Erro médico

Pedido de indenização por erro médico é negado por falta de provas

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22 de junho de 2001, 12h56

Erro médico precisa ser provado para a concessão de indenização por danos morais e estéticos. O entendimento é do desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Walter Felippe D’Agostino, ao negar indenização em uma apelação sobre negligência médica.

“O magistrado não é um especialista e, como afirmou a apelante, diante do temível espírito de corpo, não se deveria ter dispensado a produção da única prova capaz de formar, com isenção, o convencimento do julgador, que seria a pericial”, afirmou. Segundo ele, o processo chegou ao Tribunal sem que tivesse sido comprovada a conduta culposa do médico. “Infelizmente, criticar é mais fácil do que produzir”, disse.

De acordo com a decisão, o médico é, ao mesmo tempo, esperado e temido, amado e odiado simultaneamente. “É normal o inconformismo com as conseqüências de atos médicos, donde decorre a necessidade de cobrança direcionada ao profissional. Responsabilidades existem e devem ser exigidas, mas, para tanto, é preciso que fique caracterizada, extreme de dúvidas, a culpa do médico”, disse o desembargador.

Veja a decisão

Décima Quarta Câmara Cível

Apelação Cível Nº16715/2000

Relator: Desembargador Walter Felippe D’Agostino

Responsabilidade Civil – Erro Médico – Danos Moral e Estético.

A falta de prova do alegado erro grosseiro impossibilita a condenação por danos morais e estéticos. É essencial para a declaração da responsabilidade à comprovação segura da culpa em qualquer de suas formas, indemonstrada esta, improcede o pedido indenizatório.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 16715/2000, em que é Apelante Márcia Gutierres dos Santos e Apelado Romualdo José Monteiro de Barros.

Acordam, por de votos, os Desembargadores que compõem a Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em negar provimento ao recurso.

Adota-se, na forma regimental o relatório da sentença de fls.85/91 que julgou improcedente o pedido.

Irresignada apela à autora apresentando as razões de fls.93/100, postulando pela reforma do julgado sob a alegação no sentido de que a sentença não teria apreciado corretamente a prova dos autos, que estaria a demonstrar a conduta culposa do réu.

O recurso é tempestivo e isento de preparo. Há contra-razões prestigiando o julgado.

É o relatório.

A atividade do médico, como de regra, a de todo profissional liberal, é extremamente complexa, porquanto as prestações profissionais, o objeto e a forma sobre os quais são exercidas muito variam.

O exercício da atividade médica, sem dúvidas, envolve riscos e, em determinadas situações, alto risco. Os riscos são das doenças e, por extensão das condições do doente. Porém, por vezes, conseqüências podem envolver o médico, a quem está reservado o ofício de enfrentar os males do físico e da mente.

Ao exercer sua nobilíssima função, é de se exigir que deverá agir com esmero e eficiência, probidade e clareza suficientes, dissipando dúvidas. Toda cautela e firmeza devem ser invocadas para o pleno esclarecimento de situações de saúde, garantindo assim, respeito aos preceitos legais e morais, éticos e humanos, no relacionamento profissional.

O médico é, ao mesmo tempo, esperado e temido. Misto de admiração e temor é amado e odiado simultaneamente. É normal o inconformismo com as conseqüências de atos médicos, donde decorre a necessidade de cobrança direcionada ao profissional. Responsabilidades existem e devem ser exigidas, mas, para tanto, é preciso que fique caracterizada, extreme de dúvidas, a culpa do Médico, o seu erro.

O vocábulo erro possui larga sinonímia (falta, falha, engano, desacerto, equívoco, desvio, incorreção, inexatidão, entre outros significados). Mais. Muito mais que uma simples contingência é uma constante na vida humana. Erro pressupõe distanciamento do correto, divórcio do desejado, distorção do planejado. O erro médico significa, em última instância, contrariar o correto, descumprir o certo.

Encarando-se a doença como uma perversão do correto biológico, identificamos a doença como um erro da natureza. Ao médico, a responsabilidade de enfrentar os erros da natureza, corrigindo-os, quando possível. Encontra-se, certamente, em evidente desvantagem. Daí, de exigir-se dele a aplicação de conhecimentos adequados, das técnicas usuais disponíveis, probidade e zelo no trato dos enfermos. Aí residirá a distinção entre erro e insucesso. O erro está calcado na figura da culpa; o insucesso, na imponderabilidade biológica.

