Avaliação de dano

Advogado discute valor de indenização por assédio sexual após nova lei

Autor

  • Ernesto Lippmann

    é advogado em São Paulo pós-graduado pela Universidade de São Paulo e especializado em Direto médico e responsabilidade civil. Além disso é membro da comissão de bioética da OAB-SP foi assessor jurídico do CREMESP e autor do livro “Testamento vital o direito à dignidade”.

20 de maio de 2001, 0h00

Finalmente, o assédio sexual passa a ser crime. O abuso de poder, transformando a arte de sedução em chantagem, faz com que a vítima deste tipo de violência muitas vezes se sinta amordaçada. O não saber o que fazer, ou a quem recorrer, muitas vezes leva a um sentimento de impotência profunda, terreno fértil para o desespero e para a depressão. Finalmente, torna-se possível denunciar este abuso, e a lei torna definitiva a possibilidade de requerer uma indenização pelo dano sofrido, fazendo com que o trabalhador atingido em sua dignidade tenha uma compensação.

Este artigo pretende mostrar o que é o assédio sexual, como este ocorre dentro das relações de trabalho, como punir quem o pratica, e em que casos e com quanto se deve indenizar pelo dano moral de quem o sofre. Ensinamos, ainda, quais os danos passíveis de indenização, e como requerê-la nos Tribunais. Discutimos os elementos de prova que devem ser utilizados, e quais os outros valores que podem ser cobrados a título de danos materiais; como a rescisão indireta do contrato de trabalho. E, de maneira inédita, discutimos a reparação das demais formas de prejuízo geradas pela discriminação, especialmente a injustiça na avaliação do desempenho do empregado, que leva ao pagamento dos critérios variáveis de remuneração, como bônus, prêmios, promoções e outras vantagens, caso o chefe que tenha seu assédio rejeitado prejudique o subordinado que recusa a cantada indevida.

O assédio sexual passa a ser previsto no artigo 216 A do Código Penal, que estabelece: “Constranger alguém com intuito de levar vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua forma de superior hierárquico, ou ascendência inerentes a exercício de emprego, cargo ou função: Pena: detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos.”

Embora a lei fale em “emprego” e “cargo”, entendo que, ao falar em função, ela não exclui de sua proteção os prestadores de serviço, pois estes exercem funções dentro da empresa, e detêm forte dependência econômica em relação ao tomador de seus serviços.

Dificilmente alguém será preso, pois embora haja a previsão para a pena de privação de liberdade, o artigo 44 do Código Penal determina que desde que não haja violência ou grave ameaça à pessoa, a cadeia poderá ser substituída pelas chamadas penas alternativas: prestação de serviços à comunidade, doações de cestas básicas a instituições de caridade etc.

O tipo penal admite apenas a forma dolosa, ou seja, exige a intenção de ofender, mediante atos ou convites indecorosos, e que haja superioridade hierárquica, ou de dependência econômica de quem pratica o assédio.

Formas dúbias, que poderiam caracterizar a forma culposa, como piscadas, olhares insinuantes e meros galanteios sem conotação abertamente sexual, do tipo “você está bonita hoje”, não constituem tipos previstos pela lei para sujeitar alguém a um processo penal, embora possam ter implicações na esfera trabalhista, pois, como veremos a seguir, há atitudes que não chegam a justificar uma reprimenda penal, mas podem ter graves implicações no contrato de trabalho.

A punição criminal somente poderá ser efetuada nos casos ocorridos após a publicação da lei, em face do princípio da anterioridade previsto no artigo 5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal.

O dano moral decorrente do assédio, porém, é indenizável para os casos ocorridos antes da promulgação da lei. O mesmo ocorre com suas implicações no contrato de trabalho. Estas são a justa causa para quem o pratica, a possibilidade da rescisão indireta para quem sofre a proposta indesejada, já havendo precedentes neste sentido, que serão discutidos adiante.

Conceito básico que será usado neste artigo, assediante é aquele que pratica o assedio sexual, e assediado é aquele que o sofre.

O que caracteriza o assédio sexual é o pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico, com promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação e/ou de ameaças, ou atitudes concretas de represálias no caso de recusa, como a perda do emprego, ou de benefícios. É necessário que haja uma ameaça concreta de perda do emprego, de promoções, de transferência indevida. É caracterizado pela insistência e inoportunidade. É a cantada desfigurada pelo abuso de poder, que ofende a honra e a dignidade do assediado.

