Justiça x Receita Federal

Receita Federal não pode quebrar sigilo bancário, sem ordem judicial.

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2 de maio de 2001, 0h00

O sigilo bancário não pode ser quebrado pela Receita Federal, sem ordem judicial. O entendimento é do juiz da 2ª Vara da Justiça Federal de Bauru, Heraldo Garcia Vitta, ao conceder liminar em Mandado de Segurança contra a quebra de sigilo bancário pela Receita Federal. Apesar da lei aprovada pelo Congresso que permite a quebra do sigilo pela Receita, o juiz afirma que apenas o magistrado, devidamente fundamentado e em caráter excepcional, poderá tomar essa atitude.

De acordo com o juiz, “a possibilidade de o Fisco poder acessar os dados bancários dos administrados seria o retorno ao Estado policialesco”. Na decisão, Vitta diz que se isso acontecesse, todas as pessoas estariam submetidas somente à vontade do administrador.

Leia a decisão da Justiça Federal de Bauru.

MANDADO DE SEGURANÇA

AUTOS Nº 2001.61.08.003700-2

IMPETRANTE: Segredo de Justiça

IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM BAURU/SP E OUTRO

A presente ação mandamental foi impetrada com o objetivo de se obter provimento jurisdicional que determine a imediata suspensão do procedimento fiscal nº 08103002001000881, decorrente da quebra do sigilo fiscal, decretando-o de todo sigiloso, preservando os preceitos constitucionais violados e determinando que o processo corra em segredo de justiça, devendo ser apenas compulsado pelas partes que o integram em face das informações juntadas nos autos, decorrente do movimento bancário das Instituições Financeiras e, ainda, que as contrafés sejam devolvidas aos autos juntamente com as informações prestadas pelas autoridades coatoras, haja vista a privacidade do impetrante, não ficando os dados nelas constantes à mercê de qualquer agente da Receita Federal. Pede pela concessão de medida liminar.

Ao menos em análise perfunctória, constato estarem presentes os requisitos para a concessão da liminar pleiteada. O direito pleiteado na exordial se põe, de plano, como líquido e certo. Destarte, o Estado Democrático de Direito, tal qual posto pela Constituição Federal de 1988, consagra princípios que são as vigas mestras do ordenamento jurídico e que servem de parâmetros à atuação do legislador infraconstitucional.

Com efeito, o princípio insculpido no artigo 5º, inciso X da Carta Magna exara que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Os direitos e garantias individuais previstos na Lei Maior consubstanciam as chamadas “cláusulas pétreas”, isto é, traduzem-se num núcleo intangível, que não podem ser modificados nem mesmo através do processo legislativo atinente à emenda constitucional.

O direito à privacidade alberga, portanto, o sigilo bancário e, via de conseqüência, lei ordinária não poderia dispor sobre o procedimento de sua quebra.

A Administração Pública deve pautar-se, no relacionamento com os administrados, de forma imparcial, e o que se vislumbra no presente caso é que a Receita Federal é parte interessada. É que o Poder Público encontra-se na relação jurídica com o administrado, sendo parte parcial e interessada no deslinde a seu favor, como é natural.

Se nem mesmo ao Ministério Público Federal, que representa os relevantes interesses da sociedade, é deferido promover o procedimento de quebra de sigilo bancário, parece-nos que seria inadequado atribuir-se ao órgão fazendário respectivo alvedrio.

A possibilidade de o fisco poder acessar os dados bancários dos administrados seria o retorno ao Estado policialesco, em virtude do qual todos estaríamos submetidos à vontade do administrador, em dado local e época. Não se mostra coerente com o regime democrático de direito o Estado, por meio de seu órgão, interessado na relação jurídica travada com o particular, imiscuir-se na intimidade do contribuinte, sem maiores formalidades, necessárias para a apuração de quaisquer desvios de natureza tributária.

O disposto no artigo 145, parágrafo primeiro, da Constituição, segundo cujos termos o Poder Público poderá identificar os rendimentos do contribuinte, ressalva as normas dos direitos e garantias individuais, como a do presente caso, no qual há violação flagrante da intimidade da pessoa.

Secundando a doutrina italiana, a busca do interesse secundário do Estado (patrimonial), hoje, infelizmente, no Brasil, está acima do interesse primário (interesse público, o bem comum, o do povo), e a finalidade legal destoada das reais necessidades públicas. Segue-se a necessidade de o Judiciário, como órgão independente e imparcial, fazer seu papel de guardião dos direitos e garantias dos indivíduos, contra os desmandos de uma pletora de leis e de medidas provisórias inconstitucionais. Apenas o magistrado, sopesado o caso concreto, devidamente fundamentado e como atitude excepcional, poderá quebrar o sigilo bancário dos administrados.

Assim, em decorrência da análise prévia aqui procedida, defiro a liminar requerida, com o intuito de determinar a suspensão do procedimento fiscal nº 08103002001000881, decorrente da quebra do sigilo fiscal, decretando-o sigiloso.

Oficie-se à autoridade fiscal, comunicando-a do teor desta decisão.

Aponha-se na capa dos autos tarja indicadora do segredo de justiça, dada a natureza dos documentos entranhados, restringindo sua consulta às partes.

Requisitem-se as informações.

Após, vista ao Ministério Público Federal.

Intime-se.

Bauru, 20 de abril de 2001.

Heraldo Garcia Vitta

Juiz Federal

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