Críticas permitidas

Funcionário público pode criticar instituição sem sofrer sindicância

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20 de junho de 2001, 0h00

O delegado de Polícia de São Paulo, Mauro Marcelo de Lima e Silva, não precisa mais explicar suas declarações sobre a falta de preparo da polícia para apurar crimes ligados à informática. A decisão é do Tribunal de Justiça de São Paulo, que mandou paralisar a sindicância instaurada pela Polícia Civil.

Mauro Marcelo foi convocado para prestar esclarecimentos por causa de uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo. Mas entrou com Mandado de Segurança para anular a sindicância. Ele foi representado pelos advogados Maria Antonietta Defina Lima e Silva e Maury Sérgio Lima e Silva.

Os advogados alegaram que o delegado manifestou sua opinião sobre fatos verdadeiros, sem gerar sentimentos preconceituosos contra a instituição policial. “Muito pelo contrário, apenas quis alertar para o grave problema técnico”. Também invocaram o artigo 5º, inciso IV, que trata da livre manifestação de pensamento.

O delegado é formado pela Academia Nacional do FBI e pós-graduado em Justiça Criminal pela Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos. Nos últimos 12 anos, tem se especializado em crimes de alta tecnologia. No pedido para anular a sindicância, reafirmou a declaração feita ao jornal sobre a falta de preparo da polícia para apurar crimes pela Web.

“Tanto isto é verdade que em recente levantamento estatístico, efetuado pela própria Polícia do estado de São Paulo, constatou-se que menos de 3% das ocorrências são solucionadas, e estes dados referem-se somente aos crimes comuns, imagina-se o que acontece com os crimes de alta tecnologia”.

A Justiça paulista acredita que o delegado não fez alusão a um fato específico e nem à repartição determinada. “Manifestou-se como interessado na evolução da instituição”, afirma a sentença.

Veja a decisão.

Apelação Cível nº 132.666.5/5-00 – São Paulo

Apte(s): Mauro Marcelo de Lima e Silva

Apdo(s): Delegado Geral de Polícia do Estado de São Paulo

Voto nº 13.479

Mandado de Segurança – Delegado de Polícia – Crimes ligados a Informática – Instauração de sindicância administrativa – Manifestação de opinião através da Imprensa sobre despreparo e Ineficiência da polícia – Presença de interesse na evolução tecnológica e do conhecimento – Ausência de Incriminação – Recurso provido para conceder a segurança paralisando-se a sindicância.

1. Cuida-se de mandado de segurança, impetrado por Mauro Marcelo de Lima e Silva, Delegado de Polícia, contra ato do Sr. Delegado Geral de Polícia do Estado de São Paulo, consistente em instaurar sindicância administrativa, por haver manifestado, através da imprensa, opinião, reportando-se ao despreparo e ineficiência da polícia para investigar crimes ligados à informática.

A ordem foi denegada pela r. sentença de fls. 194/201, extinguindo-se o processo com julgamento do mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil.

Recorre o autor, pugnando pela concessão da ordem (fls. 210/225).

Contra-razões às fls. 237/239 e parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça pelo provimento (fls. 245/247).

É o relatório.

2. Instaurou-se sindicância contra o impetrante, pela portaria autuada à fl. 49, objetivando apurar eventuais responsabilidades, por haver “tecido comentários sobre o despreparo da Polícia Civil para enfrentar crimes praticados com auxílio da informática” gerando a publicação no jornal “Folha de São Paulo”, edição de 22 de novembro de 1998, com o título “Polícia está despreparada, diz delegado”.

Extinguindo o processo, com apreciação do mérito (art. 269, I, do C.P.C) o MM. Juiz fundamentou-se em que seja “necessário o exame aprofundado da prova fática, a fim de definir-se de início, como fato logicamente antecedente, se o escrito jornalístico proveio do impetrante, ou se foi objeto de distorção, mesmo que involuntária, de parte do jornalista que elaborou a matéria” (fl. 200).

“Data venia”, a decisão está equivocada.

Na verdade, não é oportuno perquirir-se sobre a titularidade ou não do pensamento e expressão, pois, o núcleo do pedido pressupõe a autoria. À fl. 10 da inicial, o autor foi claro, repudiando o que denomina de censura ao direito de expressão.

A segurança precisa ser concedida, por dois relevantes fundamentais. O primeiro, pela tipificação das transgressões e dos deveres do policial civil. O artigo 62m II da Lei Complementar nº 207/79 dispõe ser dever do policial civil “ser leal às instituições”. Ora, ser leal, pode significar a possibilidade de lançar apelos ao reparo de suas lacunas.

O artigo 63, XXII, da mesma Lei Complementar nº 207/79, considera transgressão “divulgar ou propiciar a divulgação, sem autorização da autoridade competente, através da imprensa escrita, falada ou televisada, de fato ocorrido na repartição”. O impetrante não fez alusão a um fato específico e nem à repartição determinada. Manifestou-se como interessado na evolução da instituição e, neste contexto, mereceria até encômios. O segundo fundamento é de maior realce, porque está contido na Carta Magna:

“Art. 5º – …

IV – é livre a manifestação do pensamento. Sendo vedado o anonimato;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivos da crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença.”

No silêncio da manifestação e na inércia da evolução tecnológica e do conhecimento, por conseqüência, estar-se-ia diante do inarredável retrocesso do aparelho estatal.

Com inegável pertinência, rebelou-se o impetrante, até mesmo não reconhecendo ser o caso de sindicância (fls. 98/98), porque em nada poderia estar sendo incriminado, uma vez que, a seu amparo, os éditos constitucionais não permitem a glosa imposta, com inegáveis prejuízos à própria Instituição.

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso para conceder a segurança, nos termos do pedido, paralisando-se a sindicância.

Afonso Faro

Relator

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 132.666-5/5-00. da Comarca de São Paulo, em que é apelante Mauro Marcelo de Lima e Silva. sendo apelado Delegado Geral da Polícia do Estado de São Paulo:

Acordam, em Sexta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “deram provimento ao recurso, v. u.”, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que integram este acórdão.

O julgamento teve a participação dos desembargadores José Habice e Vallim Bellocchi.

São Paulo, 21 de Maio de 2001.

Afonso Faro

Presidente e Relator

Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2001.

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