Conserto de Fusca

STJ anula condenação de ex-prefeito acusado pelo desvio de R$ 200

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8 de maio de 2001, 0h00

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou o ex-prefeito da cidade de Triunfo a três anos e meio de prisão pelo suposto desvio de R$ 200 dos cofres municipais, nesta terça-feira (8/5). O posicionamento adotado pela maioria dos ministros do órgão do STJ seguiu o voto do ministro Edson Vidigal, que havia formulado um pedido de vista sobre o caso.

O motivo da condenação do ex-prefeito Bento Gonçalves dos Santos, imposta pelo Tribunal de Justiça, foi o suposto desvio de R$ 200 dos cofres municipais. O valor teria sido utilizado para o pagamento do conserto do automóvel particular de Bento Gonçalves dos Santos, um fusca 1.300, fabricado em 1977.

Os ministros José Arnaldo da Fonseca (relator), Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini tinham dado seus votos concedendo parcialmente o habeas corpus, apenas para garantir a citação pessoal do réu sobre a decisão condenatória. Mas durante a retomada do exame do habeas-corpus, nesta terça-feira, o rumo do julgamento foi alterado. Último a votar no processo, o ministro Edson Vidigal conseguiu demonstrar, em longo voto, a ausência de justa causa para a condenação do ex-prefeito, o que resultou no trancamento da ação penal. “Em nenhum momento, desde a denúncia ao término da instrução criminal, restou patenteada sua participação, direta ou indireta, no peculato no qual foi condenado”, afirmou o ministro Edson Vidigal.

Diante de tal constatação, os ministros Gilson Dipp e Felix Fischer, que já haviam se manifestado em sessão plenária anterior, resolveram reformular seus votos e acompanhar o ministro Edson Vidigal. Já os ministros José Arnaldo da Fonseca e Jorge Scartezzini alteraram seus posicionamentos iniciais em menor extensão, apenas para afastar o trânsito em julgado da condenação para que o ex-prefeito aguardasse em liberdade o julgamento de um eventual recurso. Essa última possibilidade, contudo, ficou afastada, uma vez que a decisão condenatória, que também impôs o afastamento de Bento dos Santos do cargo e sua inabilitação política por cinco anos, foi suspensa pela maioria dos ministros da Quinta Turma do STJ.

Veja o voto do ministro Edison Vidigal

Superior Tribunal de Justiça

HC Nº 12881 RS VOTO (VISTA) – fls. 34

RIO GRANDE DO SUL (2000/0034513-0) RELATOR: MIN. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA

IMPTE: PLINIO DE OLIVEIRA CORREA IMPDO: QUARTA CAMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PACTE: BENTO GONÇALVES DOS SANTOS

VOTO (VISTA) EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL

Senhor Presidente, o Prefeito Municipal de Triunfo-RS, Bento Gonçalves dos Santos, 61 anos, aposentado, teve seu nome aprovado pela Convenção do PPB/Partido Progressista Brasileiro para as eleições do ano passado, mas acabou fora do páreo por conta de uma acusação que lhe custou a perda do cargo, a suspensão dos direitos políticos por cinco anos, mais três anos e meio de cadeia. Em sua administração, na Prefeitura, teria desviado R$ 200,00 (duzentos reais) para o conserto de seu automóvel particular, um “fusca” 1.300, ano de fabricação 1977, placa RK-1306. Bento Gonçalves dos Santos, que governou o Município por três mandatos, está preso por essa acusação.

Após o voto do Ministro José Arnaldo, digníssimo Relator, concedendo parcialmente a ordem “tão-somente para anular o trânsito em julgado do acórdão condenatório para que dele seja intimado pessoalmente o réu”, no que foi acompanhado pelos ilustres Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini, pedi vista. Os fatos, segundo a denúncia do Ministério Público estadual, não tem data precisa, teriam acontecido entre 16 de agosto de 1989, data da emissão da nota fiscal do conserto do “fusca” do Prefeito e 8 de março de 1991, portanto quase dois anos depois, quando teria sid o feito o pagamento, na cidade próxima de S. Jerônimo-RS, onde fica a oficina autorizada da Volkswagen. A diligência do Ministério Público e a eficiência dos Juízes do caso consagraram o entendimento de que, não obstante a imprecisão e a falta de provas efetivamente conclusivas quanto a autoria, o Prefeito acusado “prevalecendo-se da função, desviou, em proveito próprio, rendas públicas do Município” no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) para pagar o conserto do seu “fusca” ? 77.

O que se aponta como prova da autoria é o vai e vem de Notas Fiscais da concessionária Volkswagen, inicialmente contra a Prefeitura, onde foi recusado o pagamento e depois contra a Câmara Municipal, que também teria mandado para conserto, à mesma época, na mesma oficina, o automóvel oficial da edilidade, um “Santana Quantum”. Foi o que restou provado. Na sala de audiências da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, presentes os representantes da acusação e da defesa, o Desembargador Vladimir Giacomuzzi, digníssimo Relator do caso, foi perguntando e o acusado, Bento Gonçalves dos Santos, Prefeito de Triunfo-RS, respondendo:


Desembargador-Relator: Por ocasião da resposta escrita, o Senhor disse que não mandou consertar esse automóvel, arrumar esse automóvel nessa empresa Volkswagen Auto S. Jerônimo, concessionária Volkswagen São Jerônimo. O senhor mandou fazer esse serviço?

Acusado: Não.

Des. Rel.: Pois bem. No entanto, existe essa acusação. A que o senhor atribui essa acusação? Qual a razão pela qual estariam lhe acusando de ter procedido dessa maneira?

Acusado: Esse automóvel eu me desfiz dele logo após a campanha, mas não transferi para o novo proprietário em seguida. Isso aconteceu talvez um ano ou dois anos depois, quando ele pediu a documentação. Não sei se o automóvel esteve na Auto S. Jerônimo ou não esteve; eu não tenho conhecimento disso. E se esteve, já não me pertencia mais, de fato. Poderia pertencer de direito porque os documentos ainda estavam no meu nome. Mas eu desconhecia esse episódio da reforma por conta do Município. Isso não é praxe no nosso Município. Nós que estamos no terceiro mandato não usamos o dinheiro público em proveito próprio… E se fosse, nessa hipótese de usar o dinheiro público, não seria com uma mixaria de uma reforma de uma Volkswagen antigo que eu iria manchar o meu nome.

Des. Rel.: O senhor havia vendido esse automóvel?

Acusado: Sim, eu vendi. Des. Rel.: Está lembrado para quem? Acusado: Homero Viana, se não me falha a memória. Não sei se é o nome todo da pessoa.

Des. Rel.: E esse cidadão é que teria, então, feito o conserto do automóvel?

Acusado: É, ele deve ter mandado consertar. Quando terminou a campanha o carro não estava em bom estado.

Des.Rel.: Sim. Homero da Silva Viana. Era seu conhecido o “seu” Homero?

Acusado: É, eu conheço ele. Des. Rel.: Ele ainda reside lá? Acusado: Reside em Triunfo. É um homem de idade, aproximadamente 74, 75 anos.

Des. Rel.: Ele era estancieiro ou funcionário?

Acusado: Não, ele é aposentado. Eu não sei se pela previdência privada ou funcionário público. Ele trabalhou na Prefeitura de Porto Alegre (Capital) muitos anos, depois ele foi embora para Triunfo. A família dele é de lá, de Triunfo.

Des. Rel.: Esse Homero é um cidadão correto?

Acusado: É. É de bom conceito.

Des. Rel.: E o “seu” Rogê Carvalho Goulart, o Senhor conhece?

Acusado: Conheço. Acho que ele é da diretoria da Volkswagen, senão o proprietário.

Des. Rel.: Ele também é um cidadão de bem? Tem bom conceito?

Acusado: Goza de bom conceito.

Des. Rel.: Ele tem ou teria alguma dificuldade política com o Senhor?

Acusado: Não. Ele não. Talvez um funcionário dele, sim; que é de Triunfo e é nosso adversário político. Eu acho até que trabalhava na contabilidade. Eu não recordo o nome dele.

Des. Rel.: E este a quem o Senhor está se referindo e que não recorda o nome, que trabalhava na contabilidade, ele teria alguma coisa a ver com esse episódio, aqui?

