Plano de Racionamento

Veja a ação que pede a constitucionalidade do plano de energia

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19 de junho de 2001, 14h05

O Supremo Tribunal Federal deve votar, na próxima semana, a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 9, impetrada pelo governo. O advogado-geral da União, Gilmar Mendes, não acredita que a ADC nº 9 será rejeitada. Mas afirma que uma das partes do Plano de Racionamento pode até não ser acatada pelo STF. Mendes fará a sustentação de defesa da ADC no Supremo.

Veja, na íntegra, a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 9

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, vem à ilustrada presença de Vossa Excelência, com fulcro nas disposições do § 4º do artigo 103 da Constituição da República, propor a presente

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

em face das disposições contidas nos artigos 14 a 18 da Medida Provisória n.º 2.152-2, de 01 de junho de 2001, a qual revogou a Medida Provisória n.º 2.148-1, de 22 de maio de 2001 (Anexos 1 e 2).

Os referidos artigos da Medida Provisória n.º 2.152-2, de 2001 (“Cria e instala a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, do Conselho de Governo, estabelece diretrizes para programas de enfrentamento da crise de energia elétrica e dá outras providências) dispõem:

“Art. 14. Os consumidores residenciais deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a:

I – cem por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, para aqueles cuja média de consumo mensal seja inferior ou igual a 100 kWh; e

II – oitenta por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, para aqueles cuja média de consumo mensal seja superior a 100 kWh, garantida, em qualquer caso, a meta mensal mínima de 100 kWh.

§ 1o Na impossibilidade de caracterizar-se a efetiva média do consumo mensal referida neste artigo, fica a concessionária autorizada a utilizar qualquer período dentro dos últimos doze meses, observando, sempre que possível, uma média de até três meses.

§ 2o Os consumidores que descumprirem a respectiva meta mensal fixada na forma do caput ficarão sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica.

§ 3o O disposto no § 2o não se aplica aos consumidores que, no mesmo período, apresentarem consumo mensal inferior ou igual a 100 kWh.

§ 4o A suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o § 2o observará as seguintes regras:

I – a meta fixada na forma de Resolução da GCE será observada a partir da leitura do consumo realizada em junho de 2001;

II – será o consumidor advertido, por escrito, quando da primeira inobservância da meta fixada na forma do caput;

III – reiterada a inobservância da meta, far-se-á, após quarenta e oito horas da entrega da conta que caracterizar o descumprimento da meta e contiver o aviso respectivo, a suspensão do fornecimento de energia elétrica, que terá a duração:

a) máxima de três dias, quando da primeira suspensão do fornecimento; e

b) mínima de quatro dias a máxima de seis dias, nas suspensões subseqüentes.

§ 5o A GCE poderá estabelecer prazo e procedimentos diversos dos previstos nos §§ 1o, 2o e 4o deste artigo.

Art. 15. Aplicam-se aos consumidores residenciais, a partir de 4 de junho de 2001, as seguintes tarifas:

I – para a parcela do consumo mensal inferior ou igual a 200 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL;

II – para a parcela do consumo mensal superior a 200 kWh e inferior ou igual a 500 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da ANEEL acrescida de cinqüenta por cento do respectivo valor;

III – para a parcela do consumo mensal superior a 500 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da ANEEL acrescida de duzentos por cento do respectivo valor.

§ 1o Aos consumidores residenciais cujo consumo mensal seja inferior à respectiva meta conceder-se-á bônus individual (Bn) calculado da seguinte forma:

I – para o consumo mensal igual ou inferior a 100 kWh, Bn=2(Tn-Tc), onde:

a) Tn corresponde ao valor, calculado sobre a tarifa normal, da respectiva meta de consumo, excluídos impostos, taxas e outros ônus ou cobranças incluídas na conta; e

b) Tc corresponde ao valor tarifado do efetivo consumo do beneficiário, excluídos impostos, taxas e outros ônus ou cobranças incluídas na conta;

II – para o consumo mensal superior a 100 kWh, Bn será igual ao menor valor entre aquele determinado pela alínea “c” deste inciso e o produto de CR por V, sendo:

a) CR=s/S, onde s é a diferença entre a meta fixada na forma do art. 14 e o efetivo consumo mensal do beneficiário, e S é o valor agregado destas diferenças para todos os beneficiários;

b) V igual à soma dos valores faturados em decorrência da aplicação dos percentuais de que tratam os incisos II e III do caput deste artigo e destinados ao pagamento de bônus, deduzidos os recursos destinados a pagar os bônus dos consumidores de que trata o inciso I deste parágrafo;


c) o valor máximo do bônus por kWh inferior ou igual à metade do valor do bônus por kWh recebido pelos consumidores de que trata o inciso I deste parágrafo.

§ 2o O valor do bônus calculado na forma do § 1o não excederá ao da respectiva conta mensal do beneficiário.

§ 3o A GCE poderá alterar as tarifas, os níveis e limites de consumo e a forma do cálculo do bônus de que trata este artigo.