Fundamental para que seja caracterizado é a superioridade hierárquica do assediante, que pode ser o chefe, ou sócio da empresa. É necessário que o assediante tenha poderes para influenciar na carreira, ou nas condições de trabalho do assediado, que passa a ser ameaçado com a dispensa, transferência, perda de oportunidade de promoções, de referências etc.

O assédio pode ser praticado também contra quem presta serviços sem carteira assinada, caso em que inclusive o assediado está mais vulnerável, pois basta que haja uma avançada não correspondida para que ele simplesmente deixe de ser convocado para prestar serviços.


A forma praticada normalmente é um convite efetuado de maneira persistente. Mas o assédio também pode ser proveniente de comentários ousados sobre a beleza, ou ter aspectos físicos como toques indesejados, abraços prolongados. Também se caracteriza por atos inadequados ao ambiente de trabalho, como a exposição de fotos pornográficas, a solicitação claramente sexual, as conversas repetidas que girem sobre temas eróticos, perguntas embaraçosas sobre a vida pessoal do subordinado, com conotação sexista. São portanto, todos os atos que se traduzam em molestamento para o assediado.

O alvo da conduta é propiciar uma vantagem, ou mostrar uma desvantagem em função da aceitação ou não de uma proposta sexual. Tem como característica a vontade de impor desejos a partir de uma superioridade econômica, que leva a uma fragilidade da vítima.

Enfim, o assédio se caracteriza por ter conotação sexual, pela falta de receptividade, por uma ameaça concreta contra o empregado, e “que seja repetitiva em se tratando de assédio verbal e não necessariamente quando o assédio é físico – a chamada apalpadela no bumbum, entre pessoas que não dividem intimidade e com intenção sexual, é suficiente para configurar o assédio sexual, sem necessidade de repetição -, de sorte a causar um ambiente desagradável no trabalho, colocando em risco o próprio emprego, além de atentar contra a integridade e dignidade da pessoa, possibilitando pedido de indenização por danos físicos e morais”. (Paulo Viana de Albuquerque Jucá O Assédio sexual como justa causa típica in LTR 61-02-175).

Por outro lado, a mera paquera, ou seja, a tentativa de aproximação para relacionamento amoroso, ou mesmo sexual, não constitui assédio sexual, mas esta é uma diferença que será aprofundada adiante.

Para resumir, podemos dizer que há três elementos que separam a paquera, ou cantada, do assédio: a chatice, a insistência e o uso do poder como forma de coerção.

Sim, porque se a proposta é livremente aceita, e o assediado se envolve emocionalmente, não há lei que puna o amor legítimo ocorrido no ambiente de trabalho.

Assim,”a simples intenção sexual, o intuito de sedução do companheiro de trabalho, superior, ou inferior hierárquico, não constitui assédio. É o caso de um inofensivo galanteio, de um elogio, ou mesmo namoro entre colegas de serviço, desde que não haja utilização do posto ocupado, como instrumento de facilitação”. (Andrade, Dárcio Guimarães de – Assédio sexual no trabalho: RJTE 172/35.) Completa este pensamento o Prof. Carlos Robortella, “a simples intenção sexual, o instinto de sedução do companheiro de trabalho, superior ou inferior hierárquico, não constitui assédio sexual. Necessária será sempre a intenção de traficar, de valer-se do posto funcional como um atrativo, ou como instrumento de extorsão de privilégio, ou de vantagens indevidas”. (Assédio sexual e dano moral nas relações de trabalho, Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho, p. 158).

A proposta feita sem insistência, e sem ameaça, também não, assim como meros elogios, ou galanteios com comentários normais do tipo “gostei do seu vestido” tampouco tipificam o assédio. Similarmente piadas e comentários sexuais, se feitos em grupo, também não constituem assédio. Podem ser de mau-gosto, mas não constituem fato juridicamente relevante para justificar o pagamento de uma indenização, ou o rompimento de um contrato de trabalho.

A insistência, que faz supor a falta de aceitação, traduz-se num comportamento inoportuno se os níveis hierárquicos forem iguais, podendo se caracterizar, eventualmente, como incontinência de conduta, a justificar pronta correção por parte do chefe, mas não consiste em assédio sexual.

A conduta inconveniente numa festa de trabalho, onde um colega ou chefe, após algumas doses a mais, faz comentários de duplo sentido e lança olhares sedutores, também não constitui assédio, salvo se houver alguma ameaça, e ela for concretizada mais tarde.