Acusado: Não. Com esse episódio propriamente, não. Mas em triunfo a política é muito acirrada e ele é, se não me falha a memória, cunhado do ex Vice-Prefeito, do PMDB.

Des. Rel.: José Valmir dos Reis Martins, esse o Senhor conhece?

Acusado: conheço. Des. Rel.: É seu correligionário?

Acusado: É. Correligionário.

Des. Rel.: É ainda hoje?

Acusado: Ainda hoje.

Des. Rel.: José Airton Helers?

Acusado: Esse é hoje meu adversário ferrenho. É o Presidente da Câmara dos Vereadores.

Des. Rel.: À época, não?

Acusado: na época, não.

Des. Rel.: Mas hoje é adversário político?

Acusado: Adversário político.

Des. Rel.: O “seu” José Helers é um homem de conceito?

Acusado: É. Ele é o Presidente do Legislativo. Foi o vereador mais votado do PPB e depois mudou de partido.

Des. Rel.: Vítor Eugênio Viacava, técnico em contabilidade.

Acusado: Conheço.

Des. Rel.: Seria esse?

Acusado: Não. Não é esse.

Des. Rel.: Conhece ele?

Acusado: Conheço.

Des. Rel.: É cidadão de bem?

Acusado: O conceito dele é duvidoso. Eu diria que do meu adversário… é um conceito muito bom. Mas esse cidadão, eu acho que é até meu companheiro, é duvidoso o conceito.

Des. Rel.: Severo Leites da Silva é o fiscal de Tributos estaduais. Acusado: Conheço. Des. Rel.: É de bom conceito?

Acusado: Ótimo conceito. Filho da região de São Jeronimo é fiscal da circunscrição de São Jerônimo. Fiscal do ICM.

Des. Rel.: Ainda está lá?

Acusado: Ainda está lá.

Des. Rel.: E Valdomiro Marques da Silva?

Acusado: Conheço. É Vereador do meu partido, em Triunfo. Quarto mandato.

Des. Rel: “Seu” Bento, quando essa empresa, a concessionária Volkswagen – Auto São Jerônimo, foi cobrar essa importância pelo conserto nesse veículo, o senhor tomou conhecimento disso?


Acusado: Não. Nunca me procuraram.

Des. Rel.: Quando o senhor tomou conhecimento Desses fatos?

Acusado: Quando apareceu a denúncia… isso foi uma denúncia feita por um ex-concorrente meu a Prefeito, à época, Alfo Lima de Souza, ex-Vereador, que era oficial de gabinete de Glenio Scherer e hoje é o seu chefe de gabinete no Tribunal de Contas do Estado.

Des. Rel.: Esse cidadão apresentou uma representação para o Ministério Público?

Acusado: Ou no Ministério Público ou na Delegacia. Acho que foi na Delegacia de Polícia. Eu já fui ouvido na Polícia uma vez.

Des. Rel.: E nessa oportunidade, até então, já estava resolvido o problema?

Acusado: Sim. Eu até pensei que isso não existisse mais.

Des. Rel.: Disse também aqui o seu advogado, na resposta escrita, que a Câmara Municipal à época tinha um automóvel com placas muito parecidas, semelhantes com a do seu Volkswagen.

Acusado: É possível. Eu não tenho como…

Des. Rel.: O senhor não sabe desse fato?

Acusado: Não posso afirmar. Foi falado isso mas eu não posso afirmar com precisão qual era a placa do automóvel da Câmara.

Des. Rel.: Não com relação à placa mas com relação ao veículo, se a Câmara Municipal mandou fazer um conserto nessa mesma…

Acusado: Eu desconheço.

Des. Rel.: Esse episódio o senhor não conhece?

Acusado: Não conheço.

Des. Rel.: Pessoalmente, o senhor não conhece?

Acusado: Eu nunca intervim nos assuntos da Câmara.

Des. Rel.: Nem o Presidente lhe falou depois sobre isso? Que estavam dizendo que teriam pago um conserto no seu automóvel?

Acusado: Não. Também não.Inclusive eu pedi para olhar na Secretaria de Finanças e não apareceu esse documento na Secretaria de Finanças do Município.

Des. Rel.: Do Município?

Acusado: É. Da Câmara, eu não posso afirmar. (Fls.78/85)

E nada mais disse nem lhe foi perguntado. O que se imagina aqui é, de um lado, um interrogador firme e sereno, fiel aos ritos procedimentais, às formalidades daquele momento processual. De outro lado, um acusado tranquilo, seguro, sem titubeios, respondendo tudo, na maior boa-fé. Nenhuma dúvida, nenhuma contradição, nenhuma confissão. Mais que isso, processualmente, impossível. Talvez no processo das formigas.

O processo das formigas é noticiado pelo padre Bernardes em seu livro “Nova Floresta”, publicado em Portugal na segunda metade do século XVII. O bispo D. João de S. José, em seu livro “Viagem e visita ao sertão em o bispado do Grão Pará em 1762 e 1763″, nega que isso tivesse acontecido no Maranhão. Há, no entanto, depoimento conclusivo de João Lisboa de que houve mesmo, no Convento de Santo Antonio, em S. Luís, MA, o processo das formigas. (V.”Crônica do Brasil Colonial”, Vozes, 1976, pag.607). Ver mais sobre o processo das formigas no anexo I deste voto. No Convento de Santo Antonio, no Maranhão, no inicio do século XVII, instaurou-se um processo-crime contra as formigas que, aos poucos, furtavam a farinha que os frades armazenavam. Flagradas mas sendo, como pregava S. Francisco, igualmente, filhas de Deus, não podiam ser execradas sem que se lhes assegurasse, antes, a prestação jurisdicional. (E assim, conta o Padre Manuel Bernardes, foram postas em damanda “aquelas irmãs formigas, perante o Tribunal da Divina Providência, assinalando-se-lhes Procuradores, assim por parte deles autores, como delas rés, e o seu Prelado fosse o Juiz, que em nome da Suprema equidade, ouvisse o processado e determinasse a presente causa.

Agradou a traça; e isto assim disposto, deu o Procurador dos Padres Piedosos libelo contra as formigas, e contestada por parte delas a demanda, veio articulando, que eles autores conformando-se com o seu instituto mendicante viviam de esmolas, ajuntando-se com grande trabalho seu pelas roças daquele país e que as formigas, animal de espírito totalmente oposto ao Evangelho, e por isso aborrecido de seu padre São Francisco, não faziam mais que roubá-los e não somente procediam como ladrões formigueiros, senão que com manifesta violência os pretendiam expelir de casa, arruinando-a, e portanto dessem razão de si, ou quando não, fossem todas mortas com algum ar pestilento, ou afogadas com alguma inundação, ou pelo menos exterminadas para sempre daquele distrito. A isto veio contrariando o Procurador daquele negro e miúdo povo (das formigas), e alegou que elas, uma vez recebido o benefício da vida por seu Criador, tinham direito natural a conservá-la por aqueles meios, que o mesmo Senhor lhes ensinara. (…) Sobre esta contrariedade houve réplicas e contra réplicas, de sorte que o Procurador dos autores (as vítimas, que tiveram a farinha furtada pelas formigas) se viu apertado porque uma vez deduzida a contenda ao simples foro das criaturas, e abstraindo razões contemplativas com espirito de humildade não estavam as formigas destituidas de direito, pelo que o Juiz, vistos os autos, e pondo-se com ânimo sincero na equidade, que lhes pareceu mais racionável, deu sentença… )”


(…) Processualmente, tudo como ainda hoje. João Lisboa22 Uma das mais importantes e mais desconhecidas figuras da história brasileira. Jornalista, Deputado, Antropólogo. João Lisboa (Maranhão, 22.03.1812/Portugal,26.04.1866) está entre os que melhor trabalharam sobre a formação e o caráter do povo brasileiro. Em seu estudo sobre as eleições na antiguidade e no Maranhão demonstra que quase nada mudou em relação ao que ainda acontece hoje no Brasil., que viu o processo no Arquivo do Convento, conta que faltavam as primeiras folhas “em que deviam vir a proposição da ação e a contrariedade das rés formigas”. Informa que “a parte que se conservou começa pelo autuamento de uns embargos de contraditas com que as mesmas rés, por seu curador adlitem, vieram contra as testemunhas que haviam jurado por parte dos reverendos autores. Este autuamento tem a data de 17 de janeiro de 1713, entretanto que “A Nova Floresta”, de Bernardes, que já dá conta da sentença final, foi impressa em Lisboa (Portugal) em 1706. É de crer que o processo, começado alguns anos antes, estivesse paralisado até então. (…) No resumo que fez, em seus apontamentos, da narrativa do Padre Bernardes, João Lisboa conclui afirmando que os arrazoados, a sentença final e a milagrosa obediência das formigas, “são tudo imposturas com que naqueles tempos se armava à credulidade dos povos”).