§ 4o Os percentuais de aumento das tarifas a que se referem os incisos II e III do caput não se aplicarão aos consumidores que observarem as respectivas metas de consumo definidas na forma do art. 14.

§ 5o Caberá às concessionárias distribuidoras, segundo diretrizes a serem estabelecidas pela GCE, decidir sobre os casos de consumidores residenciais sujeitos a situações excepcionais.

Art. 16. Os consumidores comerciais, industriais, do setor de serviços e outras atividades enquadrados no grupo B constante do inciso XXIII do art. 2o da Resolução ANEEL no 456, de 2000, deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a oitenta por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000.

§ 1o Caso o consumo mensal seja inferior à meta fixada na forma do caput, o saldo em kWh, a critério do consumidor, será acumulado para eventual uso futuro ou a distribuidora poderá adquirir a parcela inferior à meta, através de mecanismo de leilões na forma a ser regulamentada pela GCE.

§ 2o Caso o consumo mensal seja superior à meta fixada na forma do caput, a parcela do consumo mensal excedente será adquirida junto às concessionárias distribuidoras ao preço praticado no MAE ou compensada com eventual saldo acumulado na forma do § 1o.

§ 3o Os consumidores que descumprirem a respectiva meta fixada na forma do caput ficarão sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica, caso inviabilizada a compensação prevista no § 2o.

§ 4o A suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o § 3o terá como critério de aplicação de um dia para cada três por cento de ultrapassagem da meta.

§ 5o A GCE poderá alterar os critérios e parâmetros fixados neste artigo em razão de eventual modificação da situação hidrológica ou de outras circunstâncias relevantes.

Art. 17. Os consumidores comerciais, industriais e do setor de serviços e outras atividades enquadrados no grupo A constante do inciso XXII do art. 2o da Resolução ANEEL no 456, de 2000, deverão observar metas de consumo de energia elétrica correspondentes a percentuais compreendidos entre setenta e cinco e oitenta e cinco por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, na forma estabelecida pela GCE, que disporá inclusive sobre as hipóteses de regime especial de tarifação e de suspensão e interrupção do fornecimento de energia elétrica decorrentes do descumprimento das respectivas metas.

Art. 18. Os consumidores rurais deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a noventa por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000.

§ 1o Os consumidores que descumprirem a respectiva meta fixada na forma do caput ficarão sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica.

§ 2o À suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o § 1o será aplicado o critério de um dia para cada seis por cento de ultrapassagem da meta.”

I) DA LEGITIMAÇÃO ATIVA

O Presidente da República possui legitimação ativa para propor a presente ação declaratória, consoante o disposto no § 4º do art. 103 da Carta da República e no inciso I do art. 13 da Lei n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999.

II) DA CONTROVÉRSIA JUDICIAL RELEVANTE

Consoante o disposto no art. 14, III da Lei n.º 9.868, de 1999, a petição inicial da Ação Declaratória de constitucionalidade deve demonstrar a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação.

Gilmar Ferreira Mendes, dissertando sobre a ação declaratória de constitucionalidade, discorre acerca da existência de controvérsia judicial, afirmando logo no início que: “Há de se configurar, portanto, situação hábil a afetar a presunção de constitucionalidade, que é apanágio da lei.” (MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n.º 9.868, de 10-11-1999. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 265).

Desse modo, há de existir controvérsia jurídica ou decisões judiciais acerca da legitimidade constitucional da norma que acabem por fragilizar a própria aplicação do diploma legal, resultando em flagrante incerteza quanto à norma a ser observada. Mas, note-se que o número de decisões prolatadas não interfere na configuração da controvérsia judicial. Pouco importa se foram proferidas 100, 50, 5 ou 2 decisões. O que realmente importa é que as decisões em si já tragam um estado de incerteza sobre a conduta a ser adotada, numa vulneração da presunção constitucionalidade de que são detentores os atos normativos primários.


Assim é que ensina Gilmar Mendes:

“A tentativa de resolver a controvérsia com dados estatísticos revela-se completamente inadequada. A questão parece estar a merecer um outro enfoque. A exigência quanto à configuração de controvérsia judicial ou de controvérsia jurídica (Rechtsstreitigkeit) associa-se não só à ameaça ao princípio da presunção de constitucionalidade – esta independe de um número quantitativamente relevante de decisões de um e de outro lado (, mas também e, sobretudo, na invalidação prévia de uma decisão tomada por segmentos expressivos do modelo representativo. A generalização de decisões contrárias a uma decisão legislativa não inviabiliza – antes recomenda – a propositura da ação declaratória de constitucionalidade. É que a situação de incerteza, na espécie, decorre não da leitura e da aplicação contraditória de normas legais pelos vários órgãos judiciais, mas da controvérsia ou dúvida que se instaura entre os órgãos judiciais, que de forma quase unívoca adotam uma dada interpretação, e os órgãos políticos responsáveis pela edição do texto normativo.

