Reação ao Plano

Saem as primeiras decisões judiciais contra programa de racionamento

Autor

21 de maio de 2001, 0h00

O Plano de Racionamento de energia elétrica do governo começou a fazer água nesta segunda-feira. Duas decisões, uma no Rio de Janeiro e outra em Brasília anularam medidas adotadas na semana passada.

No Rio, o juiz da 8ª Vara de Falências e Concordatas, Alexander dos Santos Macedo, determinou que a Light e a Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro (Cerj) estão impedidas de cobrar sobretaxa nas contas de luz.

O pedido, uma Ação Civil Pública de caráter coletivo foi feito pelo Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci) e poderá beneficiar toda a população do Rio de Janeiro.

Em Brasília, a 7ª Vara da Fazenda Pública deferiu pedido, em benefício de uma empresa locadora de painéis e out doors do Distrito Federal, a Look Papéis Ltda., que teve a iluminação de seus espaços de propaganda desligada pela Companhia de Eletricidade de Brasília (CEB).

Pela decisão adotada no Rio de Janeiro, o juiz entendeu que “a energia elétrica, considerada essencial pela lei, é um produto de consumo elástico e de vital importância para todos os consumidores, tanto assim que a Lei 8.078/90 (do Código de Defesa do Consumidor), pelo seu artigo 22, dispõe que os orgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”

Macedo considerou demonstrado pelo requerente que “a sobretarifação, pretende impor uma divisão de responsabilidades geradora de incomensurável injustiça social, pondo em perigo a manutenção do orçamento de cada família consumidora, além de outros aspectos nocivos à coletividade”.

Para o juiz fluminense, a liminar impôs-se para evitar “dano irreparável ou de difícil reparação” o que o levou a impedir a cobrança. Segundo os autores da ação, a decisão judicial, por se tratar de ação civil coletiva, vale para todo o Estado. No ação, o Ibraci pediu que o juiz estabelecesse multa de um salário-mínimo diário por “cobrança abusivamente efetuada”.

Em Brasília, a liminar no pedido de Medida Cautelar Inominada foi concedida pelo juiz João Egmont Leôncio Lopes em favor da Look Papéis Ltda. A decisão determina que a iluminação dos painéis publicitários seja restaurada no horário compreendido entre as 18h e 0h, o que estava impedido desde a última quinta-feira, dia 17. Em caso de desobediência arbitrou-se uma multa de R$ 10 mil por dia.

O juiz considerou que, sendo a atividade básica da empresa o comércio de espaços publicitários, da qual dependem “dezenas de postos de trabalho”, o cerceamento equivaleria a impedir a atividade empresarial, o que é vedado pela Constituição.

Pela Resolução nº 1 da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (o ministério do apagão) é vedado o “fornecimento de energia para fins ornamentais e de propaganda tais como monumentos, chafarizes, out doors, fachadas de prédio da Administração Pública Federal”.

Leia a decisão da 7ª Vara da Fazenda do DF

Processo nº : 2001.01.1.049.142-2

Vistos os autos.

1. Trata-se de Medida Cautelar Inominada, com pedido de liminar inaudita altera pars, aforada por Look Papéis Ltda. contra a Companhia de Eletricidade de Brasília – CEB objetivando, a Requerente, liminar para determinar à Requerida que ” forneça eletricidade à autora, religando a energia de seus painéis que sofreram corte a partir do último dia 17/05, no período compreendido das 18:00 às 00:00 horas, ficando a última obrigada a instalar os sensores pertinentes para desligamento à determinação, deverá ser aplicada pena pecuniária de R$ 10.000,00, contra a ré, por dia de atraso no cumprimento da determinação, além das demais sanções cabíveis.” ( sic fl. 09). Juntou o instrumento de mandato de fl. 10 e os documentos de fls. 11/360.

1.1 Em apertada síntese, alega, a Requerente que é uma empresa regularmente constituída para atuar no ramo de propaganda, notadamente locação de espaços publicitários, gerando dezenas de postos de trabalho, “tendo sido honrada nos últimos dois anos com condecoração recebida do Secretário de Fazenda do Distrito Federal por figurar entre as maiores empresas no recolhimento de ISS no Distrito Federal,..” ( sic fls. 02/03).