Credulidade de que havia Justiça para todos. Até mesmo para As formigas! No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 4ª Câmara Criminal, onde Bento Gonçalves dos Santos foi originariamente condenado, é composta por três Juízes, aliás Desembargadores. Rejeitada uma preliminar de incompetência suscitada pela defesa, recebida a denúncia, a questão de mérito, de pronto, na mesma sessão, foi resolvida assim: Des. Vladimir Giacomuzzi (Presidente e Relator). Diante das declarações contidas nos votos que seguiram o meu, acolhendo também a denúncia, impõe-se prosseguir, para declarar que o réu, fazendo o que fez, praticou o crime descrito no Art.1º, Inc. I, do Dec.Lei nº 201/67. Trata-se, como sabemos, de peculato, de delito contra a administração pública.

Cuida-se de crime de dano material, o que importa dizer que o delito só se pode considerar consumado quando ocorrente prejuízo econômico para o erário. Isto não quer dizer, no entanto, que esse prejuízo deva ser considerável. O crime estará consumado mesmo quando menor se apresentar o dano, como parece ser o caso dos autos. O que a lei mais reprova, nesse tipo de comportamento, é o fato de o agente desvirtuar sua função, burlando a confiança que lhe é depositada, aproveitando-se da circunstancia de estar de posse das coisas do povo e dela se apropria ou desvia em proveito de terceiro.

O valor da coisa deve ser considerado não para caracterizar o delito, portanto, mas para graduar a pena justa, adequada. Para esta modalidade de lei penal, a lei comina pena de reclusão de dois a doze anos. Assim sendo, sujeito o réu Bento Gonçalves dos Santos a três anos de reclusão. Deverá o réu cumprir a pena que lhe é imposta sob o regime inicial semi-aberto. Ele perde o cargo que detém e fica impedido de ver-se investido em qualquer outro, pelo prazo de cinco anos, a contar da data do cumprimento ou da extinção da pena privativa de liberdade que se lhe aplica. O réu pagará as custas deste processo e terá seu nome inscrito no livro de culpados. A Secretaria caberá proceder as informações. Entendo que a pena aplicada não pode ser substituída por outra menos grave, uma vez que somente a sanção aplicada atende, no caso, às exigências definidas na parte final do Art.59 do Código Penal.

Os maus antecedentes do réu, caracterizados pelo fato de ter sido definitivamente condenado por crime contra pessoa (CP, Art.129), de ter sido condenado por este mesmo Tribunal por crime idêntico ao que ora está sendo condenado, ou seja art.1º,Inc. I, do Dec.Lei nº 201/67; também por este Tribunal, num terceiro processo, alem de condenado mas beneficiado por efeitos decorrentes da prescrição pela pena concretizada, em dois outros processos, tudo conforme está certificado às fls. E fls.; a personalidade mal formada do réu, constatáveis pelo fato de ele se utilizar de servidores e de colegas da Administração, subordinados a si, uns, e de outros pelas circunstancias dos fato, para poder fazer o que fez; o fato de a empresa beneficiada ter, de certa forma, concorrido para a prática do crime; o pouco valor econômico do prejuízo determinado aos cofres públicos; a reprovabilidade normal que esse tipo de comportamento criminoso determina e a culpabilidade, que é elevada, justificam, a meu juízo, a fixação da pena base em um ano acima do mínimo legal.

Este montante, a meu juízo, deve-se tornar definitivo porque não incide, não ocorre, não se faz presente nenhuma agravante, nenhuma atenuante, nenhuma causa de especial aumento ou de diminuição da pena preestabelecida. E tendo assim votado é que justifico o montante da pena aplicada, justificando também o regime de cumprimento: o réu deverá iniciar o cumprimento da pena aplicada sob regime idêntico àquele que, no momento se encontra submetido, por força de condenação estabelecida noutro processo, ainda que provisoriamente. Caso ocorra alteração de regime naquele processo, a alteração se reflitiria neste processo “sub judicice”. É como voto. Des. Gaspar Marques Batista. Senhor Presidente, o acusado é de maus antecedentes. Parece-me que esta é a quarta condenação na Câmara ? duas recentemente e uma há mais tempo, além de uma condenação por lesão corporal na Comarca de Triunfo, ao que estou lembrado. Além disso, tem outros processos nesta Câmara. Tem um em que o eminente Des.Constantino é Relator, que foi recebida a denúncia há pouco tempo. E me parece que ainda tem outro.


Então, ele tem vários processos. Eu diria que, talvez, seja um dos réus com maior número de processos nesta Câmara; é um dos campeões de processos nesta Câmara. Então, inegavelmente é de maus antecedentes. Quanto à personalidade do réu, todos nós a ela já nos referimos em julgamentos anteriores. Quanto à culpabilidade, já salientei ? Volto a repetir? Este aspecto: parece-me intensa, em sentido lato, a culpa com que agiu o réu. Houve tempo para que, se fosse equivoco, o réu fosse lá e o desfizesse, pagando a Auto S.Jeronimo Ltda. Mas isso não ocorreu; ao contrário, procurou-se encontrar uma fórmula para que o Município pagasse e ficasse escondido para que não aparecesse futuramente. Então, é muito intenso o grau de culpa.

Favorável ao réu tem a questão das consequências, R$ 200,00. Acho que nesse tipo de delito, enquanto as conseqüências diminuem, aumenta a culpabilidade porque quem desvia duzentos certamente desvia mil. Não há a menor dúvida. Então, se o valor do desvio é pequeno, a capacidade de desviar é muito maior. Isso tem que ser considerado. Faço um pequeno cálculo. As circunstancias judiciais do Art.59 são oito; a pena é de dois a doze. Então, dá uma diferença de dez. Oito dividido por dez dá um ano e três meses. Eu diria então, num exame bem superficial, que há três circunstancias judiciais bem desfavoráveis, três vezes. Um ano e três meses dá três anos e nove meses; com mais dois, cinco anos e nove meses. Mas para que V.Exa. não pense que sou rigoroso, eu fixaria em quatro anos a pena base.

Definitiva. Des. Constantino Lisboa de Azevedo. Quem sabe, entremos num acordo e estabelecemos três anos e meio. Des. Gaspar Marques Batista. Eu nem vencido fico. Estou apenas tentando sustentar que a pena de três anos e meio é muito leve. Aqui diz ? “seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção”. Se três anos prevenissem, não haveria tantos crimes neste País. É porque as penas que estão sendo aplicadas não estão prevenindo. Des.Constantino Lisboa de Azevedo. Eu acompanharia V.Exa. mas não gostaria de deixar o eminente Relator vencido. Por isso, sugiro a pena de três anos e meio. Está nos autos, à toda evidência, que das seis testemunhas de acusação, arroladas pelo Ministério Público, nenhuma indicou os veementes indícios indispensáveis que, ao final, comprovassem de forma indubitável que o Prefeito de Triunfo-RS, prevalecendo-se da função, tivesse?