Tampouco constitui assédio o sexo forçado, mediante violência física. Isto tipifica o abuso sexual, conduta muito mais grave. Conforme o caso, pode se caracterizar o estupro, ou atentado violento ao pudor, previstos nos artigos 213 e 216 do Código Penal. A situação que envolva força física, ou desrespeito ao pudor do empregado, é matéria reservada às acusações criminais graves, aos chamados crimes hediondos. Se ocorrerem no ambiente de trabalho, por empregado, preposto, ou por falha de vigilância da empresa, demandarão conseqüências muito mais graves do que o mero inoportunamento, e justificam indenizações em valores muito superiores do que as decorrentes do assédio.

Não resta dúvida que o assédio é figura predominantemente masculina. Mas, pode também ser praticado por uma mulher, ou acontecer entre pessoas do mesmo sexo. Neste caso, sendo o assediante homossexual, e o assediado não, o assédio pode se dizer presumido. Mas, ainda que assediante e assediado sejam homossexuais, isso não impede a caracterização do assédio, pois nele o que se discute é o fato da investida não ser desejada, e caracterizar chantagem e abuso de poder.


O assédio pode também eventualmente ser feito por um cliente, ou alguém que detenha poder econômico para a empresa, e que insinue, ou exija que uma venda, ou qualquer outro negócio que traga proveito para a empresa, seja condicionada à aceitação de uma proposta sexual.

Neste caso, compete à empresa providenciar para que o assediado seja transferido para uma função, ou posto no qual não seja obrigado a ter contato com o assediante, sem a perda de qualquer vantagem inerente à relação de emprego (salário, comissões etc.). Caso isso não seja possível, caracteriza-se a possibilidade do empregado solicitar a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Em casos extremos, como o hóspede de um hotel que se mostra inconveniente com os empregados, cabe ao empregador, como responsável pelo bom ambiente de trabalho, “convidar” o cliente a se retirar do estabelecimento, para que não se caracterize uma situação de assédio sexual vexatória.

O assédio pode ser praticado no exercício profissional, contra um cliente da empresa, caso dos médicos, professores, dentistas, advogados, sacerdotes, psicólogos, analistas e outras profissões nas quais o sigilo e a confiança depositada no profissional sejam relevantes no exercício da função.

Todo aquele que se aproveite da proximidade física ou espiritual propiciada pela função, cargo ou emprego que exerça, pode, em princípio, praticar o assédio sexual. A ligação próxima propicia a facilidade do assédio, seja pelo fato de que em muitas profissões (sacerdote, psicólogo, médico etc.) o assediante sabe de fatos comprometedores e íntimos da vida do assediado, que lhe permitem aumentar consideravelmente a eficiência de seu poder de chantagem, seja porque em outras – como na de professor – há uma hierarquia rígida, e o assediado é consideravelmente mais jovem e mais inexperiente, o que é um agravante na conduta.

O que caracteriza o assédio praticado com o uso da profissão é que ele decorra da função. Exemplo interessante foi a notícia envolvendo um professor que colocou como condição para a aprovação de algumas alunas que elas o acompanhassem a um motel.

É importante destacar que há casos em que a conduta transcende o aspecto do assédio, como por exemplo no caso do médico que desrespeita o pudor de paciente sob seus cuidados, utilizando-se da nudez propiciada por exames para fins libidinosos, hipótese na qual estará presente outro crime como o atentado violento ao pudor, ou mediante fraude.

Quem pratica o assédio pode ser dispensado por justa causa! Em termos trabalhistas, não há nenhuma novidade na vedação do uso do emprego como forma de obter favorecimento sexual de subordinados. O empregado que pratica o assédio sexual está caracterizado na incontinência de conduta prevista nos artigo 482, incisos “a” e “b”, da CLT. É evidente que o chefe deve respeitar o pudor de seus subordinados. Ao praticar ato previsto em lei como crime, também incide em ato de improbidade.

As implicações trabalhistas das ocorrências de assédio valem para qualquer caso, mesmo aqueles ocorridos antes da entrada em vigor da lei, como nos julgados que seguem:

“Assédio sexual. Tipificação como incontinência de conduta. Requisitos. O assédio grosseiro, rude e desrespeitoso, concretizado em palavras ou gestos agressivos, já fere a civilidade mínima que o homem deve à mulher, principalmente em ambientes sociais de dinâmica rotineira e obrigatória. É que nesses ambientes (trabalho, clube etc.), o constrangimento moral provocado é maior, por não poder a vítima desvencilhar-se definitivamente do agressor” (TRT 3ª Região, RO n. 2.211/94, Rel. Juiz Maurício Godinho Delgado, in Rep. IOB de Jurisprudência 1994, 1/8887).

