Direitos autorais

Publicação de artigo sem autorização não gera dano moral

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16 de junho de 2001, 13h59

Publicação de artigo em site, sem autorização, mesmo quando o nome do autor é divulgado, não gera danos morais e sim patrimoniais. O entendimento é do juiz Alexandre Alves Lazzarini, ao negar indenização para o advogado João Antônio César da Motta no valor de R$ 1,1 milhão.

César da Motta pedira indenização por danos morais e patrimoniais contra o site Jurinforma (www.jurinforma.com.br) e contra o advogado Mário César Bucci. O site publicou seu artigo sem autorização. O juiz reconheceu apenas os danos patrimoniais. O valor ainda será arbitrado pela Justiça.

“Não há como se afastar a violação dos direitos patrimoniais do autor, elencados no art. 29 da Lei 9.610/98, pois não houve autorização prévia para: a) reprodução dos seus artigos; b) para inclusão em base de dados e o armazenamento em computador”, disse o juiz.

A sentença do juiz é serena e aplica a legislação dentro de parâmetros técnicos. Levado o debate às últimas conseqüências, contudo, seria de se examinar a originalidade das teses defendidas no artigo em questão. Fatalmente, se constataria que as mesmas foram defendidas antes por outros autores.

Evidentemente, isso não atenua a circunstância de a divulgação não ter sido autorizada – da mesma forma que advogados e juízes não pedem autorização para citar autores em suas petições e sentenças. Nem se examina, no caso, a qualidade ou falta de qualidade do texto em questão. Até porque, se o artigo foi veiculado, é de se imaginar que algo de interessante se tenha visto no trabalho.

Mas seria de se examinar o lucro que o site auferiu com a incorporação da obra do advogado reclamante. Na suposição de que a revista virtual Jurinforma tenha tido prejuízo, esse é um fato que também deveria ser levado em conta.

Veja, na íntegra, a decisão

Comarca de São Paulo – Foro Central Cível

16a Vara Cível

16o Ofício Cível

Processo n. 000.99.065490-7

Ordinária

Vistos.

JOÃO ANTÔNIO CÉSAR DA MOTTA propôs ação pelo rito ordinário contra JURINFORMÁTICA S/C LTDA., WIDE SOFT SISTEMAS e MARIO CÉSAR BUCCI. Informa que é renomado advogado no ramo do Direito Bancário, tendo publicado artigos de doutrina em endereços (“sites”) da Internet, especificamente nos endereços http://www.teiajuridica.com e http://www.infojus.com.br, sendo que nunca autorizou a utilização e divulgação de seus trabalhos pelo http://www.jurinforma.com.br. Foram publicados indevidamente pelo http://www. jurinforma.com.br os seguintes trabalhos:

a) “Bancarrota da empresa e responsabilidade do banqueiro” (htlp://www .jurinforma.com.br/artigos/0593.htm).

b) “A proteção da posse no leasing’, uma questão vital” (http://www .jurinforma.com.br/artigos/0582.htm).

c) “Copiar petições alheias, risco de angariar um sócio” (http://www.jurinforma.com.br/artigos/0491.htm).

Sustenta, assim, que a falta de autorização para reprodução gerou dano material e moral. Afirmando que seu artigo foi utilizado como “chamariz de venda para jurisprudência” (fls. 11) sustenta que a indenização pelo dano patrimonial deve “balizar-se por esse aspecto, ou seja, o número de assinantes existentes pelo tempo em que foram inseridos” os seus artigos.

Com relação ao dano moral, afirma que a contrafação, o justifica, não trazendo qualquer outro fato, indicando para a sua fixação o valor correspondente a três mil exemplares, conforme o art. 103, parágrafo único, da Lei 9.610/98.

Pede, assim, a condenação dos réus em indenização por danos patrimoniais, nos parâmetros já mencionados, bem como em danos morais, em igual parâmetro. Requereu, ainda, liminar para que não divulgassem mais os seus trabalhos (conforme, também, aditamento, fls. 43/45).

Juntou documentos.

A liminar foi indeferida (fls. 42), sendo, porém, deferida no Agravo de Instrumento n. 122.834.4/0 (TJ-SP, rel. Des. Cintra Pereira, j. 26/10/1999).

A contestação de Mário César Bucci encontra-se as fls. 78/86, com documentos, com aditamento (fls. 167/1.68), sendo que sobre ela o autor apresentou sua réplica (fls. 175/197). Alega em sua contestação que é o único responsável pela inserção dos trabalhos do autor e que a reprodução no caso, não configura qualquer ilícito de violação do direito autoral, não existindo a contrafação; diz, ainda, que os trabalhos do autor não servem como chamariz para o “site”, que tem 700 artigos jurídicos de responsabilidade civil. Nega o direito a indenização por danos morais e materiais e pede a improcedência da ação.

A contestação da WIDESOFT SISTEMAS LTDA. encontra-se às fls. 209/230, com documentos, sendo que sobre ela o autor apresentou sua réplica (fls. 290/308). Alega em sua contestação que não tem qualquer relação com o autor e com o co-réu Mário César, sendo este o único responsável pela divulgação dos artigos do autor.


