Denúncia contra FHC

Veja o pedido de impeachment contra Fernando Henrique Cardoso

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22 de maio de 2001, 0h00

Cinco dos mais notáveis advogados brasileiros protocolaram na Câmara dos Deputados uma denúncia por crime de responsabilidade contra o presidente Fernando Henrique Cardoso. Eles argumentam que FHC cometeu crime ao conseguir a retirada da assinatura de 20 deputados do requerimento da CPI da Corrupção oferecendo “vantagens patrimoniais” aos congressistas.

Os advogados querem que a denúncia seja lida no plenário e despachada à Comissão de Constituição e Justiça, que deverá decidir sobre o encaminhamento da ação ao Supremo Tribunal Federal e ao Senado. O processo, se acatado, poder levar ao impeachment de Fernando Henrique.

Fazem parte do grupo os juristas Celso Antônio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari, Fabio Konder Comparato, Goffredo da Silva Telles Junior e Paulo Bonavides.

Leia, na íntegra, a denúncia

Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados:

Celso Antonio Bandeira de Mello, divorciado, advogado e professor

universitário, com domicílio em São Paulo (SP), na Avenida Paulista, n° 1499, 5° andar, conjunto 505, Dalmo de Abreu Dallari, casado, professor universitário, residente e domiciliado em São Paulo, na Rua Doutor Esdras Pacheco Ferreira, n° 95, Fábio Konder Comparato, casado, professor universitário e advogado, residente e domiciliado em São Paulo (SP) na Rua Bennett, n° 349, Goffredo da Silva Telles Júnior, que também se assina Goffredo Carlos da Silva Telles, casado, professor universitário aposentado, residente e domiciliado em São Paulo (SP), na Avenida São Luís, n° 268 – 13° andar, e Paulo Bonavides, casado, professor universitário aposentado, residente e domiciliado em Fortaleza (CE), na Avenida José Artur de Carvalho, n° 2810, casa 281, todos cidadãos brasileiros, no pleno gozo de seus direitos políticos (docs. n° ), vêm, com fundamento no disposto no art. 85 – 11 da Constituição Federal, e no art. 6° – 11 da Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950, denunciar o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

“Todas as crises, que pelo Brasil estão passando, e que dia a dia sentimos crescer aceleradamente, a crise política, a crise econômica, a crise financeira, não vem a ser mais do que sintomas, exteriorizações parciais, manifestações reveladoras de um estado mais profundo, uma suprema crise: a crise moral.” Rui Barbosa, Ruínas de um Governo.

1- A essência dos crimes de responsabilidade, enunciados no art. 85 da Constituição Federal, é indubitavelmente de natureza ética. Quando o supremo mandatário da nação desonra-se, a ponto de atentar contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes constitucionais, os direitos fundamentais do homem e do cidadão, a segurança interna do País, a probidade da administração, a lei orçamentária, ou o cumprimento das leis e das decisões Judiciais, é porque desceu à ignomínia do perjúrio, ao quebrar, conscientemente, o compromisso solene prestado por ocasião de sua posse: “manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem

geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a Independência do Brasil” (art. 78).

Por isso mesmo, em rigor, a multiplicidade dos crimes definidos na Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950, imputáveis ao Presidente da República, acha-se compendiada num só delito, de natureza infamante: “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” (art. T, alínea 7).

É, pois, com imensa tristeza e sincero constrangimento que os denunciantes sentem-se moralmente obrigados a bater às portas da Câmara dos Deputados, órgão representativo do povo brasileiro, para pôr em acusação, por crime de responsabilidade, um cidadão que, por duas vezes e sucessivamente, foi eleito pelo povo para governar o País e representá-lo perante os demais povos. A suprema sanção que ora se pleiteia contra o denunciado não tem outro objetivo, senão o de defender a honra nacional, separando moralmente o mandatário perjuro do povo mandante, por ele ofendido.

2.- Como foi largamente divulgado pelos meios de comunicação de massa, a Mesa do Senado Federal recebeu um requerimento de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito sobre fatos apontados como caracterizadores de corrupção no selo da administração federal, tanto direta quanto indireta. 0 requerimento foi subscrito por 182 (cento e oitenta e dois) deputados e 29 (vinte e nove) senadores.

A reunião do Congresso Nacional, destinada a criar oficialmente a referida Comissão Parlamentar de Inquérito, foi convocada para realizar-se no dia 16 de maio do corrente ano. No dia 10, porém, o expediente da Presidência do Congresso foi prorrogado até às 24:00 (vinte e quatro horas), a fim de permitir que as lideranças do Governo fizessem a entrega oficial de documento, comprobatório de que 20 (vinte) deputados, signatários do requerimento de instalação da Comissão, haviam se retratado e pediam fossem seus nomes desconsiderados.

Da mesma forma, os meios de comunicação de massa divulgaram amplamente, tomando -o fato, por conseguinte, público e notório, que todos os desistentes acabavam de ser contemplados, pelos órgãos do Governo, com assinaladas vantagens, consistentes na liberação de verbas orçamentárias, correspondentes a obras de interesse de suas bases eleitorais. Os recursos financeiros, destinados ao atendimento dessas liberações de verbas, concentrados na Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, são administrados pela Caixa Econômica Federal.