“Constitui justa causa o assédio entre colegas de trabalho, quando a um deles causa constrangimento, é repelido, descambando o outro para a vulgaridade e ameaças, em típica má conduta”. (TRT 5ª Reg., in LTR 57-3-318).

Não há dúvida de que a prática do assédio constitui motivo legítimo para a dispensa do assediante. Este, ao agir assim, rompe a confiança inerente ao contrato de trabalho. Mostra também desrespeito aos subordinados. É certo também que este ato caracteriza a incontinência de conduta, e um mau procedimento incompatível com o ambiente de trabalho.

Já quem é assediado tem direito a transferência para posto onde não fique sob as ordens do assediante, após informar o fato ao responsável pelo Departamento de Pessoal, mediante comunicação por escrito, ou por e-mail. Isto deve ocorrer de modo que não caracterize prejuízo ao empregado, como a transferência de setor, de horário, de filial etc.

Se esta não for possível, ou se a empresa não tomar nenhuma atitude, opera-se a rescisão indireta do contrato de trabalho, aplicando-se o disposto no artigo 483, incisos “b” e “e”, da CLT, pois não resta dúvida que o assédio não contido pelo empregador tipifica ato lesivo aos direitos de personalidade do empregado, levando a que o empregado se recuse à continuidade da prestação de serviços no estabelecimento.


Comprovar que houve o assédio, e os atos que o seguem, é sempre uma tarefa difícil, especialmente quando o assunto é tratado sob o manto de silêncio dentro da empresa. A situação mais comum é que, após o assédio ser rejeitado, sejam tomadas medidas de retaliação contra o assediado. O assediante passa a ter a atitudes que humilhem e/ou prejudiquem o assediado, como colocá-lo de escanteio, fazer críticas constantes e em público, discriminação na hora do pagamento de prêmios ou bônus, além do próprio comportamento do assediado, que passa a, visivelmente, evitar situações que o coloquem a sós com o assediante, isso sem falarmos na própria dispensa e recusa do fornecimento de referência, ainda que a dispensa se dê sem justa causa.

Há também outros indícios importantes como:

· a ameaça ou a efetiva transferência para área de menor destaque;

· avaliação efetuada de forma negativa quanto ao profissional;

· o chefe pedir ao profissional que realize uma tarefa sem importância;

· advertências em público, de forma humilhante;

· piadas de mau-gosto enfatizando erros do assediado.

Estas atitudes arbitrárias do assediante têm por objetivo levar o assediado a se sentir humilhado, e muitas vezes são acompanhadas da sugestão de um pedido de demissão do assediado.

Geralmente o assédio ocorre a portas fechadas. Porém, para que o assediante seja punido, e o assediado indenizado, as provocações devem ser claramente demonstradas. Assim, não basta a mera alegação do assediado. A alegação deve ser confirmada pelos meios de prova habitualmente aceitos em Juízo. Seguramente, os melhores meios são a gravação de conversas, ainda que por meio de gravador oculto, nos quais se comprove a prática de reiterados e ofensivos convites à dignidade do trabalhador. Cartas, bilhetes e e-mails, também são aceitáveis.

Na ausência de qualquer prova documental, cabe a prova testemunhal, ocasião em que deverá ser avaliado o comportamento do assediante, especialmente com relação aos outros funcionários, se havia um histórico de queixas anteriores, quais foram as atitudes tomadas pela empresa etc.

Quanto a indenização pelos danos morais e materiais, é pacifico que, desde a Constituição de 1988, o dano moral passa a ser indenizável, e que a empresa deve estar comprometida com a integridade física e mental de seus funcionários, devendo propiciar um ambiente de trabalho sadio, impondo regras que punam severamente o assédio e a discriminação, protegendo o empregado de situações embaraçosas e de insinuações sexuais.

Assim, caso o empregado seja discriminado, com o uso de palavras sexuais hostis, humilhantes, aproximações corporais indesejadas e ofensivas, essa invasão à sua privacidade caracteriza dano moral indenizável, pois o assediado se sente ferido em seu decoro. Sua imagem fica denegrida perante os colegas. E há sempre os apelidos jocosos e comentários maldosos dos colegas de trabalho, que geram um natural constrangimento.

