Contradições

Advogado diz que Lei das S.A aprovada na Câmara é contraditória

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22 de junho de 2001, 0h00

O projeto alterando a Lei das S.A. (LSA), aprovado pela Câmara, está aguardando a apreciação do Senado. Essa é a oportunidade para que seu texto seja aprimorado e as imperfeições sanadas.

O texto aprovado na Câmara sabiamente buscou incorporar as inovações da prática societária, desde a vigência da LSA, bem como algumas modificações esperadas pelo mercado de valores mobiliários. No entanto, a excessiva preocupação com os grandes temas propostos pelo mercado (tag along, dividendo preferencial, eleição de administradores…) não permitiu aos autores do projeto a análise detalhada das peculiaridades das companhias fechadas (que são a maioria das sociedades anônimas existentes) e dos efeitos que algumas modificações consideradas menos relevantes podem trazer para as companhias.

Neste artigo, dois pontos do texto aprovado (eleição de administradores pelos minoritários e acordos de acionistas) são analisados, com o objetivo de mostrar essas imperfeições.

Minoritário e eleição de administrador

O voto múltiplo é o instrumento previsto na atual Lei das S.A. para que os minoritários com direito a voto elejam conselheiros de uma companhia. Como garantia adicional ao voto múltiplo, o artigo 141, parágrafo 4º da L SA concede ao minoritário, de companhias abertas e fechadas, com 20% das ações com direito a voto o direito de eleger um conselheiro, se não for possível elegê-lo pelo voto múltiplo.

O projeto em apreciação no Senado reduz esse percentual para 15%, e restringe essa possibilidade ao acionista de companhia aberta. Não há alterações nas regras de voto múltiplo, que deverá ser utilizado sempre que por meio dele os minoritários com direito a voto elejam mais do que um conselheiro.

Os minoritários preferencialistas, sem voto ou com voto restrito, de companhias abertas, passam a ter direito de eleger um conselheiro caso detenham ações representativas de 10% do capital social da companhia. Se nem os preferencialistas, nem os minoritários com direito a voto conseguirem eleger um conselheiro, eles poderão unir suas ações que, se totalizarem 10% do capital social, darão direito a eleição de um conselheiro. Esses direitos só poderão ser exercidos na assembléia geral ordinária de 2006. Até lá, a eleição de conselheiro com participação de acionista preferencialista se dará por meio de escolha de um dos nomes indicados pelo controlador, em lista tríplice.

Benéficas para os minoritários de companhias abertas, as modificações são prejudiciais aos minoritários de companhias fechadas, que só terão como se amparar no voto múltiplo, uma vez que a garantia de eleição de um conselheiro por minoritários (com e sem direito a voto) está agora restrita às companhias abertas.

Modificação ainda não comentada, mas muito prejudicial em companhias fechadas sem conselho de administração é a possibilidade de se eleger diretores pelo voto múltiplo. Ao contrário dos conselheiros, que participam de um órgão colegiado, no qual cada um deles tem direito a um voto, cada diretor exerce as funções atribuídas a ele pelo estatuto ou pelo conselho. Diretor presidente, financeiro e comercial têm atribuições específicas, que não se confundem e muitas vezes são indelegáveis. Como será definido qual dos cargos de diretoria será preenchido pelo diretor eleito por meio de voto múltiplo? A alteração proposta não traz resposta para essa questão.

Acordo com acionistas

O projeto traz inovações à disciplina dos acordos de acionistas, que em grande parte já vinham sendo reconhecidas pela jurisprudência, em relação a companhias fechadas. Aplicadas às companhias abertas, no entanto, essas inovações podem causar distorções indesejáveis.

A alteração mais relevante é a possibilidade de se regular o poder de controle, que é exercido por meio de voto (eleição da maioria dos administradores e preponderância nas deliberações da assembléia de acionistas) e pela utilização efetiva desse poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Em termos concretos, a mudança é a possibilidade de se regular a conduta dos administradores, uma vez que a celebração de acordos de voto já é permitida.

Os novos parágrafos 8º e 9º do artigo118 determinam, inclusive, que o presidente do conselho de administração não registre o voto proferido em infração a acordo de acionistas e que a parte prejudicada faça uso dos votos da conselheiro ausente ou que tenha se abstido de votar.

Essas regras são incompatíveis com o regime das companhias abertas. Nelas, mais do que nas fechadas, “o administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres” (artigo 154 parágrafo 1º da LSA).

Atualmente, o acordo de acionistas em companhias abertas, mesmo que estabelecendo regras sobre a conduta dos administradores, vincula apenas os acionistas, que se obrigam a fazer com que seus representantes na administração da companhia obedeçam o acordo. Qualquer descumprimento é resolvido entre os acionistas. Os administradores continuam obrigados a tomar decisões no melhor interesse da sociedade.

Como deverá o administrador agir após a entrada em vigor das novas regras? Seguir o acordo de acionistas, desconsiderando o melhor interesse da companhia, ou se recusar a cumprir esse acordo, no melhor interesse da companhia? A solução definitiva para essa questão só será dada pela jurisprudência alguns anos após a vigência das alterações. Nesse meio tempo, a insegurança jurídica irá prevalecer.

Como se vê, algumas das modificações propostas à LSA devem ser reformuladas levando em conta as características das companhias a que se aplicam. O Senado deveria aproveitar a oportunidade para suprir as deficiências do projeto aprovado pela Câmara.

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