Neste caso – desviado, em proveito próprio, rendas públicas do Município e com elas pago o conserto do seu “fusca”, num total de R$ 200,00 (duzentos reais), valores atualizados em 7 de maio de 1998. Vejamos aqui. 1. Ogê Carvalho Goulart, gerente da oficina. “A fatura decorrente da prestação do serviço não consta como paga e teria sedissolvido em virtude dos planos económicos e inflação”. (Fl. 173); 2. José Valmir dos Reis Martins, encarregado dos empenhos no Departamento de Compras da Prefeitura de Triunfo-RS. “Com relação ao veículo descrito na denúncia não efetuou qualquer empenho, bem como não recebeu solicitação nesse sentido”. (Fl. 180); 3. José Airton Ehlers, secretário de Finanças do Município de Triunfo-RS. “Foi consultado sobre uma nota fiscal da Oficina Auto São Jerônimo, relativa ao conserto de um veículo. Ao constatar que a placa do automóvel não correspondia a nenhum dos carros oficiais, não autorizou o pagamento. Não foi expedida nenhuma ordem e nem realizado o empenho”. (Fl. 180,v.) 4. Vítor Eugênio Viacava, responsável pela contabilidade da oficina, em S. Jerônimo-RS. Procedeu “a verificação se havia documentos referentes àquela operação mas nada foi encontrado”. (…) Houve um período em que a Prefeitura devia vários valores àquela empresa, procedendo-se um acerto de contas, sendo os valores posteriormente pagos”.(Fl. 190). 5. Severo Leites (assim mesmo, no plural) da Silva, fiscal de tributos estaduais, que a pedido do Ministério Público inspecionou a contabilidade da oficina que consertou o “fusca” do Prefeito. Conclui que “a empresa Auto São Jerônimo Ltda. usou de artifícios contábeis para liquidar a dívida da Prefeitura Municipal de Triunfo através de crédito indevido na contabilidade, conta Duplicatas a Receber, cliente nº 726-9, de pagamento pretensamente efetuado pela Câmara de Vereadores de Triunfo, que também era cliente da empresa, sob o código nº 516-9”. (Fl. 108).

Nada no relatório comprova que a fatura do “fusca” pessoal do Prefeito tenha, à sua ordem ou de qualquer funcionário, sido paga pela Prefeitura. A riqueza de detalhes se limita às estrepolias contábeis da empresa, que, é sempre bom lembrar, fica em outro Município. 6. Valdomiro Marques da Silva, ex Presidente da Câmara Municipal de Triunfo- RS. Disse que na época era adversário político do Prefeito e que é sua a assinatura na ordem de pagamento datada 08.03.1991, que lhe foi apresentada pelo Ministério Público. Examinando o documento asseverou que não pode vincula-lo ao veículo descrito na denúncia. Na eventualidade, a ordem de pagamento mencionada se referia ao conserto de algum veículo, provavelmente o Santana Quantum, carro oficial da Câmara Municipal. (Fl.180,v.) A convicção dos ilustres julgadores, no entanto, se firmou pela condenação, proclamando-se assim o resultado: Des. Vladimir Giacomuzi (Presidente e Relator). (Processo-crime nº 69681877, de Triunfo ? à unanimidade, desacolheram a preliminar de incompetência do Tribunal para o julgamento desta causa, sob o fundamento do afastamento do réu do exercício do cargo em razão de decisões que não são definitivas adotadas noutros processos.


Também, à unanimidade, julgaram procedente a Ação Penal e condenaram o réu, Bento Gonçalves dos Santos, a três anos e seis meses de reclusão, com apoio no Art.1º, I, do Dec. Lei nº 201/67, sob o regime inicial semi-aberto, com perda do cargo e inabilitação por cinco anos, tudo nos termos dos votos emitidos em sessão. Registro que estiveram presentes o réu, seus defensores, o Dr. Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira e o Dr. José Augusto Rodrigues, tendo a defesa usado da tribuna após a manifestação do Dr. Luiz Carlos Ziomkowski, Procurador de Justiça. (Fls.207/210). Tudo nos conformes, conforme se depreende. Lembrando Saulo Ramos33 “Lesão à ordem constitucional”, Jornal do Brasil, 19.04.01, pág. 11, ao impugnar a CPI da Corrupção, a última em cartaz, “não há ninguém que seja a favor da corrupção, sobretudo na atividade pública”. Vem de antanhos, do Código de Moisés 44 Moisés, grande líder hebreu, principal legislador do Velho Testamento. Por causa de Cecil B. de Mile, produtor de filmes épicos no último século, tem sua imagem física associada à de Charleston Heston, em “Os Dez Mandamentos”.

Libertou seu povo da escravidão do Egito e o levou pelo deserto ao encontro da Terra Santa, hoje Israel., Art. 7º, a proibição? “não furtarás”. Maimônides55 Uma das mais relevantes figuras do mundo através dos séculos. Nasceu em Córdova, na Espanha, em 1135. Decodificou o Velho Testamento, a Torá dos Judeus, em 613 mandamentos, dividindo-os em preceitos positivos e negativos. Obra que deveria ser lida diariamente pelos operadores do direito. Nos “preceitos negativos”, por exemplo, está escrito ? “Um Juiz não pode se acovardar com medo de pronunciar um julgamento justo”.(276)., o maior entre os hermeneutas, leciona que “por esta proibição somos proibidos de furtar dinheiro”. (“Preceitos Negativos”, 244). Há quarenta e três séculos Hamurabi66 Hamurábi, rei da Babilônia, sexto soberano da primeira dinastia babilônica, viveu no século XXIII a.C. Foi o unificador da Mesopotâmia. Em seu governo foram feitas grandes obras públicas, como a retificação do curso dos rios Eufrates e Tigre. Não ficou nisso, empreendeu reformas políticas, incluindo a do Judiciário. O Código, que decorre disso, influenciou a formação do direito asiático e, em especial, o direito hebreu. editou, na Babilónia, o seu famoso Código que prescreve como pena para o crime de furto, por exemplo, a restituição do valor em até trinta vezes se a vítima foi o Estado; em até dez vezes mais se a vítima foi um particular. Não havia pena de prisão.

Na hipótese de o ladrão não ter com que restituir seria logo morto. Traduzindo para os dias de agora ? pobre não tem que se meter com essas coisas do alheio. Só os meliantes ricos, que podem pagar os melhores advogados e, quando for o caso, até devolverem, de alguma maneira, em benemerências, parte do que, ilicitamente, subtraíram. Por que, no caso brasileiro, essa insistência do Estado em punir apenas com cadeia? A sentença condenatória que com este “habeas corpus” se busca derrogar cassou o mandato popular do Prefeito de Triunfo, suspendeu-lhe os direitos políticos e mandou-o para a cadeia por três anos e meio. E a restituição dos R$ 200,00 (duzentos reais), já que na convicção dos Juizes houve mesmo o peculato? É matéria para o cível, para outro processo, dirão todos os doutores do direito. Os eflúvios da recente Páscoa nos remetem àquelas duas figuras que circundam o Cristo, na crucificação ? Dimas e Zaqueu, o primeiro um ladrão pobre; o outro, um ladrão rico. O pobre, o bom ladrão; o rico, o mau ladrão. Mesmo sob a tortura na cruz, o ladrão rico não perdeu a pose, nem a arrogância, nem a eloquência. Falou para o Cristo, ao lado: “Não és tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também.” Ao que o ladrão pobre, ladrão mas de boa índole, repreendeu-o: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça pois recebemos o castigo que as nossas ações mereciam. Mas Ele (o Cristo) nada praticou de condenável”. E acrescentou então o ladrão pobre: “Jesus, lembra-te de mim quando estiveres no Teu reino”.

A resposta do Mestre: “Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso”. 77 Lucas, 23, 39/43. No Sermão do Bom Ladrão, o Padre Antonio Vieira88 Nascido em Lisboa, em 06.02.1608, veio para o Brasil quando tinha 05 anos de idade. Seu pai foi ser funcionário público, na Bahia. Como padre incomodou o poder político e a própria Igreja. Escorraçado da Bahia e do Maranhão, foi para Portugal onde chegou a ser preso com pena de silêncio. O “Sermão do Bom Ladrão”, do qual destaco aqui apenas trechos, foi pregado na Igreja da Misericórdia, em Lisboa, em 1655. O padre era tão provocador que, no caso desse sermão, ele começa assim: “Este sermão, que hoje se prega na Misericórdia de Lisboa, e não se prega na Capela Real, parecia-me a mim, que lá se havia de pregar e não aqui.(…) Porque o texto em que se funda o mesmo sermão, tudo pertence à majestade daquele lugar, e nada à piedade deste”. Ver mais sobre o Sermão do Bom Ladrão no Anexo II deste voto. não só defende que todo ladrão deve restituir ao Estado ou ao particular o que furtou. Denuncia também a hipocrisia de reis e de príncipes no lidar com a corrupção no poder público. (“Todos devem imitar o Rei dos Reis; e todos tem muito o que aprender nesta última ação da sua vida. Pediu o bom ladrão a Cristo, que se lembrasse dele no seu Reino. E a lembrança que o Senhor teve dele foi que ambos se vissem juntos no Paraíso.