É fácil ver, pois, que o estabelecimento de uma comparação quantitativa entre o número de decisões judiciais num ou noutro sentido, com o objetivo de qualificar o pressuposto de admissibilidade da ação declaratória de constitucionalidade, contém uma leitura redutora e equivocada do sistema de controle abstrato na sua dimensão positiva.

Parece elementar que se comprove a existência de controvérsia sobre a aplicação da norma em sede de ação declaratória de constitucionalidade, até mesmo para evitar a instauração de processos de controle de constitucionalidade antes mesmo de qualquer discussão sobre eventual aplicação da lei.

A questão afeta a aplicação do princípio de separação dos poderes em sua acepção mais ampla. A generalização de medidas judiciais contra uma dada lei nulifica completamente a presunção de constitucionalidade do ato normativo questionado e coloca em xeque a eficácia da decisão legislativa. A ação declaratória seria o instrumento adequado para a solução desse impasse jurídico-político, permitindo que os órgãos legitimados provoquem o Supremo Tribunal Federal com base em dados concretos e não em simples disputa teórica.

Assim, a exigência de demonstração de controvérsia judicial há de ser entendida, nesse contexto, como atinente à existência de controvérsia jurídica relevante capaz de afetar a presunção de legitimidade da lei e, por conseguinte, a eficácia da decisão legislativa.” (MENDES, op. cit., p. 269-270).

Os documentos que compõem os ANEXOS 3 a 11 comprovam de forma inequívoca a controvérsia judicial relevante, por meio de diferentes entendimentos e aplicações em casos concretos por diversos órgãos do Poder Judiciário em relação à mesma matéria legal, isto é, quanto à legitimidade da cobrança da tarifa especial (nas hipóteses em que a Medida Provisória especifica) e quanto à possibilidade de suspensão temporária do fornecimento de energia elétrica previstos na Medida Provisória editada com força de lei.

Inicialmente, destacam-se decisões proferidas ainda quando vigente a Medida Provisória n.º 2.148-1, de 22 de maio de 2001. Em todos os casos, objetiva-se paralisar os programas emergenciais de racionalização do consumo de energia, que foram estabelecidos pelo Governo Federal para se evitar um prejuízo maior à sociedade.

Até o momento, já foram propostas 127 (cento e vinte e sete) ações judiciais, com 28 (vinte e oito) liminares concedidas e 9 (nove) liminares indeferidas. Só no estado de São Paulo estão em andamento mais de 70 (setenta) ações, o que gera grande incerteza jurídica à toda sociedade brasileira, razão por que necessário se faz o conhecimento da presente ação declaratória colocando-se, definitivamente, termo à polêmica judicial instaurada.

Os ANEXOS 5 a 9 contêm reproduções fiéis de algumas dessas decisões judiciais, em sede de jurisdição liminar, provisória e antecipadora de tutela, proferidas em Ações Civis Públicas, em Mandados de Segurança e em Ações Ordinárias, por juízos federais de 1º grau, ora declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade, ora reconhecendo a constitucionalidade das mesmas disposições legais, conforme a seguir será demonstrado.

A título de ilustração e com o intuito de comprovar a existência do pressuposto processual específico de cabimento da ação declaratória de constitucionalidade – a controvérsia judicial relevante -, destacar-se-ão trechos das decisões proferidas pelos Órgãos Judiciários das Comarcas de Marília-SP (anexo 5), do Rio de Janeiro – Vara de Falência e Concordata (Anexo 6) e Justiça Federal (Anexo 8), Minas Gerais (Anexo 7), e Goiás (Anexo 9), estão assim fundamentadas:

ANEXO 5 – Tutela antecipada concedida pela 2ª Vara Federal em Marília-SP


AÇÃO CIVIL PÚBLICA n.º 2001.61.11.001422-9

“Neste passo, a MP 2.148-1, violou uma cláusula pétrea, na medida em que o artigo 5º, inc. XXXII da CF, determina ao Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Com fulcro neste dispositivo constitucional, inserido no núcleo imodificável da Constituição da República, o dever do Estado é indeclinável, e se a Administração Pública, representando aqui o Poder Executivo, não faz valer esta norma, cabe ao Poder Judiciário como integrante do próprio Estado, determinar o seu cumprimento, promovendo de forma concreta a defesa do consumidor, através da aplicação da lei que está em vigor em que os protege.

Desta forma, inaplicável o artigo 25, caput, da precitada MP, pois agride a Constituição Federal, na medida em que tendente a abolir um direito individual, imodificável até mesmo por emenda constitucional.

Tendendo o referido ato administrativo impor sobretaxas sobre o valor do consumo de energia (valor encontrado pela administração segundo critério por ela mesmo confeccionado, consistente na média do consumo de três meses do ano de 2000), bem como na ameaça de cortes de energia, veio o Poder Público, a ferir o princípio da isonomia, ao contraditório e ampla defesa, a proibição de confisco da propriedade, outra solução não restando senão a de declarar sua incompatibilidade com o sistema constitucional.