Segundo noticiado nos jornais, em especial em 0 Estado de São Paulo (doc. N°), órgão insuspeito, pois condenou expressamente a proposta de instalação da C.PI, os recursos assim despendidos, até o dia 11 de maio p.p., somavam a expressiva quantia de R$78.500.000,00 (setenta e oito milhões e quinhentos mil reais). Somente no dia 11 de maio, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano destinou R$ 18.400.000,00 (dezoito milhões e quatrocentos mil reais) à liberação dessas verbas, cifra essa superior ao total desembolsado pela

Secretaria nos quatro primeiros meses do ano (doc. N°).

3.- Dispõe a Constituição Federal em seu art. 85 – I que o Presidente da República comete crime de responsabilidade, quando atenta contra “o livre exercício do Poder Legislativo”.

Ao definir tal crime, a Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950, dispõe, em seu art. 6°, segunda alínea, que uma de suas modalidades consiste em:

“2 – usar de violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença, ou para

coagi-lo no modo de exercer o seu mandato, bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção.”

Atente-se para os amplos termos em que é vazado o

dispositivo legal. A Lei n° 1.079 refere-se aí, largamente, a “suborno ou outras formas de corrupção”; vale dizer, não limita a caracterização do tipo delituoso somente à oferta de dinheiro, de modo direto, ao parlamentar. Quaisquer vantagens de natureza patrimonial, suscetíveis de beneficiá-lo, direta ou indiretamente, são abrangidas pela definição legal.

Da mesma forma, a influência corruptora não está ligada, tão só, ao

exercício do voto, mas a toda e qualquer modalidade de cumprimento do mandato parlamentar, como é, indisputavelmente, o requerimento de instalação de uma comissão parlamentar de inquérito.

Finalmente, a lei equipara, para efeitos punitivos, a simples tentativa à

consumação do ato de se determinar, mediante suborno ou qualquer outra forma de corrupção, o comportamento de algum representante do povo no Congresso Nacional.

4.- Ora, a oferta de liberação de verbas orçamentárias, correspondentes a emendas apresentadas por parlamentares, e destinadas à realização de obras públicas de interesse de suas bases eleitorais, constitui, indubitavelmente, uma apreciável vantagem pessoal daquele que depende do voto popular para obter a renovação de seu mandato.

Quando essa vantagem é oferecida pelo

Governo, com o objetivo de obter a retratação do parlamentar em requerimento de instalação de comissão de inquérito sobre alegados fatos de corrupção na esfera governamental, a relação de comutatividade ressalta às escâncaras: é o “dá lá, toma cá”, típico dos negócios de compra e venda ou de troca.

5.- Nem se alegue que o Presidente da República permaneceu alheio ao episódio, como se o assunto não lhe dissesse respeito.

Em primeiro lugar, Sua Excelência, em profusas e reiteradas declarações públicas, fez questão de condenar a projetada comissão parlamentar de inquérito, taxando-a, ora de inútil, ora de extremamente prejudicial ao País. Concomitantemente, o Ministro da Previdência Social buscava entendimentos com o Senador Antonio Carlos Magalhães para obter a retratação de deputados a ele ligados, os quais haviam assinado o requerimento de instalação da comissão, enquanto o Ministro do Trabalho afastava-se de seu cargo e reassumia sua cadeira na Câmara dos Deputados, com objetivo declarado de votar contra a aprovação do requerimento.

Em suma, o vasto empreendimento, visando à retirada de assinaturas no pedido de instalação da comissão de inquérito, empreendimento esse que um órgão de imprensa chegou a caracterizar como “megaoperação” (doc. N° ), foi levado a efeito, de forma concertada, por Ministros de Estado, altos funcionários ligados à Presidência da República e pelos líderes do Governo nas duas Casas do Congresso.

Seria, portanto, ridículo, para dizer o mínimo, pretender que o Chefe de Estado ignorou, o tempo todo, o desenrolar de uma complexa e trabalhosa operação, praticada no interesse do Governo por ele chefiado.

6.- Diante do exposto, os signatários vêm denunciar o Presidente da

República Fernando Henrique Cardoso, como incurso no disposto no art. 6° – 1 da Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950, requerendo a Vossa Excelência que, nos termos do art. 19 do mesmo diploma legal, bem como do art. 218 do Regimento Interno da. Câmara, seja a presente denúncia lida no expediente da sessão seguinte à data de seu recebimento, e despachada à comissão especial aí prevista, a qual deverá sobre ela opinar, prosseguindo-se em seguida na

conformidade do disposto na citada Lei n° 1.079 e no Regimento Interno dessa Casa Parlamentar.

Termos em que,

Pedem Deferimento.

Brasília, 18 de maio de 2001

Celso Antonio Bandeira de Mello

Dalmo de Abreu Dallari

Fábio Konder Comparato

Goffredo da Silva Telles Júnior

Paulo Bonavides

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