Esta é a lembrança que devem ter todos os reis, e a que eu quisera lhes persuadissem os que são ouvidos mais de perto. Que se lembrem não só de levar os ladrões ao Paraíso, senão de os levar consigo. Nem os reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis.(…) Levarem os reis consigo ao Paraíso os ladrões, não só não é companhia indecente mas ação tão gloriosa e verdadeiramente real, que com ela coroou e provou o mesmo Cristo a verdade do seu reinado, tanto que admitiu na cruz o título de rei. Mas o que vemos praticarem os reinos do mundo, é tanto pelo contrário, que em vez de os reis levarem consigo os ladrões ao Paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao Inferno.” (…) Acertado, portanto, pelo consenso dos três Desembargadores, que o ora paciente praticou mesmo o crime de peculato, causando ao Município de Triunfo- RS, que governava, um desfalque de R$ 200,00 (duzentos reais), o equivalente, em Brasília-DF, a menos de três dúzias de galinhas mortas, estando por isso na cadeia, temos que convir, à luz dos Evangelhos e da sempre atualizada doutrina de Vieira, que estamos diante de um novo caso de um bom ladrão. Quem, neste País de tantas impunidades a olho nu, é eleito por três vezes e, assim, acumulando mais de dez anos na sua vida como ordenador de despesas, com o poder maior sobre o dinheiro público, sai da vida pública para cumprir pena de três anos e meio de cadeia por conta de R$ 200,00 (duzentos reais) desviados para o conserto do seu “fusca” particular, modelo 1.300, ano de fabricação 1977 ? Especialistas em ética, em moral, em direito, em políticas públicas, tem se debatido nos mais diversos laboratórios do pensamento, buscando fórmulas para se acabar com a corrupção com o dinheiro público. Na Coreia99 A propósito, sugiro “A Corrupção Sob Controle”, de Robert Klitgaard, Jorge Zahar Editores, RJ, 1994. O Capítulo 6 ? “A Corrupção em Clima de Choque Cultural” trata da experiência norte-americana na Coreia., após a guerra que partiu o País em dois, os norte-americanos percebendo, depois de algum tempo, que os milhões de dólares dos contribuintes, mandados para a reconstrução, eram rateados entre os políticos e os empreiteiros locais e, por isso, o preço alto e a qualidade baixa nas obras públicas, acabaram inventando, depois de muitos estudos, a licitação pública, segundo a qual ganhava a obra quem, atendendo às especificações oficiais, pedisse o menor preço. Isso deu certo por algum tempo e os bancos internacionais de desenvolvimento passaram a exigir dos países financiados que adotassem, também, esse modelo de concorrência pública. Só que o modelo, que já tem mais de cinquenta anos, foi se exaurindo e não há mais, internamente, nos Estados Unidos da América, quem o adote em suas formas primitivas e burocráticas110 Indispensável também “Reinventando o Governo”, de David Osborne e Ted Gaebler, MH Comunicação, Brasília, 1994. À pág. 251, sob o título “Antecipando o Futuro: Governar com previsibilidade”, está escrito: “Diz-se que há três tipos de pessoas: as que fazem as coisas acontecerem; as que observam as coisas acontecerem e as que não sabem o que está acontecendo.

O mesmo se pode dizer dos governos; infelizmente, a maioria deles não sabe o que está acontecendo”.0. (“A essência do direito é política, embora a base econômica seja importante enquanto instrumento de sua efetivação. A título de exercício, podemos preliminarmente levantar algumas esferas de poder, cujo abuso determina a fabricação de vítimas no sentido político. (…) b) poder político. A burocratização do Estado é, por exemplo, forma típica de abuso do poder político, pois favorece a clássica estruturação das vantagens: oligarquização do poder, concentração de privilégios, imposição da impunidade, mordomias, corrupção em geral, perenidade no poder, manipulação de massa, etc. Permanecendo no plano da burocratização, a fraude mais importante é aquela relativa aos serviços públicos e aos programas e projetos especiais, destinados no discurso a reduzir as desigualdades sociais vigentes.”, Pedro Demo.111″Pobreza Política, Polêmicas do Nosso Tempo”, de Pedro Demo, págs.27/29. Edit. Autores Associados, SP, 1994.1 No Brasil, a lei das licitações112 Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Muita formalidade em nome de uma ilusão. Tudo que é para o setor público sai mais caro. Não há burocracia que não acabe se entendendo, direta ou indiretamente, com a corrupção.2 é o grande escudo com que a corrupção incrustada nos centros de despesas públicas se defende passando aos contribuintes a falsa idéia de moralidade. Os instrumentos estatais de controle, mantidos a preço alto para Impedir o furto, são de eficácia sazonal. Ou seja, só quando a onda moralista que vez por outra irrompe ameaçadora na enorme praia dos homens públicos, que se pega, de inopino, algum ladrão para ser execrado, em muitos casos sem a observância do devido processo legal ? aquele que foi assegurado até às formigas que furtavam a farinha dos frades.


Tenho medo que acabemos aqui, neste Tribunal da Federação, só julgando processos de formigas, condenadas por furto de farinha, sempre sem embargo do devido processo legal e do direito à ampla defesa113 Tenho medo, sim. Mas não me surpreenderia. Entre os supérfluos, esta Corte já julgou um caso de um cachorro que frequentava o elevador social de um prédio no Rio de Janeiro e o que começou numa briga entre um papagaio e um cachorro, aqui em Brasília. 3. Ou de casos como este, de conserto de “fusca”, de peculato equivalente a menos de três duas dúzias de galinhas mortas. O crime das formigas, processadas e julgadas pelo tribunal dos frades, decerto que já prescreveu. Mas parece longe de prescrever, entre nós, o acendrado formalismo com o qual, em nome da realização da Justiça, ainda se mascara a hipocrisia, o jogo de cena só para não perder o sorriso da arquibancada, tudo para se fazer crer que as instituições desta nossa democracia tenra estão em pleno e eficaz funcionamento. Nas Filipinas, Ferdinand Marcos quando subiu ao poder era tido como político honesto, digno, paradigma da moralidade. Entre as suas prioridades, acabar com a corrupção. Nomeou um Juiz chamado Plana para comandar o desafio. Foi tudo indo muito bem, o Juiz tendo todo o apoio do Presidente, a corrupção sob combate se esgueirando em busca das trevas, até o dia em que o doutor Plana teve que informar a Ferdinand Marcos que seus familiares já estavam, também eles, contaminados. O propinoduto chegara ao Palácio.114 A experiência de Ferdinand Marcos com o Juiz Plana no combate à corrupção nas Filipinas é contada, em dezenas de páginas, por Robert Klitgaard em “A Corrupção Sob Controle”. V. nota 9.4 Foi daí que alguns especialistas se convenceram que tendo a corrupção um custo muito alto para o contribuinte115 São mais de trinta Tribunais de Contas pastoreando a aplicação dos dinheiros públicos no País.

Essa engrenagem tem um custo altíssimo para o contribuinte, gerando frustrações profundas no que toca ao combate à impunidade. Só o Tribunal de Contas da União, que não é do Poder Judiciário mas sim linha auxiliar do Poder Legislativo para o controle e fiscalização dos gastos públicos, dispõe de mais de dois mil funcionários no seu quadro oficial. Custou ao contribuinte, no ano passado, R$ 375.489.058,82 (trezentos e setenta e cinco milhões, quatrocentos e oitenta e nove mil, cinquenta e oito reais e oitenta e dois centavos).5, o combate à corrupção também tinha o seu custo para o contribuinte. Disso resultou uma equação custo-benefício, pela qual se entendeu que, sendo impossível eliminar a corrupção, a saída mais rentábil seria reduzi-la ao máximo em suas forças, de modo que convivendo com baixas taxas de propina a contabilidade pública registraria lucros. Por isso é que, ao ensejo deste caso do bom ladrão, condenado por peculato de R$ 200,00 (duzentos reais), o equivalente hoje a menos de quarenta galinhas mortas, após mais de dez anos lidando com o dinheiro público, submeto à reflexão de todos nós, e também dos legisladores; peço a reflexão para uma lei dispondo sobre o teto do furto na administração pública em todo o Brasil.