Existe afronta ao princípio da isonomia pois o critério utilizado pela Câmara de Gestão, que elegeu os meses de maio, junho e julho do ano de 2000, estes para servirem de média de consumo para aplicação de sobretaxas e cortes de energias, não leva em conta as particularidades dos indivíduos que em determinadas situações especialíssimas, voluntárias ou involuntárias, previsíveis ou imprevisíveis, ou em momentos esperados ou inesperados, exigem maior ou menor consumo de energia.

Ainda, critério eleito foi mesmo imposto unilateralmente pelo Poder Público em verdadeira intervenção federal em contratos de natureza privada, sem amparo constitucional ou legal, em inaceitável ofensa ao direito individual acima referido.

Existe, igualmente, agressão ao princípio do contraditório e da ampla defesa, na medida em que ninguém poderá ser privado da liberdade ou de seus bens (e neste termo acha-se incluído os valores monetários a serem cobrados a título de sobretaxa ou multa), sem o devido processo legal, ou seja, não se pode aplicar a sobretaxa ou cortar a energia elétrica, sem que antes se ofereça oportunidade para que o indivíduo se defenda, pois, a uma, o mesmo não deu causa a crise do setor elétrico, a duas porque não houve inadimplemento de sua parte, o que, também revela incompatibilidade material entre o código de defesa do consumidor e o disposto nos artigos da MP 2.148-1.

Por último, a natureza confiscatória das sobretaxas ou multas, que além de serem excessivas, configuram aumento abusivo do preço de energia, não amparado em lei, e, ainda, com a agravante de ser imposta cumulativamente com o corte de fornecimento, o que configura dupla punição, de natureza ditatorial. (……)

Face ao exposto, declaro, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do artigo 14, incisos e parágrafos e artigo 25, todos da Medida Provisória nº 2.148-1, bem como o contido na Resolução nº 4, de 22.5.2001 da GCE, e CONCEDO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, determinando a imediata suspensão dos referidos preceitos, e que as rés não promovam ou determinem para as concessionárias o corte de energia elétrica e a cobrança de sobretaxas, em caso do consumidor desrespeitar o consumo médio imposto pelos critérios veiculados no ato administrativo.”

ANEXO 6 – Antecipação de tutela deferida pelo Juízo de Direito da 3ª Vara de Falências e Concordatas da Comarca do Rio de Janeiro

AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

Processo nº 61.191

“A energia elétrica, considerada essencial pela lei, é um produto de consumo elástico e de vital importância para todos os consumidores, tanto assim que a Lei nº 8.078/90 (CDC), pelo seu art. 22, dispõe que “Os Órgãos Públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Como está demonstrado nestes autos, com a sobretarifação, pretende-se impor uma divisão de responsabilidades geradora de incomensurável injustiça social, pondo em perigo a manutenção do orçamento de cada família consumidora, além de outros aspectos nocivos à coletividade. Detalhadamente descritos na inicial.

Entendo, portanto, que estão presentes os requisitos para antecipar, liminarmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, pois, existindo prova inequívoca, estou convencido da verossimilhança das alegações do autor, havendo, ainda, receio de dano irreparável ou de difícil reparação.


Por esses motivos, defiro a liminar, tal como requerida.”

ANEXO 7 – 12ª VF Seção Judiciária de MG

AÇÃO CIVIL PÚBLICA nº 2001.38.00.016367-5

“Pois bem, conforme o art. 5º, inciso XXXII da Constituição da República foi determinado que ‘O Estado promoverá, na forma da Lei, a defesa do consumidor’ e ainda no mesmo artigo 5º, agora em seus inciso XXXV foi estabelecido que ‘A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’.

Ora uma breve leitura de tais dispositivos deixa patente a contrariedade da regra disposta na Medida Provisória a estes comandos constitucionais, ou seja, na medida em que afasta a aplicação do Código de defesa do Consumidor para as situações decorrentes do disposto na Medida Provisória ou das normas e decisões da GCE, ao invés de estar promovendo a Defesa do Consumidor, está o Estado adotando medida frontalmente contrária ao comando da Constituição da República.

(…)

E mais, a determinação também afronta de forma acintosa o comando também de índole constitucional que determina a não exclusão de apreciação do Judiciário de lesão ou ameaça de lesão, já que ao ‘afastar’ a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor não se está revogando a lei ou derrogando alguns de seus artigos, mas sim expungindo aqueles precisos e declarados casos de uma apreciação judicial, é como que uma licença para afrontar o consumidor sem que disto resulte um ressarcimento em Juízo, o que me parece clara e inequívoca afronta à Constituição da República.

Assim, com estas observações, entendo por bem, diante da inconstitucionalidade dos artigos 25 e 26 da Medida Provisória 2.148-1, de 22 de maio, proceder à análise do caso à luz das disposições legais do Código de Defesa do Consumidor e das Lei n.ºs 8.987/95 e 9.427/96.