Não se evoluirá neste julgado discutindo-se a natureza da obrigação do médico, se é de meio ou de resultado, conceitos que até podem estar desatualizados, já que remonta a distinção aos primórdios do século passado, fruto do intelecto de Demogue que, segundo FROSSARD, teria sido elaborada, precipuamente, para resolver a questão da repartição do ônus da prova, na responsabilidade contratual. Ao nosso ver, à doutrina compete fixar a exata dimensão da obrigação do médico, diante da legislação em vigor.


“O que se torna preciso observar” – como o faz Aguiar Dias, em Da Responsabilidade Civil, Rio, Forense, 8ª edição, 1987, vol. I, pág. 299 – “é que o objeto do contrato médico não é a cura, obrigação de resultado, mas a prestação de cuidados conscienciosos, atentos e, salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência, na fórmula da Corte Suprema da França”. Citando frase de Ambrósio Paré, “Je les pansay. Dieu les guarit”, acrescenta considerar-se contrário ao costume ou à ética profissional assegurar o médico determinado resultado ao cliente, o que, no entanto, não influi na validade do compromisso desse teor, quando livremente por ele assumido.

Antonio ChavesTratado de Direito Civil, Responsabilidade, vol. III, S. Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, p.396 -, diz que não se obriga o médico a restituir a saúde ao paciente aos seus cuidados, mas a conduzir-se com toda a diligência na aplicação dos conhecimentos científicos, para colimar, tanto quanto possível, aquele objetivo.

“Logo” – pondera Ulderico Pires dos Santos, A Responsabilidade Civil na Doutrina e na Jurisprudência, Rio, Forense, 1984, pág. 361 – “para responsabilizá-lo pelos insucessos no exercício de seu mister que venham a causar danos aos seus clientes em conseqüência de sua atuação profissional é necessário que resulte provado de modo concludente que o evento danoso se deu em razão de negligência, imprudência, imperícia ou erro grosseiro de sua parte.”

O Código Civil posicionou a responsabilidade civil dos médicos e cirurgiões dentre as obrigações provenientes de atos ilícitos, nos termos do artigo 1.545.

Nada obstante isso, não se pode negar que, atualmente, a relação médico-paciente é uma relação contratualizada, tendência que Josserand já observava na jurisprudência francesa e que acabou por firmar-se, definitivamente, depois do famoso julgado de 20 de maio de 1936, da Câmara Civil da Corte de Cassação (apudAguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, Ed. Forense, 4ª ed., p. 294-5).

O direito positivo pátrio vê na relação médico-paciente uma relação de consumo, sendo o médico o fornecedor; o paciente, o consumidor e; o serviço prestado, o objeto dessa relação dispondo, como já o afirmamos linhas acima, que a responsabilidade civil dos profissionais liberais depende da verificação da culpa destes.

Logo, deve o médico, no exercício de sua atividade, utilizar adequadamente os seus conhecimentos, obrar com o zelo, com o cuidado, com a atenção devidos em relação ao seu paciente, com técnica. A não observância de alguma dessas diligências importará na violação da obrigação contratualmente assumida perante o paciente.

Não se trata, como adiante demonstrar-se-á, de discutir se a obrigação do médico é de meio ou se é de resultado, até porque pode ser de ambos. Esse profissional tem um compromisso maior com o paciente, o da qualidade dos serviços que presta.

Em artigo intitulado A Bioética e a Relação Médico-Paciente, publicado no periódico do Conselho Federal De Medicina, nº 109, setembro de 1999, p. 08/09, o Doutor Júlio César Meirelles Gomes – médico e conselheiro federal do CFM -, lembra que a relação médico-paciente, nos primórdios da Medicina, afigurava-se primorosa, solene e ocupava o ponto central da cena e que agora, na plena gestão da medicina científica, volta a ocupar lugar de destaque.

Professa que “antes de tudo, a atenção médica como uma forma de relação entre pessoas é provida do atributo mágico da afeição pela condição humana, prenhe de respeito e carinho pelo semelhante, e repousa no preceito basilar do cristianismo: ama a teu próximo como a ti mesmo”.