A humilhante mordaça hierárquica gera danos psíquicos, seja pela raiva não expressada, seja pela solidão do silêncio. Há sempre um saldo prejudicial de dor, mágoa, tristeza e vergonha. Estes sentimentos, misturados com o não saber o que fazer, ou a quem recorrer, levam a uma sensação de impotência profunda, terreno fértil para o desespero e a depressão.

Se há uma vinculação entre estes fatos, e a relação de emprego, ou a prestação de serviços, há um dano moral indenizável pelo empregador.

Assim, a prática do assédio sexual contra o funcionário leva ao reconhecimento do dano moral. Mesmo antes da Lei 10.224 há julgado que afirma: “Demonstrada a conduta de conotação sexual não desejada, praticada pelo chefe, de forma repetida, acarretando conseqüências prejudiciais ao ambiente de trabalho da obreira e atentando contra a sua integridade física, psicológica e, sobretudo, a sua dignidade, resta caracterizado o assédio sexual, sendo devida a correspondente indenização por danos morais.” (TRT-17ª Região ES-RO 1118/97 – Rel. Juiz José Carlos Rizk, in Sintese Trabalhista 118/85), sendo também noticiada pela imprensa uma condenação de R$ 25.500 em indenizações a funcionárias que trabalhavam na coleta de maçãs, tendo a sentença sido confirmada pelo TRT da 12ª Região

A reparação do dano moral independe da comprovação de qualquer prejuízo de ordem material, e pode ser pleiteada junto com este.

Por outro lado, no cálculo do valor deve ser aplicado o critério tradicional do dano moral, ou seja, o valor suficiente para compensar o agredido dos danos sofridos e suficiente para dissuadir o agressor de nova e igual tentativa.

Sem querer definir o que é dano moral e sua reparação, o que já foi feito em inúmeros trabalhos de excelente qualidade, há dois aspectos que devem ser levados em conta para a compensação: o indenizatório e o punitivo. No indenizatório, busca-se uma compensação pelo dano sofrido pelo agredido. No punitivo, procura-se uma punição que faça com que a empresa seja atingida em seu aspecto financeiro de maneira suficientemente grave para que tenha interesse em tomar atitudes concretas para que os casos de assédio não se repitam em seu estabelecimento.


Não resta dúvida que avaliar o dano moral é tarefa complicada e sujeita a discussões intermináveis. Porém, se até aquilo que não pode ser reposto, ou seja, a indenização decorrente da perda de uma vida por acidente de trânsito, erro médico etc. vem sendo “tabelada” pelos Tribunais, que estabelecem valores que variam entre 20 a 1.000 salários mínimos, certamente é possível discutir um parâmetro para compensar os insultos, as intimidações e a humilhação demonstrados contra o assediado.

Assim, a atitude do empregador, ao tentar corrigir o problema, é relevante na fixação do dano. Por outro lado, a vítima deve provar que seu bem-estar foi seriamente afetado pelo ocorrido.

Deverão ser considerados, sob o aspecto punitivo do empregador, se houve falta de punição ao assediante, se a prática do assédio é tolerada na empresa, se são constantes os processos contra o mesmo estabelecimento ou grupo empresarial, enfim fatores que evidenciem a falta de interesse da organização com a dignidade de seus empregados. O porte da empresa também deve ser considerado, pois a indenização deve ser fixada de modo a constituir uma perda patrimonial relevante para o agente.

Aspecto interessante que pode ser utilizado pelo juiz na avaliação do aspecto compensatório do dano moral seria a sua determinação por meio de uma perícia realizada por psiquiatra, ou psicólogo, na qual se pesquisassem aspectos do sofrimento individual de cada caso, determinando-se o grau de dano psicológico, pala tensão gerada pelo episódio, a perda da auto-estima, se houve outros sintomas gerados pela tensão, como gastrites, dores de cabeça, ou na coluna, se o incidente provocou a perda ou abalos em um relacionamento estável mantido pelo assediado, se levou a um quadro de depressão, e se há necessidade de tratamento psicológico ou psiquiátrico.

Se falarmos numa indenização correspondente ao dano material, isso significa que quem foi assediado deve ter reparados os prejuízos que, comprovadamente, teve em função do assédio, como a perda do próprio posto de trabalho, o fato de ser preterido nas promoções, avaliações efetuadas de forma prejudicial etc.