O cerne da questão posta nestes autos, conforme alhures mencionado, se circunscreve à possibilidade ou impossibilidade de exigência da sobretarifa de 50% e 200% a ser exigida dos consumidores que vierem a consumir mais do que 200 kwh por mês a partir de 04 de junho próximo, no esforço de racionamento de energia elétrica previsto pelo Governo Federal.

Parece-me inadequada a exigência.

(…)

Perscrutando a natureza jurídica da denominada sobretarifa, abrem-se dois caminhos a percorrer, o de admiti-la como um acréscimo da tarifa e assim de índole negocial, ou de admiti-la como possuidora de natureza diversa de tarifa e por isso com índole tributária, todavia, mesmo que não se vislumbre com clareza a natureza jurídica, constato que em qualquer das possibilidades carece de embasamento legal.

Examino as duas possibilidades.

Admitindo-se em relação ao acréscimo ora em estudo a existência de índole tributária, e para tanto considerando que haveria uma exigência do pagamento de um acréscimo além do preço do Kwh a ser exigido de forma compulsória de todo consumidor que utilizasse mais de 200Kwh por mês, e também considerando o fato de que o produto de sua arrecadação não se destinaria à contraprestação do serviço prestado mas sim à constituição de dois fundos, um para despesas das concessionárias e outro para o pagamento de bônus a consumidores não haveria como afiançar a legalidade da exigência.

É que os tributos não podem ser exigidos sem a observação dos princípios constitucionais que os limitam (legalidade, não surpresa, isonomia, irretroatividade, vedação do confisco), e, assim, a exigência do tributo configuraria afronta ao princípio da não surpresa, já que exigido no mês seguinte ao que instituído, atentando também contra a disposição válida para todos os consumidores do Estado de Minas Gerais, conforme os artigos 93, II e 103 do Código de Defesa do Consumidor.

ANEXO 8 – Antecipação de tutela deferida – JF do Rio de Janeiro

AÇÃO ORDINÁRIA n.º 2001.51.01.008.058-4

“Se antes mesmo da Constituição de 1988, a legislação brasileira já deferia alguma proteção aos consumidores, é imperioso dizer que a partir de 1988 tal tutela foi sumamente ampliada, especialmente diante do disposto no art. 5º, inciso XXXII (a promoção da defesa do consumidor) e do art. 170, inciso V (princípio de tutela e proteção dos interesses do consumidor), da Constituição Federal brasileira.

(…)

…vê-se, com nitidez que as normas constantes dos artigos 13, 14 e 15 da medida provisória, em um juízo preliminar, violam os preceitos constitucionais pois não cumprem a determinação constitucional de proteção ao consumidor. Ao contrário: o Estado pretende sancionar o consumidor pura e simplesmente por motivos e causas totalmente alheias à vontade e, ao contrário, provocadas pela inércia da Administração Pública.

O artigo 25, da medida provisória n.º 2.148-1, que expressamente afasta a aplicação da Lei n.º 8.078/90 (o festejado Código de Defesa do Consumidor) é, dessarte, inconstitucional e, logicamente, não-produtor dos efeitos de revogação parcial ou suspensão do CDC.


(…..)

Relativamente às sobretaxas, necessário se faz trazer à colação o previsto no artigo 13 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (fixação de tarifas diferenciadas em razão das características técnicas e dos custos específicos oriundos do atendimento aos diferentes segmentos de usuários), em conformidade com o parágrafo único do art. 175, da Constituição de 1988.

Em total dissonância com tais regras o art. 15 da Medida Provisória nº 2.148-1, cria sobretaxas para fins de punição do usuário/consumidor que, no entanto, apenas realizou a atividade e consumo de energia elétrica que regularmente paga, não alicerçada no texto constitucional.

(…)

Desse modo, considerando a presença dos pressupostos do art. 173, do Código de Processo Civil, CONCEDO a antecipação de tutela para o fim de determinar que a concessionária do serviço de energia elétrica se abstenha de impor as medidas previstas nos arts. 13 a 15, da Medida Provisória nº 2.148-1.”

Por último, cumpre destacar a decisão proferida pelo Poder Judiciário da Seção Judiciária de Goiás, em sentido contrário, isto é, deixou de deferir a medida cautelar liminarmente em mandado de segurança, por reconhecer a constitucionalidade das medidas de contenção do consumo de energia elétrica, verbis:

ANEXO 9: JF Seção Judiciária de Goiás

Mandado de Segurança n.º 2001.35.00.008357-8

“Ora, tratando-se de serviços essenciais, não poderiam os órgãos públicos, direta ou indiretamente, deixar de fornecê-los de forma adequada, eficiente, segura e contínua, como bem expressa a carta de direitos do consumidor.

Entretanto, a hipótese merece análise mais acurada. Evidentemente, não se trata de compelir a observância de obrigação possível de ser executada, pois o programa emergencial inaugurado destina-se, em linhas gerais, a compatibilizar a demanda de energia com a oferta.