Diz, ainda, o articulista que “a relação do médico com o paciente vem a ser um momento agudo, quase emergencial nessa convivência fraterna marcada pela feição técnica de aplicação de conhecimentos específicos, cuja base é a fraternidade. Sem esse lastro, aquele atributo não dispõe de peso, mostra-se frio, isolado e deixa de ser benemerência para se tornar esmola. O cuidado que um ser humano pode dispensar a seu semelhante é, por natureza, vário e plural e uma das formas possíveis é exatamente a atenção médica”.

Esta introdução, talvez um pouco mais extensa do que o necessário, tem por finalidade compartilhar com as partes a visão serena e imparcial que deve ter o Magistrado da questão que, por sua própria natureza, é complexa, tormentosa e, por vezes, passional, pois não se ter sensibilidade para entender essa valoração ao ato médico que tem reflexos imediatos sobre a pessoa humana é reduzir esta à condição de coisa, retirando dela sua essência que é a dignidade.

Qualquer ato que atue sobre a pessoa humana, suas características fundamentais, sua vida, sua integridade física, sua saúde mental, deve obrigatoriamente subordina-se a preceitos éticos e aí, exatamente, é que se situa a atividade médica.


Os direitos humanos tão arduamente conquistados no sentido da defesa da pessoa e da vida devem estar necessariamente conjugados com a bioética.

O Eminente jurista patrício Dalmo de Abreu Dallari em artigo publicado pelo Conselho Federal de Medicina na Revista “Iniciação a Bioética”, fls.241, assim pontifica:

“Os direitos humanos não são uma nova moral nem uma religião leiga, mas são muito mais do que um idioma comum para toda a humanidade. São requisitos que o pesquisador deve estudar e integrar em seus conhecimentos utilizando as normas e os métodos de sua ciência, seja esta a filosofia, as humanidades, as ciências naturais, a sociologia, o direito, a história ou a geografia.

A consciência dos direitos humanos é uma conquista fundamental da humanidade. A Bioética está inserida nessa conquista e, longe de se opor a ela, ou de existir numa área autônoma que não a considera, é instrumento valioso para dar efetividade aos seus preceitos numa esfera dos conhecimentos e das ações humanas diretamente relacionadas com a vida, valor e direito fundamental da pessoa humana.”

O médico tem o dever de agir com diligência e cuidado no exercício da sua profissão, exigíveis de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica.

Analisando-se os autos e todos os documentos a ele anexados, vê-se que a digna Magistrada sentenciante, posto que sensível à dor e ao sofrimento da Autora, deu judiciosa solução à lide.

Assentada a responsabilidade civil do médico na culpa, esta haveria de ser cabalmente comprovada. A realidade processual, todavia, é bastante diversa.

Ao contrário do que sustenta a Apelante, a prova produzida nos autos, fls. 66/72 – ainda que entenda a Apelante resultado de corporativismo – afasta, por completo, eventual comportamento culposo do Réu que, segundo consta, adotou a terapêutica recomendada, à luz dos resultados dos exames (fls.10/11) que lhe foram apresentados. Ademais, não sendo o Magistrado um especialista e, como afirmou a Apelante, diante do temível espírito de corpo, não se deveria ter dispensado a produção da única prova capaz de formar, com isenção, o convencimento do julgador, que seria a pericial.

Destaque-se que, em que pese ter requerido a produção de prova pericial, não tendo sido deferida no Saneador de fls.56, manteve-se inerte à parte autora, conformando-se em não realizar perícia especializada para interpretação dos diagnósticos e laudos médicos.

Ademais, não se precisou nos autos a origem do problema referido pela Autora, isto é, se da mama para os pulmões e outros órgãos ou vice-versa.

Chegou o processo a julgamento sem que tivesse a Autora comprovado a conduta culposa do agente e, acima de tudo, o nexo de causalidade entre o seu atuar e o resultado danoso, ônus que lhe competia. Infelizmente, criticar é mais fácil do que produzir.

Adota-se, na forma regimental a análise da prova produzida na decisão recorrida, pois em sentido contrário nada foi trazido que a pudesse desconstituir.

Ausentes os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, outra solução não caberia ao Juízo, senão, julgar improcedente o pedido, o que fez com acerto e independência.

Pelos motivos assim expostos, nego provimento ao recurso.

Rio de Janeiro,

Desembargador Walter Felippe D’Agostino

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