Crime fiscal

Artigo: Lei não pune a simples falta de recolhimento de tributos.

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2 de maio de 2001, 0h00

O objetivo deste estudo é formular proposições sobre as condições de aplicabilidade das normas que dispõem sobre os crimes contra a ordem tributária. Há quem afirme certas normas sobre crimes fiscais são inconstitucionais porque estabelecem hipóteses de aplicação de penas restritivas de liberdade em decorrência de simples dívida de natureza tributária.

Argumenta-se que essas hipóteses normativas de condutas criminosas chocam-se com o disposto no inciso LXVII, do art. 5º da Constituição Federal, o qual proíbe prisão por dívidas, salvo nas hipóteses que menciona. Além disso, e em decorrência do entendimento exposto, sustenta-se que certas figuras penais não guardam conformidade com o § 7º do art. 7º da “Convenção Americana sobre Direitos Humanos”, cujo texto foi aprovado pelo Decreto nº 678/92.

Como temos defendido, a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária repousa num pressuposto que nenhuma afinidade teleológica possui com o simples “deixar de recolher tributo devido”. De fato, partimos da pré-compreensão de que a lei existe para punir pessoas que mediante fraude deixam de cumprir obrigações tributárias. A lei não alcança o simples fato de alguém ser devedor de tributos, pois se assim fosse, seria destituída de razoabilidade, ferindo o princípio do devido processo legal em sua dimensão material. Tal postulado, o substantive due process of law, requer que as leis que tocam com a liberdade da pessoa humana possuam um motivo de fundo axiológico que reflita a repulsa da sociedade contra práticas que ofendem o ideal de justiça, razão de ser do direito. O simples fato de alguém “ser devedor de tributo”, não pode ser enquadrado nesta categoria.

Pois bem, as condutas definidas nas leis que dispõem sobre crimes contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90) só serão puníveis quando praticadas com dolo, isto é, quando o sujeito ativo da conduta descrita na norma penal age querendo produzir o resultado previsto na referida norma ou assume o risco de produzi-lo. Logo, não será punível a conduta que vier a produzir o fato típico descrito na lei, se ela deriva de imprudência, negligência ou imperícia, isto é, quando a conduta que produz o resultado é praticada com culpa e não com dolo. Essa interpretação decorre do disposto no parágrafo único do artigo 18 do Código Penal, o qual determina que: “salvo nos casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.

O dolo é elemento nuclear nos tipos penais de crimes contra a ordem tributária. Não se interpreta uma lei isoladamente. A Lei que define os crimes contra a ordem tributária deve ser entendida e aplicada necessariamente com o concurso das leis penais gerais, definidas no Código Penal. Não existe uma lei penal tributária que tenha outra raiz ontológica diferente das leis penais comuns.

Portanto, a lei não pune a simples falta de recolhimento de tributo. Pune a falta que decorre da adoção de meios fraudulentos (definidos em lei) para supressão ou redução de tributo devido. Os crimes contra ordem tributária são crimes materiais que requerem a produção de um resultado, aquele que importa em “suprimir ou reduzir tributo”. Esse é o entendimento que temos sustentado desde 1994, quando do advento da 1a edição do nosso Direito Penal Tributário, lançado pela Editora Atlas, e que foi confirmado em decisão proferida pela 1a Turma do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Habeas Corpus nº 75.495-2 DF, em 2 de dezembro de 1997.

Em face do exposto, concluímos que são duas as condições de aplicabilidade das normas que definem crimes contra a ordem tributária. Essas condições se implicam dialeticamente de modo que a primeira requer a existência de dolo, isto é, a vontade deliberada de produzir o resultado, mediante fraude, enquanto que a segunda requer demonstração da existência de um resultado, a supressão ou redução de tributo devido, e que este resultado tenha sido produzido mediante fraude. Trata-se de crime material e não de mera conduta. Não se pune simples dívida, pune-se a fraude, de modo que não há ofensa à lei Constituição Federal e nem a tratados internacionais.

As conclusões acima são inteiramente aplicáveis, mutatis mutantis, aos crimes contra a previdência social definidos nas Leis nºs 8.212/95 e 9.983/00.

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