Em atenção a este aspecto particular é que a apreciação não deve ser açodada. Pois bem, da mesma forma que alguém não pode obrigar-se a prestar fato ou realizar obrigação impossível, porquanto o ato jurídico é nulo, conforme anota o art. 145, II, do Código Civil, não se pode exigir o seu cumprimento, devendo-se converter a espécie ajustada em seu valor pecuniário. Sendo obrigação de fazer, ou seja, obrigação de fornecer energia elétrica de forma contínua, o seu inadimplemento convolar-se-á em indenização por perdas e danos. Quanto à temática, o Código do Consumidor se expressa da seguinte forma:

‘Art. 84 – (…….)’

Não se olvida tratar-se de fornecimento de insumo essencial à co-existência social. O foco da questão, entretanto, e como já assinalado, é outro. A oferta atual de energia não é suficiente para a demanda. Essa é a questão! Se, de um lado, a obrigação do fornecedor é incontestável e impostergável, de outro, o objeto da obrigação não é suficiente para todos os consumidores.

Assim é que o magistrado deverá estar atento particularmente à orientação de uma interpretação consentânea aos fins sociais da lei. Em outras palavras, não sendo possível o atendimento dos justos reclames de todos os consumidores, pela absoluta e notória ausência de ‘mercadoria’ suficiente, dever-se-á concedê-la somente àqueles que demonstrarem, satisfatoriamente, qualquer afronta ao mais elementar dos direitos subjetivos: a vida. Neste particular, estão incluídos os hospitais, as residências com pessoas doentes e dependentes de equipamentos movidos à energia elétrica, bem como as demais situações específicas, que deverão ser analisadas, caso a caso, diante da enorme complexidade do tema.

4.- Do acréscimo da tarifa.

4.1.- Apreciando o tema relativo às receitas industriais e comerciais, Alberto Deodato assinala em seu manual o seguinte: ‘VI – O Estado vende os seus s erviços por meio de tarifas fixas ou variáveis. Confundem-se os nomes tarifa e taxa. Mas, tecnicamente, são coisas diferentes. A Tarifa é a tabela de cobrança por unidade de serviço. O preço assenta-se sobre a tarifa. Pode ser: proporcional, gradual e única’.

Trata-se, evidentemente, de um preço público. A adjetivação do preço, dizendo-o público, assinala que o Estado deve fixá-lo conforme a necessidade da população e o seu interesse em incrementar, ou não, o tráfico comercial da mercadoria ou serviço. A proporcionalidade ou graduação deste mesmo preço poderá observar os critérios de seletividade e capacidade de pagamento do consumidor. No caso, quanto maior o consumo, mais justificável se torna a presunção, iuris tantun, da capacidade de pagamento. Aliás, a graduação do preço do fornecimento de energia elétrica já é prática no mercado nacional e internacional, diferenciado-se àquela destinada às atividades industriais, comerciais e residenciais. Aliás, a título de exemplo, embora se trate de matéria absolutamente diversa, reconhece-se a plausibilidade da progressão da tabela do imposto de renda, calcada justamente na capacidade contributiva presumida.


Assim, a alteração da tarifa encontra-se guarnecida pela Medida Provisória n.º 2.147, editada em 15/05/2001 (atual MP 2.152-2), mesmo porque, o que é raro na espécie, veiculada com atendimento aos requisitos de relevância e urgência.

(…)

Ante o exposto, DENEGO A LIMINAR.”

Vale destacar que, muito embora algumas das decisões anexas por vezes se refiram apenas a alguns dos dispositivos defendidos na presente Ação, a discussão em torno da constitucionalidade dos artigos em tela encontra-se diretamente interligada. Com efeito, conforme se verá, não se pode discutir cobrança da tarifa especial nem a suspensão do fornecimento de energia elétrica sem que se analise a questão concernente à meta de consumo. O debate em torno da constitucionalidade de um dos dispositivos aqui examinados enseja, necessariamente, a discussão quanto aos de mais. A controvérsia constitucional instaurada acerca de um desses artigos (arts. 14-18), inevitavelmente, projeta-se em relação aos outros.

Como se não bastassem as decisões e as considerações acima desenvolvidas, resta configurada a controvérsia judicial a autorizar o conhecimento da presente Ação a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.468 (Rel. Ministro Néri da Silveira), que objetiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Medida Provisória n.º 2.152-2, de 2001:

– incisos VII e IX do art. 2º;

– inciso V do art. 5º;

– §§ 2º, 4º e 5º do art. 14;

– art. 15;

– §§ 3º e 4º do art. 16;

– art. 17;

– §§ 1º e 2º do art. 18;

– art. 20;

– art. 21;

– art. 22;

– art. 23.

Verifica-se, portanto, que a referida Ação Direta de Inconstitucionalidade tem como objeto os arts. 14 a 18, cuja declaração de constitucionalidade ora se requer na presente Ação, abarcando por completo toda a controvérsia judicial aqui levantada.