Ora, não seria muito mais barato para todos nós, Contribuintes em geral, se em cada um dos 5.656 (cinco mil seiscentos e cinqüenta e seis) municípios o furto do dinheiro público ficasse limitado a R$ 200,00 (duzentos reais) por ano? Lucraríamos todos, a começar pelo Judiciário que não desperdiçaria o tempo nem as energias dos Juizes, eles que precisam de seu tempo e de suas energias para resolução de questões mais interessantes e de maior valia para a sociedade. Instituir-se-ia, por lei do Congresso, o “Dia Nacional do Bom Ladrão”, a ser celebrado, simultaneamente, em todo o País, no Dia De São Dimas. Em cada Município haveria, na praça principal, uma estátua cuja cabeça, rosqueada, seria reciclável porque mudando a pessoa do homenageado mudar-se-ia, por conseguinte, a cara da estátua.

Do mesmo modo, na capital de cada Estado em homenagem ao “bom ladrão estadual” e, em Brasília, na Praça dos Três Poderes, em homenagem ao “bom ladrão nacional”. A Constituição da República, Art. 37, XI, impõe que os vencimentos dos servidores públicos não podem ir além de um teto, cujo valor até hoje, desde 5 de junho de 1998, ainda não se estabeleceu. Os agentes públicos estão mornando aí, há mais de cinco anos, sem atualização monetária nos vencimentos. Nada impede, porém, que por lei ordinária se estabeleçam escalas de tetos para o furto do dinheiro público, nas esferas federal, estadual e municipal. Qual o teto para o “bom ladrão” federal? Qual o teto para o “bom ladrão” estadual? Não me arrisco agora a imaginar. Mas o teto para o “bom ladrão” municipal já está definido, à luz da doutrina de Vieira e do venerando Acórdão do Rio Grande do Sul ? R$ 200,00 (duzentos reais) por ano. Não caberia arguir, na hipótese, inconstitucionalidade porque ao ponto em que chegaram as coisas no País ? peculato de R$ 200,00 (duzentos reais) dando em três anos e meio de cadeia e o demais notório dando em nada ? instituir-se, por lei, um teto desse valor anual para o furto do dinheiro público até se harmoniza com o comando do Art.37 da Constituição ? princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. De mim, por mim, é tudo ironia. Afinal, pregavam os latinos? “ridendo castigat mores”. Ou como dizia o poeta, “o tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera”116 Carlos Drummond de Andrade, em “A Flor e a Náusea”.6. Nada impede, porém, que algum político, desses precisados de melhores famas, agarre a idéia e a leve adiante.


Ainda que correndo o risco de estar legislando em causa própria. O despacho pelo qual, nesta instância, se indeferiu o pedido de liminar para que o ora paciente, Bento Gonçalves dos Santos, Prefeito de Triunfo, não fosse preso sem que tivesse apreciadas antes, pelo STJ, as suas alegações de falta de justa causa para o processo em que restou condenado a três anos e meio de cadeia, termina assim:

“O presente writ versa sobre o afastamento de prefeito condenado pela prática de diversos delitos. A questão deduzida, initio litis, não comporta a concessão de liminar em razão da complexidade das circunstâncias que envolve”. (Fl. 95). Quais foram esses “diversos delitos”? Leio aqui. 1.)Proc. 00691076277.- 18.05.98. Dec.Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Ação penal trancada pelo Tribunal; 2.) Proc.00691049183 ? 18.05.98. Dec.Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Denúncia rejeitada pelo Tribunal. 3.) Proc. 00691049274 ? 18.05.98. Matéria eleitoral. Processo remetido ao TRE-RS; 4.) Proc. 000691003313 ? 18.05.98. Dec.Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Sem apreciação do mérito, o processo foi extinto pela prescrição. 4.)Proc. 00692143829 ? 18.05.98. Dec.Lei 201/67 (crime de responsabilidade). O Tribunal julgou improcedente a denúncia e absolveu o acusado por falta de provas. 5.) Proc.00692129729 ? 18.05.98. CP, crime contra a pessoa. Processo arquivado pela ocorrência da prescrição. 6.) Proc.00692129737. 18.05.98. CP, crime contra pessoa. O Tribunal julgou improcedente a denúncia e absolveu o acusado. 7.) Proc. 00692131147 ? 18.05.98. Dec.Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Processo arquivado. O Tribunal desconstituiu a Ação Penal. 8.) Proc.00695800433 ? 18.05.98. Dec.Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Denúncia recebida. 9.) Proc. 00695800516 ? 18.05.98. Dec.Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Processo arquivado por decisão do Tribunal. 10.) Proc.00696800309 ? 18.05.98. Dec.Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Denúncia recebida. Condenado a quatro meses de detenção. A punibilidade estava extinta pela prescrição. Processo arquivado. 11.) Proc.00696801810 ? 18.05.98. Dec.Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Processo remetido ao TRE-RS. 12.) Proc.00696802743 ? 18.05.98. Dec. Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Homologada a suspensão quanto a um co-réu. Sem registro, à data, de novo andamento. 13.) Proc. 00696802966 ? 18.05.98. Criminal (sem especificação). Arquivado, a pedido do Ministério Público. 14.) Proc.00696803386 ? 18.05.98. Criminal (sem especificação). Arquivado a pedido do Ministério Público. 15.) Proc. 00696801877 ? 18.05.98. Dec. Lei 201/67 (crime de Responsabilidade). Em andamento. Fase de diligências. 16.) Proc. 00697803351 ? 18.05.98. Dec. Lei 201/67 (crime de responsabilidade). Em andamento. 17.) Proc.00698800398 ? 18.05.98. Dec. Lei 201/67 (crime de responsabilidade).

Concluso ao Relator. (Fls.122/142). São estes os processos referentes aos “diversos delitos” pelos quais o ora paciente, Prefeito de Triunfo- RS, foi condenado. Na verdade, até aqui, do quase nada que restou, apenas uma condenação que, segundo o Tribunal gaúcho, já teria transitado em julgado ? essa dos três anos e meio de cadeia pelo peculato dos R$ 200,00 (duzentos reais) para o conserto do “fusca” 1.300, ano de fabricação 1977. Além disso, até aqui, repito, nada mais. Isso tudo, é evidente, resulta em prejuízos morais para o acusado, que fica, assim, impedido de pleitear qualquer beneficio legal ao abrigo da atenuante dos “bons antecedentes”. Insisto em lembrar que o que está em causa aqui não são aqueles “diversos delitos” cuja relação, modulada em decibéis agudos, quase nos desviam da atenção para o principal. O principal, repito, é este “habeas corpus” vinculado ao único processo com condenação e transito em julgado, que é o do peculato dos R$ 200,00 (duzentos reais) para o conserto do “fusca”. Alegações da defesa: 1. Falta de justa de causa para a ação e o processo porque a condenação, que a seu ver, não se baseou em prova induvidosa quanto à materialidade e quanto à autoria, “ou, pelo menos, em indícios idôneos e suficientes da autoria; Nesse quesito, sustenta à luz dos depoimentos das testemunhas arroladas pela própria acusação, que o Prefeito de Triunfo-RS, não concorreu em nada para o crime descrito na denúncia, nem dele se beneficiou.

Observa que ninguém, na Prefeitura, autorizou nem realizou qualquer pagamento à oficina pelo conserto do “fusca” particular. Isto porque, aduz, não houve qualquer empenho dessa despesa, nem pagamento, nem recebimento pela oficina, nem liquidação do débito, que permaneceu em aberto. Daí tudo ter transcorrido à base de suposições, enfatiza, o Que agrediria até mesmo, se ainda em vigor, o Código Criminal do Império de 1830, Art. 38 ? “Nenhuma presumpção, por mais vehemente que seja, dará motivo para imposição da pena”. Anota ser “inacreditável que o sistema da Subjetividade acusatória/decisória ainda impere em nossos dias, inobstante a garantia constitucional da presunção da não culpabilidade (CF, Art 5º, LVII) e o direito à presunção da inocência, Reconhecido universalmente (Dec. Univ. dos Direitos da Pessoa Humana, ratificada pela Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, mais conhecida como “Pacto de San Jose da Costa Rica”, de 22.11.1969.”


