional pelo tratamento da educação como ferramenta para o desenvolvimento da criança e do adolescente, pelo menos até que tenha adquirido a maturidade e as competências básicas necessárias ao ingresso no mundo do trabalho. Antes da idade mínima para admissão no emprego, qualquer trabalho deverá ser considerado incompatível com o processo de desenvolvimento da criança e do adolescente, salvo se inserido em processo de educação vocacional ou técnica ou de aprendizagem, observada idade mínima compatível (Convenção 138 da OIT, art. 6º).

Nesse contexto, a consagração, na norma jurídica mais importante do país – a Constituição da República – da idade mínima de dezesseis anos para admissão no emprego (salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze), implica o reconhecimento dos efeitos danosos ao desenvolvimento da criança e do adolescente de qualquer trabalho realizado antes de tal idade. Mais do que isso, implica a consagração da educação como ferramenta adequada ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades. E como tal, a educação deverá ser gratuita e compulsória, máxime em face da notória impossibilidade do sistema de aprendizagem nacional absorver tamanho contingente de adolescentes.

A opção pela idade mínima de dezesseis anos para admissão no emprego implica, para o Estado brasileiro, a obrigação de proporcionar educação gratuita e compulsória para todas as crianças e adolescentes na faixa etária correspondente. Do contrário, estar-se-ia condenando tal parcela da população ao limbo. De nada serviria a elevação da idade mínima para admissão no emprego se o tempo equivalente não fosse destinado ao “completo desenvolvimento” da personalidade e potencialidades do adolescente, por meio da educação.

Tais considerações ganham ainda maior relevância no momento em que, por convocação do Ministro do Trabalho, representantes dos trabalhadores e dos empregadores reúnem-se com o governo para debater a idade mínima a ser declarada à OIT, para fins de registro da ratificação, já autorizada pelo Congresso Nacional, da Convenção 138. É fundamental que, em momento de tamanha relevância, a posição comum dos representantes da sociedade brasileira reflita o seu compromisso com o Brasil que idealizamos e lutamos por construir, livre da submissão e resignação passiva diante das dificuldades que o momento oferece.

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