Por fim, todo o debate público e notório travado em torno da constitucionalidade das Medidas Provisórias relativas à crise energética (ressalte-se que foram três sucessivas), inclusive após a edição da Medida Provisória n.º 2.152-2, de 2001, torna inconteste a relevante controvérsia judicial instaurada. Vale aqui mencionar a recente Notificação Extrajudicial promovida pelo Estado de Minas Gerais, dirigida ao Presidente da Câmara de Gestão da Crise e Energia Elétrica, datada de 5 de junho de 2001, na qual se informa que aquele Estado não cumprirá os preceitos da Medida Provisória n.º 2.152-2, com base em Parecer da lavra de Carmen Lúcia Antunes Rocha, Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais, em que se opinou pela inconstitucionalidade e ilegalidade da Medida Provisória em questão.

Não se pode alegar, de qualquer sorte, a ausência de controvérsia judicial relevante posteriormente à edição da Medida Provisória n.º 2.152-2, de 2001. Conforme exposto a seguir já há decisões que infirmam especificamente a presunção de constitucionalidade da referida Medida Provisória. Face a controvérsia instaurada quando da edição da Medida Provisória 2.148-1 e ao fato de que a Medida Provisória 2.152-2 preserva, em suas linhas fundamentais, os mecanismos da Medida Provisória anterior (meta de consumo, tarifa especial e suspensão de fornecimento), a controvérsia judicial relevante permanece, sendo plausível pressupor que aquelas decisões proferidas sob a égide da Medida Provisória n.º 2.148-1 serão mantidas.

Ressalte-se que o efeito multiplicador de certas decisões é reconhecido na reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em sede de Suspensão de Segurança (entre inúmeros outros precedentes, cabe destacar as decisões monocráticas proferidas nos seguintes processos: SS 676, Rel. Min. Octávio Gallotti; SS 975, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; SS 833, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; SS 1932, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 20.2.01; SS 1930, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 15.2.01; SS 1956, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 21.3.01; SS 1985, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 5.6.01). Na linha de tais precedentes, pode-se afirmar que tal efeito multiplicador pode ser identificado mesmo quando há apenas uma decisão judicial. Essa afirmação é consistente naqueles casos em que o pleito individual assenta-se em norma que, de fato, alcança um número expressivo de pessoas. Este é o caso em exame, haja vista que o ato normativo impugnado atinge, notoriamente, milhões de consumidores de energia.

A par de possíveis novos processos – e isto já se verifica, haja vista a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.468 -, relativos originariamente à Medida Provisória n.º 2.152-2, cabe enfatizar – conforme já exposto – que ainda vigoram inúmeras decisões judiciais que infirmam a presunção de constitucionalidade da Medida Provisória n.º 2.148-1, antecessora da Medida Provisória n.º 2.152-2.


Cabe destacar, em especial, a decisão de alcance nacional proferida pelo Juiz da 2ª Vara Federal da 11ª Subseção Judiciária de Marília/SP, nos autos da Ação Civil Pública n.º 2001, que declarou a inconstitucionalidade dos arts. 14 e 25 da Medida Provisória n.º 2.147, bem como da Resolução n.º 4, de 22.4.01, da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.

Referida decisão, que suspendeu a eficácia de disposições da Medida Provisória n.º 2.148-1 foi objeto de pedido de reconsideração formulado pela Procuradoria Seccional da União em Marília/SP, tendo em vista as alterações ocorridas com a edição da Medida Provisória n.º 2.152-2. Esse pedido de reconsideração restou indeferido, nos seguintes termos:

“Fls. 245/249: indefiro os pedidos de extinção do feito por falta de objeto e de revogação da tutela antecipada, tendo em vista que, não obstante a edição de nova medida provisória, permanecem as violações legais e constitucionais vislumbradas na r. decisão de fls. 78/87. O corte de energia elétrica e a cobrança de sobretaxas, para aqueles que não cumprirem determinadas metas, em essência, são os atos reputados violadores da legislação de regência e da Constituição da República, os quais continuam existindo, seja na medida provisória anterior, seja na de nº 2.152-2. Vale ressaltar que na inicial da presente ação civil pública, o Ministério Público Federal pediu a suspensão dos preceitos da Resolução nº 4, do GCE (fls. 26), ‘bem como outros atos normativos no mesmo sentido que venham a ser editados’. Por estes fundamentos, desacolho os pedidos da União.” (g.n.) (Anexo 12)

Essa decisão judicial, como visto, suspende a eficácia de disposições da vigente Medida Provisória, em especial daquelas que cuidam da fixação das metas, da tarifa especial e da suspensão do fornecimento de energia elétrica.

Cabe registrar que, tal como naquela Ação Civil Pública que tramita em Marília, as unidades da Advocacia-Geral da União têm requerido a reconsideração de inúmeras outras decisões que mitigaram a eficácia da Medida Provisória n.º 2.148-1, tendo em vista as alterações operadas pela Medida Provisória n.º 2.152-2.

Outrossim, vale transcrever decisão do Juiz da 9ª Vara da Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro, proferida em 8 de junho de 2001, nos autos da Ação Ordinária n.º 2001.6101008947-2 (Anexo 13):

“DECISÃO

A hipótese diz respeito a consumidor de energia elétrica, da classe residencial, visando eximir-se das determinações emanadas da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE), especificamente quanto a:

a) metas máximas de consumo mensal;

b) sobretarifas ao montante gasto que exceder a meta máxima; e

c) interrupção, no fornecimento de energia, o corte.