A indenização deve ser pedida tanto com fundamento no artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal, que assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano moral ou material decorrente de sua violação”, quanto nos artigos 1.548 do código civil de 1916 que, prevê que ” a mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder, ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente a sua própria condição e estado: (….), se mulher honesta, for violentada, ou aterrada com ameaças”, e no art. 1.549, que dispõe: “nos demais crimes de violência sexual ou ultraje ao pudor, arbitrar-se-á judicialmente a indenização”, sendo absolutamente pacífica a possibilidade de reparação ao empregado pelo dano moral proveniente do assédio.

Como uma contribuição inicial ao debate, entendo que um parâmetro razoável seria, por analogia com as normas que regem a indenização por tempo de serviço, estabelecer-se valor equivalente a um salário – incluindo todas as vantagens do contrato de trabalho, como comissões, prêmios etc. – do empregado por ano, ou fração, de serviços prestados à empresa como caráter compensatório. Porém, penso que se o juiz entender que haja necessidade de sancionar um caráter punitivo do dano moral, deveria ser seguido o modelo estabelecido pelo artigo 225 do Código de Processo Penal para o arbitramento da fiança. Assim, o valor-base poderia ser elevado em até dez vezes, como por exemplo em casos em que, além do assédio, ficasse caracterizada ausência de medidas punitivas contra o assediante, a tolerância da empresa em situações semelhantes e, em casos extremos, o uso de força física pelo agressor. Por outro lado, em casos excepcionais, esse valor poderia ser reduzido em até 2/3, como quando o pequeno porte da empresa faça com que a indenização arbitrada possa colocar em risco a continuidade do negócio.

Ao dano moral deve ser acrescentado o dano material, sendo hoje pacífica a cumulação de ambos os institutos, em face da Súmula 37 do STJ que dispõe serem cumulativos os danos morais e materiais decorrentes do mesmo fato, sendo os fundamentos legais do pedido os arts. 159 e 160 do Código Civil. Caso o assediado tenha sido coagido a se demitir, aplica-se também o artigo 483, incisos “b” e “c”, da CLT, para caracterizar a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Questão interessante é a influência do assédio na remuneração variável. Como se sabe, cada vez mais a remuneração dos empregados, especialmente os de mais alto nível passa a ter uma parcela variável, denominada bônus, prêmio, ou participação nos resultados. Em geral, quem determina o valor a ser pago ao subordinado é o chefe, mediante critérios estabelecidos pela direção da empresa, embora, como se sabe, haja uma considerável influência do superior hierárquico na decisão. O que acontece se for comprovado que, em virtude da proposta sexual recusada, a avaliação da subordinada foi efetuada de forma desfavorável, injusta e discriminatória, levando-a a perder parte de seus rendimentos? E se for comprovado que sua carreira sofreu uma estagnação, como no caso do funcionário que vinha galgando cargos cada vez mais altos e, de repente, passa a ser preterido nas promoções? Creio que neste caso há prejuízo material claramente indenizável.

Assim, se comprovado o assédio, também devem ser reparados os prejuízos sofridos pelo assediado na avaliação de desempenho, especialmente nos casos em que ela é feita pelo chefe-assediante, ou sob grande influência deste; caso em que poderá, após comprovado o assédio, solicitar uma reavaliação judicial, ou um pedido de equiparação salarial com os paradigmas melhor avaliados, sob a alegação de que o desempenho funcional foi o mesmo, e se justificariam salários iguais, ou promoções equivalentes, mas que houve discriminação em função do assédio, pelo chefe rejeitado. Nestes casos também devem ser solicitadas as avaliações periódicas de desempenho, efetuadas pelo Departamento de Recursos Humanos, inclusive valendo-se o juiz de perícia, caso necessária, para comprovar que os funcionários com desempenhos iguais foram avaliados de forma diferente, restabelecendo-se a igualdade, por meio da equiparação salarial.

Há outros prejuízos que podem ser indenizados, como o reembolso do tratamento psiquiátrico, ou psicológico, que a vítima tenha feito para superar o trauma e a perda de auto-estima, assim como dos remédios receitados em decorrência dessas terapias,como os antidepressivos, calmantes etc… e de outros problemas médicos decorrentes da tensão, como gastrites, males da coluna etc.

Sem querer esgotar o assunto, temos aqui uma primeira contribuição para o debate, e para as controvérsias que certamente irão surgir em função da nova lei.

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