2. Inépcia da denúncia inclusive por ilegitimidade passiva do paciente. Depois de classificar a denúncia como “exemplarmente confusa e omissa, modernamente conflitante e criativa, solarmente imaginária e inepta” a defesa chama a atenção para o fato de ter o Ministério Público invocado contra Bento Gonçalves dos Santos, ora paciente, apenas dois documentos, nenhum dos dois comprovadores de nada do que alega na acusação: a) uma representação sem qualquer procedência, dirigida ao Ministério Público pelo ex-vereador Auro Lima de Souza (fl. 116), que fora candidato a prefeito de triunfo, sendo derrotado flagorosamente pelo Paciente, nas eleições de 1988, e, por isso, tornou-se seu inimigo político, tradicional adversário e desafeto pessoal; b) um isolado parecer encomendado pela Acusação (fl. 72/76) a um funcionário da receita pública estadual, que compareceu na sede da empresa “Auto São Jerônimo Ltda” a fim de proceder à uma análise quanto a liquidação/pagamento de despesa atribuída à Prefeitura Municipal de Triunfo. Nesta análise, dito funcionário, subjetivamente, concluiu presumindo que teria havido artifício, por parte da referida empresa, que pretendera acobertar dívida não da Prefeitura, mas da Câmara de Vereadores. Como se observa, embora a conclusão fosse no sentido de que eventuais dívidas ficassem saldadas e não acrescidas ou mantidas, – tal situação ocorreu com a Câmara de Vereadores e não com a Prefeitura. Mesmo assim, – acrescenta a defesa – o Ministério Público narra fato envolvendo suspeita de relação jurídica material entre a Empresa e o Legislativo e ? pasmem! – oferece denúncia contra o Paciente. Esta promoção é mais surpreendente, ainda, porque, na citada operação entre a Empresa e Legislativo, é o próprio Presidente da Câmara, vereador Valdomiro Marques da Silva, quem afirma (fl. 237,v.) ser sua, e não do Prefeito, a assinatura aposta na Ordem de Pagamento de fl. 170, autorizando a liquidação da despesa em nome do Legislativo.” Acrescenta que “inobstante constar do parecer encomendado pela Acusação, que houve artifício por parte da Empresa, pretendendo acobertar “lançamentos de ajuste em sua contabilidade”, relativamente ao objeto da análise realizada, – o zeloso Ministério Público, que já não ofereceu denúncia, em co-autoria, contra o confesso Presidente da Câmara (fl. 237,v.), também não denunciou, em co-participação, os responsáveis pelo pretenso artifício. Prossegue a defesa asseverando que “mesmo inexistindo, contra o Paciente, qualquer prova da materialidade de eventual desvio de verba pública, entendeu o Ministério Público que não havia principalidade na hipótese delitiva entre quem autorizou o pagamento da despesa, tida como irregular, e os responsáveis pelo suposto artifício na contabilidade da Empresa, valorizando não só a secundariedade na relação, mas a imaginária participação do Paciente. Constata-se, aqui, uma curiosa inversão de valores: o principal virou secundário; o jurídico cedeu lugar ao político; a obrigatoriedade foi trocada pela “instabilidade ideológica”; e o critério “de qualquer modo”, na co-participação, deixou de figurar no Código Penal (art.29). Sublinha a defesa que “a bem da verdade, o Paciente/Prefeito não participou dessa relação jurídica entre a Empresa e Legislativo, tanto que, como já foi destacado anteriormente, não houve empenho, não houve pagamento, não houve autorização e muito menos qualquer desvio de verba da Prefeitura para pagar a importância “correspondente, hoje, a R$ 200,00″ (fl.03). Na denúncia instauradora do processo crime no 696 801 877/TJRGS foram ignorados não só os preceitos dos arts. 41 e 43, III, do Código de Processo Penal, mas também a velha e cada vez mais nova lição de João Mendes, para quem a peça inicial no processo penal é uma exposição narrativa e demonstrativa: Narrativa, porque de revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transgressiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxilis), o malefício que produziu (quid), os motivos que a determinaram a isso (cur), a maneira por que a praticou (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as Razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes” (in O Processo Criminal Brasileiro ? vol. 2o ? 2a ed.?pág, 166). (…) Se a denúncia acusatória não for clara, precisa e concludente, não se poderá estabelecer o contraditório em termos positivos, com evidente prejuízo para a defesa, sujeita a vagas acusações. Não posso admitir que prevaleça a tese sustentada no acórdão recorrido, no sentido de que a validade da denúncia pode ficar na dependência da prova a ser produzida. Não.

A acusação da denúncia-libelo, deve ser clara e precisa. O que dependerá do exame das prova é a procedência ou improcedência da ação penal, porque a denúncia não pode ser equiparada a uma promessa de acusação a ser concretizada in oportuno tempore” (in RTJ 33/430, g.n.). A defesa insiste em que “há uma total incongruência entre o que se descreve na denúncia e os elementos preparatórios da ação penal, quanto ao Paciente, inexistindo um dos requisitos do artigo 41 do CPP, notadamente a descrição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, relativamente ao Paciente. Nestes elementos até contém alguns subsídios para denunciar quem não foi denunciado, mas jamais para acionar o Paciente, o qual não tem legitimidade passiva para figurar como Réu na Relação Processual. E esta carência de legitimidade decorre de uma regra que sintetiza a moderna teoria sobre esta condição da ação penal e do seu legítimo exercício, nesta transposição jurídica: “O agente ativo da ação ou da omissão na relação de direito material passa a ser o Réu na relação processual; e o agente passivo da ação ou da omissão na relação de direito material assume a posição de Autor principal ou secundário na relação processual” ? P.O.C. in Ação Penal Originária.


Como se constata, claramente, o Paciente/Prefeito é parte legítima para figurar no pólo passivo do citado processo porque não há como transportá-lo para a relação processual, simplesmente e porque não integra a relação de direito material, nem direta nem indiretamente. assim, a denúncia, visualizada jurídica e processualmente, não poderia sequer ter sido recebida por falta de justa causa (art. 648, I, CPP), por carência de legitimidade passiva(art. 43, I e III, CPP) e por inépcia de formalidades legais (art. 41, CPP, forma dat esse rei) e muito menos ser acolhida, ao final, pela digna Autoridade Coatora. 3. Ausência da Defesa e do Paciente nas audiências; falta de intimação. Diz a defesa que o ora paciente não foi devidamente intimado e que por isso não compareceu às audiências marcadas para os dias 22.12.98 (fl. 236); 29.12.98 (fl. 219); 15.01.99 (fls. 223/224); 22.01.99 (fls. 228/229) e 23.06.99 (fl. 248), o que resultou, a seu ver, em “prejuízo irreparável ao exercício do seu direito à auto defesa”. Também por falta de intimação os defensores do ora paciente não compareceram às mesmas audiências, tendo sido designados, indevidamente, advogados ad-hoc, que não tendo feito nada, sequer perguntado qualquer coisa à testemunha de acusação, contaminaram, assim, o processo por deficiência de defesa. Destacam os ora impetrantes que “não houve auto defesa, nem defesa técnica e muito menos observância do contraditório na colheita da prova testemunhal da acusação, causando prejuízo não só aos interesses do Paciente, mas à própria instrução processual e à Justiça, como Valor e como Instituição.” A propósito, é oportuno relembrar, comenta a defesa, Estes ensinamentos de Pontes de Miranda (in Comentários à Constituição, Tomo V, pág. 234 e segs., 1970, ERT): “A defesa, em rigorosa técnica e em terminologia científica, é o exercício da pretensão à tutela jurídica, por parte do acusado. O Estado, no texto constitucional, a prometeu; tem o Estado, através da Justiça e de qualquer outro órgão estatal, de cumprir a sua promessa” (g.n.). E arremata o “Maior Jurista”, no dizer de CIRNELIMA, nosso saudoso e não menos Eminente Jurisconsulto: “A regra do texto constitucional não é regra jurídica vazia, não é, como diriam os juristas alemães. leerlaufend; trata-se de direito subjetivo constitucional de defesa.