Que a maior fonte de receita da Requerente provém da locação de espaços publicitários em outdoors que necessitam de iluminação artificial, tendo a Requerida como fornecedora de energia elétrica. Que diante do racionamento amplamente noticiado por todos os meios de comunicação, a Requerente está enquadrada na categoria de comercial, devendo, portanto, reduzir o seu consumo em até 20% (vinte por cento); ocorre, ainda segundo a Requerente, que nos painéis não há medição de energia elétrica, razão pela qual a Requerente procurou a Requerida propondo uma solução e como resposta ouviu, a Requerente, dos técnicos da Requerida de que todos os painéis devem ser desligados, “o quem vem ocorrendo desde do último dia 17/05 – quinta-feira, sendo que presentemente quase a totalidade já está sem iluminação, apesar de não haver fatura em atraso.” ( sic fl. 04). Diz do direito que entende deva ser aplicado.

2. POSTO ISSO. O processo cautelar é o instrumento que o Estado coloca à disposição dos jurisdicionados para satisfazer a uma pretensão de natureza urgente, proferindo-se, provisoriamente, uma decisão, até sobrevenha uma decisão definitiva. Com isto, ou seja, através da tutela cautelar, objetiva-se o afastamento de um dano que pode ser de difícil ou até mesmo de impossível reparação, ao titular desta pretensão cautelar.

2.1 Por outro lado, não basta a eminência de se experimentar um dano ou prejuízo; há necessidade, também, de que o Requerente da medida demonstre a plausibilidade de seu direito. Vale dizer: necessário que quem requer a prestação jurisdicional cautelar demonstre a probabilidade de que o seu direito invocado venha a ser sufragado pelo Poder Judiciário.

3. Na hipótese em testilha, como é público e notório, diante do amplamente divulgado através de todos os meios de comunicação, o Governo Federal editou Medida Provisória com o objetivo de propor e implementar medidas de natureza emergencial para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, para prevenir-se dos riscos de “apagões”, tendo em vista a impossibilidade de atender-se ao consumo, pelos mais diversos motivos, que aqui não vem ao caso.

3.1 O certo é que faz parte deste pacote de medidas a suspensão e a redução no fornecimento de energia elétrica.

4. De efeito. Mutatis mutandis, a empresa distribuidora relaciona-se contratualmente com o consumidor. Outrossim, “3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5. Omissis. 6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 8. Recurso improvido.” (in Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, Relator Ministro José Delgado, ROMS 8915/MA, DJ17/08/1998 PG: 00023 ).

5. Ora. A suspensão ou interrupção no fornecimento de energia elétrica da Requerente, ou de quem quer que seja, não encontra amparo legal.

Trata-se de um serviço essencial, logo, não poderá haver solução de continuidade na prestação deste serviço.

5.1 Se o caso, e em nome do interesse público, que se reduza o consumo. Aliás, todos devemos contribuir na redução do consumo para que não haja necessidade de racionamento. Porém, afigura-se-me injusto e discricionário, como sói ocorrer no caso dos autos, que ser suspenda o fornecimento de energia de uma empresa regularmente constituída e que se propõe a, em colaboração com o plano de economia de energia, diminuir em 50 % (cinqüenta por cento) o tempo de utilização da energia elétrica.

5.2 Não podemos olvidar, ainda, que a ordem econômica insculpida na Lei Maior funda-se na valorização do trabalho e na livre iniciativa;

ora, a suspensão de energia elétrica, no caso dos autos, poderá constituir-se num obstáculo à livre iniciativa, na medida em que a priva do consumo de um bem essencial às suas atividades.

5.2.1 E mais: esta livre iniciativa é estimulada pelo próprio Estado que conferiu, à Requerente, certificado de inclusão entre os maiores contribuintes do ISS do Distrito Federal ( fl. 23 ).

Defiro a liminar; por conseguinte, determino à Companhia de Eletricidade de Brasília – CEB -, que forneça eletricidade à Requerente, religando a energia de seus painéis que sofreram corte a partir do último dia 17/05, no período compreendido das 18:00 às 00:00 horas, ficando a última obrigada a instalar os sensores pertinentes para desligamento à determinação, sob pena de multa pecuniária de R$ 10.000,00, por dia de atraso no cumprimento da determinação, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Publique-se; cite-se; intimem-se.

Brasília, 21 de maio de 2001

JOÃO EGMONT LEÔNCIO LOPES

Juiz de Direito

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!