Judiciário e governo

AGU chama novos juízes do TRF/4ª à responsabilidade

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21 de maio de 2001, 0h00

Não é só o Executivo que governa o Brasil. O Judiciário também é um poder de Estado com responsabilidade sobre o destino do país. Com esse apelo, o advogado-geral da União, Gilmar Mendes, enviou mensagem aos 49 novos juízes federais que acabam de tomar posse na jurisdição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Embora a redação da correspondência seja quase enigmática, o recado que se dá é uma reação às sucessivas derrotas impostas ao governo. “É preciso repolitizar o Judiciário”, diz o ministro.

Ao examinar os pleitos de contribuintes contra o Estado, pede Gilmar Mendes, os juízes precisam considerar o quadro e o contexto em que os atos do governo atacados foram adotados.

Segundo Mendes, a revisão judicial de uma medida deve ser pautada por critérios “eminentemente objetivos e racionalmente controláveis”, tendo em vista que as decisões tomadas pelas autoridades públicas, obviamente ainda não executadas, foram estabelecidas em condições de incertezas que podem ser superadas quando no reexame judicial, porque, nesta etapa, já foram colocadas em prática.

“Sob tais condições, parece evidente que à revisão judicial impõe-se um juízo altamente analítico e criterioso, tarefa cujo desenvolvimento ótimo será constante desafio para a prestação jurisdicional constitucionalmente adequada”.

O Poder Judiciário, disse o ministro na carta, é o co-responsável na definição das políticas públicas. “Um poder político, sobretudo aquele que revê políticas públicas e decide, será sempre co-responsável pelo adequado desenvolvimento do processo político global bem como pelo resultado tópico de suas intervenções”.

Leia, na íntegra, a carta de Gilmar Mendes enviada aos juízes.

Muito agradeceria fizesse chegar a seguinte mensagem aos magistrados que tomam posse hoje, 16 de maio, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

“Congratulo-me com os ilustres magistrados no dia de sua posse no Tribunal Federal da 4ª Região.

Gostaria de aproveitar a oportunidade para realçar o significativo incremento, sob a nova ordem constitucional, da intervenção jurisdicional na definição da forma última das políticas públicas.

Com efeito, a revisão judicial dos atos estatais evidencia a circunstância de que uma política pública somente será ultimada quando do exame integral de sua legitimidade em face do ordenamento jurídico. Ocorre, todavia (e esse é um fato amplamente reconhecido pela moderna hermenêutica jurídica), que os textos normativos, em especial a Carta Magna, ostentam plurivocidade a permitir múltiplas e igualmente legítimas interpretações.

Em um contexto democrático, a legitimação popular autoriza a autoridade pública a eleger, entre múltiplos desenvolvimentos de nosso sistema normativo, aqueles projetos de reforma e imaginação institucional tomados por mais adequados às demandas da sociedade nacional. Em assim fazendo, a autoridade pública concretiza, com particular intensidade e segundo um determinado horizonte hermenêutico, a vontade constitucional.

É fácil perceber, destarte, que a possibilidade institucional de revisão judicial dessas alternativas hermenêuticas consagradas pelas políticas públicas, embora rigorosamente legítima, não constitui tarefa singela. Assim colocada a questão, permito-me propor algumas reflexões sobre a relevância da revisão judicial de políticas públicas.

A primeira reflexão refere-se à chamada revisão judicial dos fatos e prognoses legislativos. Caso seja a jurisdição chamada a intervir no exame de consistência desses juízos legislativos, parece evidente que se impõe ao legislador a consideração do todo o complexo factual e normativo relevante para a tomada de decisão pela autoridade pública.

É igualmente imprescindível que a revisão judicial paute-se por critério eminentemente objetivos e racionalmente controláveis e tenha em vista o dado básico de que as decisões da autoridade pública, necessariamente anteriores, foram estabelecidas em condições de incerteza eventualmente superadas quando do reexame judicial. Sob tais condições, parece evidente que à revisão judicial impõe-se um juízo altamente analítico e criterioso, tarefa cujo desenvolvimento ótimo será constante desafio para a prestação jurisdicional constitucionalmente adequada.

Como segunda questão problemática, refiro-me à necessidade de que a repolitização do Judiciário – isto é,a sua reafirmação como poder político da República – não implique a pretensão de neutralizar, sob a forma da retórica jurídica, o componente político influente sobre a tomada de decisões dos demais Poderes. E evidente, destarte, e necessidade de evitar-se o risco institucional de, sob a forma estilizada do discurso jurídico, desqualificar-se a lógica da oportunidade e conveniência sob cujo influxo decidem, legitimamente, as autoridades dotadas de legitimação pelo voto popular. Esse desvio funcional – à qual já cederam os magistrados de outros países – certamente haverá de encontrar, como vem ocorrendo, pronta rejeição em nossa magistratura.

Segue-se a necessidade de que a repolitização do Judiciário e a exata compreensão do alcance e relevância de sua atuação na definição da forma última das políticas públicas seja acrescido o imperativo de co-responsabilidade da magistratura nacional pelo êxito dessas mesmas políticas públicas. Em uma palavra, um poder político, sobretudo aquele que revê políticas e decide com definitividade, será sempre co-responsável pelo adequado desenvolvimento do processo político global bem como pelo resultado tópico de suas intervenções.

Por fim, acredito que, sob um Estado Democrático de Direito, também e, sobretudo o Judiciário é chamado a desenvolver uma teoria adequada do interesse público. A teoria democrática e constitucional adequada do interesse público, quero crer, será aquela que fundar-se em (1) pretensões universalizáveis e (2) publicamente justificáveis. Haverá de ser esse, espero, o marco futuro do desenvolvimento de nossa compreensão do interesse público.

Desejo felicitar a cada um dos empossados e desejar-lhes exitosa carreira”.

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