[…]

Passo a decidir.

Data venia, não assiste razão ao requerente, motivo pelo qual INDEFIRO a antecipação de tutela, eis que ausentes os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, mais especificamente, a verossimilhança das alegações.

Com efeito, a ênfase privatística de índole contratual, é equivocada, pois, a questão é primordialmente de Direito Público – Direito Administrativo principalmente.

Como salienta o artigo 1º da Medida Provisória 2.148-1, de 22 de maio de 2001, as referidas medidas visam ‘compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupção intempestivas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica’, exatamente em função da ‘atual situação hidrológica crítica’. São, pois, medidas de emergência, relacionadas ao poder de polícia do Estado.

Convém compreender o que seja poder de polícia, para melhor avaliar a situação, verbis:

1. em sentido amplo, corresponde à atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos; abrange atos do Legislativo e do Executivo;

2. em sentido restrito, abrange às intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais como a autorizações, as licenças, as injunções) do Poder Executivo, destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contratantes com os interesses sociais, compreende apenas atos do Poder Executivo’.

O próprio Código Tributário Nacional, em seu artigo 78, define poder de polícia como:

‘atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos’.


Ora, esse poder de polícia, limitando o consumo de energia elétrica, visando impedir a ocorrência dos indesejáveis ‘apagões’, está fulcrado em norma o status semelhante ao de lei ordinária, atendendo, plenamente, ao requisito legalidade.

Resta saber se essa invasão da esfera particular pelo Poder Público, – seja no seu sentido amplo, via Medida Provisória, seja em seu sentido estrito, pela atividade in concreto a a ser exercida pela prestadoras de serviço – encontra amparo constitucional, já que interfere, nitidamente, nas relações de consumo e no próprio direito de propriedade, em última análise.

No meu sentir, a Medida Provisória 2148-1, de 22 de maio de 2001, é perfeitamente adequada à Constituição Federal.

Sem embargo, é firmemente adotado no Brasil o princípio da unidade da Constituição, segundo o qual, não existiria a possibilidade de conflitos verdadeiros entre princípios constitucionais insculpidos, todos, pelo Poder Constituinte Originário. A solução interpretativa trazida por esse entendimento conduz a um harmonização dos referidos princípios, de forma a dissipar o conflito aparente.

No caso em tela, deve ser feita a decida ponderação entre o direito constitucional de propriedade e direitos do consumidor; relativamente à manutenção da segurança pública (certamente afetada na hipótese de ‘apagões’); ao direito à vida, saúde e integridade física (dado o risco dos ‘apagões’ virem a afetar hospitais, sinais de trânsito, iluminação pública, repentinamente); à função social da propriedade (o consumo acima das metas estipuladas seria, a rigor, contrário ao interesse social, podendo vir a causar o desequilíbrio entre a demanda e a oferta limitado por faltas de investimento, cortes repentinos no fornecimento); dentre outras previsões constitucionais.

Não se está a dizer, portanto, que a manutenção das disposições impugnadas não venha a causar sofrimento aos consumidores residenciais que pagam pelo seu consumo acima das metas estabelecidas.

O fato é que, na hipótese, o INTERESSE COLETIVO ou SOCIAL sobre o INTERESSE INDIVIDUAL; o INTERESSE PÚBLICO sobre o PARTICULAR e os valores mais básicos (vida, saúde, integridade física e segurança por exemplo) sobre o direito de propriedade ou o direito do consumidor, de índole econômica.

Ex facto oritur jus. Não pode o juiz ignorar que, justamente, no mundo econômico, não pode exigir o Autor a manutenção de seus níveis de demanda, se não há oferta disponível. Isso, porque, novamente, a ótica não é micro (individual), mas macro (coletiva, agregado). Se somadas todas as demandas dos consumidores que quiserem e puderem pagar pelo consumo acima da meta estabelecidas segundo critérios técnicos (mérito administrativo), não haverá oferta para todos (inclusive para a manutenção do que há de mais essencial em termos de serviços públicos).

Ao menos em termos de consumidores residenciais, portanto, com as regras trazidas pela legislação impugnada, bastante razoáveis e proporcionais (devido processo legal substantivo), não há que se falar em verossimilhança das alegações.”

É bastante plausível que, na linha da decisão da Justiça Federal em Marília, parte desses pedidos de reconsideração sejam negados. Também é bastante plausível antever o efeito multiplicador daquelas decisões denegatória do pedido de reconsideração, tanto na análise de pedidos análogos nos processos já em curso quanto em novas ações judiciais. Lembre-se, ainda, que as normas ora impugnadas atingem os inúmeros consumidores de energia elétrica, sendo razoável presumir que há incontáveis consumidores em situação análoga à daqueles atingidos pelas referidas decisões de Marília (isto s

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