Dela nasce direito constitucional a defender-se ou a ter tido defesa; em conseqüência disso, é nulo o processo em que não se assegura ao réu a defesa, ainda que tenha o Juiz aplicado alguma lei. A lei que não obedece ao art. 153, 15, é inconstitucional, e, ainda em processo de habeas corpus, deve ser posta de parte” (idem, ibidem, g.n.). Por isso ? a partir dos citados atos processuais, considerados individualmente ? o processo crime no 696 801 807/TJRGS é absolutamente nulo nos termos da Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta”. 4. Inobservância do Devido Processo Legal; Inversão da Ordem Processual. O procedimento da instrução processual, estabelecido para a Ação Penal Originária, – assevera a defesa – é determinado pelo Artigo 9º da Lei nº 8038/90, que manda aplicar o Código de Processo Penal, inclusive o preceito do seu artigo 396: – “Apresentada ou não a defesa, proceder-se-á à inquirição das testemunhas, devendo as da acusação ser ouvidas em primeiro lugar”. Pois bem, no processo impugnado por esta impetração, houve desobediência ao princípio constitucional do devido processo legal (art 5o , LIV, CF), quanto ao procedimento estabelecido pelo preceito supra, havendo inversão de ordem legal, que acusou prejuízo à Defesa e, particularmente, ao princípio do contraditório. “Isto porque ? como ensina MIRABETE? evidentemente as testemunhas arroladas pela defesa estão destinadas, em princípio, a contrariar a prova produzida pela acusação” (in Código de Processo Penal Interpretado, pág. 467, Atlas, 1994,). No mesmo sentido é o entendimento de DAMÁSIO DE JESUS (in Código de Processo Penal Anotado, pág. 247, Saraiva, 1989): “O princípio do contraditório impõe a regra de serem as testemunhas da acusação ouvidas antes das da defesa”. Com a inversão da ordem processual, não apenas foram desrespeitados tanto o citado preceito legal (art. 396, CPP) como o princípio constitucional do devido processo, mas também o mandamento da Lei Maior, que assegura o contraditório processual como uma das garantias fundamentais aos acusados (art. 5o , LV, CF). Como a testemunha da acusação, Victor Eugênio Viacava, foi ouvida em 23.06.99 (fl. 248) e, as da defesa, em 11.02.99 (fls. 237/239), – o processo crime no 696 801 877/ TJRGS é nulo por desrespeitar tanto a lei ordinária quanto a norma constitucional. 5. Impedimento do Órgão do Ministério Público; Ilegitimidade Ativa. Neste ponto, a defesa invoca o CPP, Art. 258, assim: -“Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles estendem, no que lhes for aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes”.


Agora deduz: “Ora, o Juiz que fizer toda sorte de investigações e diligências sobre determinada hipótese delitiva, inclusive trocandocorrespondências e requisitando providências incriminadoras; sugerindo, solicitando e encomendando parecer técnico sobre pretenso fato criminoso, – evidentemente deve dar-se por suspeito (art. 254, CPP) ou se declarar impedido (art. 252, CPP). Tanto é assim que, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes, como diz expressamente a lei, pois tal situação vicia substancialmente a relação processual de nulidade absoluta do processo. O mesmo ocorre com o Órgão do Ministério Público (art. 258, in fin, c/c o art. 564,I e II, CPP). Pois bem, no processo crime no 696 801 877/TJRGS, o Órgão do Ministério Público Estadual, que subscreve a peça acusatória e que acompanhou toda a instrução processual, também participou direta e ativamente da fase pré-processual, procurando incriminar o Paciente: promoveu inúmeras investigações e diligências sobre o pretenso fato objeto da denúncia (fls. 113, 114 ,124 ,125 ,126 ,132 ,133 ,134,135, 136), inclusive solicitou que fosse procedida análise específica na empresa “Auto São Jerônimo Ltda”, que resultou no “parecer” de fls. 72/76, onde consta expressamente nominado. Com estes procedimentos, a relação processual ficou irremedialvemente viciada ab initio, pois quem subscreveu a peça pelo impedimento legal, o Promotor Natural da causa, uma vez que “não figura como pressuposto a presença de qualquer promotor, e sim a do promotor previamente legitimado para intervir ou agir, ou seja, o promotor natural do processo” (LUIZ RENATO TOPAN, in Promotor Natural ? Garantia Constitucional do Cidadão, pág.233). A propósito, é oportuno sublinhar esta passagem do voto do Min. Antônio Neder, do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: “Ora, se é proibido o Tribunal de Exceção; se é vedado instituir o juízo de exceção; impedido é conceber-se o acusador de exceção, pois, não se compreende que nossa Constituição proíba o juiz de exceção e admita o acusador de exceção, isto é, conceda e ao mesmo tempo subtraia uma garantia” (STF, in HC no 55.705). A respeito do tema, não é outro o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “O Promotor Público que, no exercício do cargo, colheu provas anexadas, depois, no inquérito policial, ou no processo, não pode ser agente de prova em juízo, relativamente aos fatos por ele investigados”. (AGA 72368/RJ, Rel. Min. Adhemar Maciel.) “Não poderia, é evidente, apurando no inquérito civil que ocorreu possível Infração penal por parte do Prefeito Municipal, que “ex ratione personae” tem prerrogativa de foro no Tribunal de Justiça, inciso VIII, do artigo 29, da Constituição, denunciá-lo (HC no 2006, Rel, Min. Pedro Acioli, g.n.) “… É de se notar ainda que mesmo que estivesse impedido foi A denúncia firmada por outro Promotor, o que afastaria possível irregularidade” (H.C. 2102, Rel. Min. Pedro Acioli, g.n.).

No caso do citado processo crime, a denúncia foi firmada pelo mesmo Órgão do Ministério Público. Logo, está impedido. Por estes fundamentos, o processo crime no 696 801 877 também é nulo ab initio por impedimento do órgão do Ministério Público. A espécie carece, pois, de pressuposto processual de validade. 6. Extinção da punibilidade; prescrição em Concreto da Pena. “Embora o Impetrante sustente, nesta impetração, que para a Defesa do Paciente ainda não houve trânsito em julgado da Decisão (cf. item VII), – o “acórdão de fls. 282/301 transitou em julgado para a acusação, em 08.02.2000”, como está certificado a fl. 307 dos autos. Assim sendo, ocorreu a extinção da punibilidade pela incidência da prescrição em concreto da pena de três anos e seis meses de reclusão, como se demonstra: – Data do fato: 16/08/89 (fl. 14); ?Data do recebimento da denúncia: 13/10/98 (fl. 187); ? Pena imposta: três anos e seis meses de reclusão (fl. 281); Período intercorrente entre a data do fato e a data do recebimento da denúncia: mais de oito anos. Por conseguinte ? com fundamento no artigo 61 do Código De Processo Penal, combinado com os artigos 107, inciso VI, 109, inciso IV, e 117, inciso I, do Código Penal ? o Impetrante requer o reconhecimento da incidência do instituto da prescrição na espécie dos autos do processo crime no 696 801 877/TJRGS e a conseqüente declaração de extinção da punibilidade do Paciente. 7. A pena está sendo executada precipitadamente. Finalmente, o Impetrante deseja destacar que a pena impostaestá sendo executada precipitadamente, de vez que, para a defesa, não houve o indispensável trânsito em julgado da mesma.

Que embora a defesa técnica já tenha sido intimada, o Paciente/Condenado ainda não teve ciência dos fundamentos do Acórdão, nos termos do artigo 392, inciso I, do Código de Processo Penal. E, neste caso, o prazo para interpor os recursos cabíveis, começa a fluir da última intimação, seja do defensor, seja do condenado. Diz, também, ser este o entendimento pacífico da Jurisprudência dos nossos Tribunais: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: “É indiferente, para o início da contagem do prazo recursal, que seja intimado primeiro o réu e depois a defesa, ou que se dê o contrário, pois ela há de iniciar-se a partir da última intimação” (RT 646/382, g.n.); SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “Intimados o réu e seu defensor, conta-se da última diligência o prazo para apelar, não importando ao trânsito em julgado da sentença a ordem cronológica em que cumprida a dúplice intimação” (JSTJ, 39/302-3). Veja a continuação do voto do ministro.

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