Estresse forense

Juízes e desembargadores vivem sob tensão e tomam remédios

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18 de junho de 2001, 0h00

O estresse diário, o sedentarismo e a aquisição de remédios são cada vez mais freqüentes entre juízes e desembargadores. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o presidente, Marcus Faver, deixa à mão, na gaveta, remédios e um aparelho digital para verificar mais de uma vez por dia a pressão – aferida em 17 por 10. ‘O trabalho é sedentário e o juiz não tem tempo para o descanso. Não encontro horário para caminhar e já estou há 15 dias sem ver minha neta’, lamenta o primeiro presidente do tribunal a pedir intervenção federal no estado e em 28 prefeituras.

Além de presidir o Órgão Especial do TJ e de conduzir a relação do Judiciário com os demais poderes, Faver administra ainda seis mil funcionários. Ele não está só. Entre os 157 desembargadores do TJ, cuja média de idade é de 60 anos, metade se diz sedentária e 80% consomem remédios regularmente. Entre os juízes – categoria com idade média de 40 anos -, 70% são sedentários e mais de 30% dependem de medicamentos.

Aos 38 anos de idade, 11 de magistratura, o juiz Luiz Felipe Salomão está entre estes. ‘A atividade é tão intensa e o exercício intelectual tão estressante que não consigo pegar no sono sem remédio’, conta ele. Luiz Felipe trabalha na Corregedoria-Geral de Justiça, na fiscalização dos cartórios e na organização de concursos para técnicos judiciários.

O corregedor só não é totalmente sedentário por causa das peladas de fim de semana: ‘Mas é futebol de barriga grande’, disse. Com mais de 100 quilos distribuídos em 1,88 metro, ele admite que come de tudo e que, para relaxar, não resiste a uma bebericagem ao fim do expediente. ‘Por causa do estresse, juízes bebem muito’, confessa, embora se vanglorie de não fumar, outro hábito comum a 20% dos colegas.

A estatística da saúde no TJ retrata a realidade de magistrados como o desembargador Fernando Cabral, de 47 anos, 17 de profissão, hipertenso, cardíaco e fumante. Na véspera do Corpus Christi, ele estudava o Código de Processo Civil enquanto comia às pressas um megasanduíche com recheio de maionese. Assim que terminou, acendeu um cigarro antes de falar que há quatro ou cinco anos penou três dias numa UTI, com uma fibrilação cardíaca que quase evoluiu para um infarto, ameaça real para 10% dos desembargadores, doentes do coração.

‘Dez anos de trabalho de um juiz valem por 20. Mais de uma vez minha mulher acordou às 6h e me encontrou analisando processos. A Rose costuma dizer que é viúva de marido vivo’, contou Fernando, que acendeu outro cigarro e enche os olhos de lágrimas ao lembrar que o excesso de trabalho o impediu de acompanhar a infância dos filhos.

A vida sedentária não costuma ser aliada a hábitos alimentares muito saudáveis. Caso do desembargador da 7ª Câmara Criminal, Paulo César Salomão, 50 anos, 1,90 metro e 127 quilos. Para eliminar o excesso de peso e o estresse – ele está hipertenso -, caminha pelo menos duas vezes por semana, joga futebol e faz hidroginástica. Mas admite que, no afã de relaxar, não resiste a uma mesa farta e a um drinque ou outro: ‘São vidas e seus destinos que estão em jogo em cada julgamento. O processo é a maior fonte de estresse e até de problemas psicológicos’.

Ao contrário de Paulo César, o desembargador Mário dos Santos Paulo não faz exercícios: ‘Faço tudo errado”. Exagero. Ao menos parou de fumar a antiga cota de quatro maços diários, depois que passou por uma angioplastia. ‘Mas só não cortei o uisquinho’, revelou, sobre o ritual diário dos juízes e desembargadores, depois de fechadas as portas do fórum. Ex-corregedor eleitoral, Mário hoje atua na 4ª Câmara Cível, onde chega a participar de 80 julgamentos de recursos em um dia. Trabalha 12 horas no fórum e usa carrinhos de bagagem para transportar processos para estudar em casa. Levou para Cabo Frio, neste fim de semana, duas pilhas de processos para analisar, de um metro de altura cada. ‘Se não levo para casa, não dou conta’.

‘O índice de doenças relacionadas com o estresse entre os magistrados está em média acima do aceitável. O estresse também leva a problemas como contraturas involuntárias dos músculos’, explica o médico auditor Antonio Carlos de Oliveira Bastos. Problemas músculo-esqueléticos são a principal causa de licenças de saúde de juízes (20,1%). A titular do IV Tribunal do Júri, juíza Maria Angélica Guedes, responsável por 600 processos criminais em andamento, pertence ao grupo que sofre com as tais contraturas.

‘A maior preocupação é com a pressa em decidir coisas graves, para não deixar inocentes presos ou permitir a libertação de criminosos. Não dá para ter uma vida normal’, reclama a magistrada, de 46 anos, casada e sem filhos. Recorre à poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen para definir o peso da toga na vida de um magistrado, obrigado a sublimar paixões pessoais ao tomar decisões que nunca agradam a todos: ‘As pessoas sensíveis não matam as galinhas. Comem as galinhas’.

Ela diz que o juiz sofre com a responsabilidade de decidir o destino das galinhas. Ou seja, dos conflitos expostos em cada processo e que envolvem, no caso do presidente do TJ, o destino até mesmo de governantes do estado e municípios.

Fonte: Jornal do Brasil

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