Assim, sustenta que não cometeu qualquer violação do direito do autor, não tendo qualquer envolvimento com o assunto, que o autor em nenhum momento reservou direitos quando lançou as matérias “na rede”. Por fim afirma que não houve qualquer violação dos direitos do autor, tanto moral quanto patrimonial. Pede a improcedência da ação.

A contestação da JURINFORMATICA encontra-se às fls. 321/338, com documentos, sendo que sobre ela o autor apresentou sua réplica (fls. 368/370). Nessa contestação não há qualquer inovação útil em relação às demais, reiterando basicamente os mesmos argumentos trazidos e pedindo a improcedência da ação.

Vieram manifestações.

Em audiência (fls. 395/396) as partes não transigiram, o autor juntou mais documentos, sendo que sobre eles as partes se manifestaram. Posteriormente, mais documentos foram juntados com ciência às demais partes. Em apenso há exceção de incompetência da WIDESOFT, que foi rejeitada.

Há outros dois agravos de instrumento do autor (ns. 130.167.4/0 e 138.786-4/2, TJSP, rel. Des. Cintra Pereira), que em nada modificaram o processo.

É o relatório.

DECIDO.

O processo comporta julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do CPC. Os fatos sobre qual recaem a controvérsia são a publicação, sem autorização do autor de seus trabalhos e a responsabilidade por essa publicação.

Comentários feitos em “chats” de conversas eletrônicas são irrelevantes para os autos, mesmo porque não são objeto da petição inicial, limitada àquestão de danos morais e patrimoniais no âmbito do direito autoral.

Aliás, pouco interessa para, a verificação do direito do autor se tem amigos ministros ou juizes, bem como irrelevante se somente autoriza a publicação de seus trabalhos em “sites” de filhos de ministros e juizes. Tal anotação se faz em razão da observação que o autor as fls. 5 (nota de rodapé n. 2: “administrado pelo filho do Juiz Federal da 2ª Turma do TRF da 5ª Região, Dr. Lázaro Guimarães”) e as fls. 6 (nota de rodapé n. 3: “administrado pelo Juiz Dr. Demócrito Reinaldo Filho (filho do Ministro da 1ª Turma do STJ)”), tal fato, porém, será comunicado ao Superior Tribunal de Justiça, pois envolve Ministro dessa c. corte e Juiz de Tribunal Federal, pois há a utilização do nome deles para fins estranhos à atividade jurisdicional.

Feitas tais observações, não há como se limitar a responsabilidade somente ao administrador do “site”, o co-réu Mário César Bucci. Eliane Yachouh Abrão (Internet e direitos autorais, in jornal “Tribuna do Direito”, outubro de 2000, p. 6) escreve:

“Quantos às leis autorais, estão onde sempre estiveram: conceituando obras protegidas, seus usos lícitos, seus modos de transferência, suas violações e cadeias de responsabilidade (portais, provedores, donos de sites, internautas mercantilistas). Sem nos esquecermos, por outro lado, de que, desde que previamente consultado, o autor pode sim conceder o uso gratuito de sua obra a quem bem entender.”

Também Plínio Cabral (A Nova Lei de Direitos Autorais, 2.8 ed., Ed. Sagra Luzzatto, 1999, p. 204), ao comentar o art. 90, V, da Lei 9.610/98, ensina: “O item V desse artigo, efetivamente, fala em outras modalidades de utilização, o que, sem dúvida, abrange formas de comunicação que estão se impondo agora, como é o caso da internet.”

“A lei protege os organismos de radiodifusão. Nesse caso há dois aspectos: o organismo de radiodifusão como tal e o artista que nele atua. Ora se a lei protege o mecanismo de transmissão, certamente quando fala em qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações, inclui provedores que permitem acesso à comunicação cibernética”.

“E claro que o legislador, que pretendia ser moderno, poderia ter sido específico. Não o foi. Mas nem por isso o aspecto geral e amplo desse item V deixa de cobrir os problemas originados pela revolução tecnológica dos meios de comunicação”. (destaquei)

Mais adiante, Plínio Cabral é taxativo, quando analisando o art. 107 da Lei 9.610/98 (ob. cit., pp. 242/243): “Os meios de comunicação ampliaram-se. Mas essa amplitude não pode justificar ou servir como elemento para violar o direito de autor. O espaço cibernético, por exemplo, não é um caminho livre e desocupado à disposição de todos e para tudo. Ele passa por portas bem delimitadas e perfeitamente controláveis. Ninguém acessa a internet a não ser através de um provedor, que é devidamente pago. O pequeno preço pago, e a quantidade de material posto à disposição do usuário, pode induzir à idéia de que seu uso é livre e ilimitado. Não é assim. A lei deixa bem claro que os dispositivos de controle e codificação são invioláveis e protegidos. Não podem ser suprimidos e quem distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execução exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a infornação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização’, estará violando a lei”.


Não destoa desse entendimento Miguel Dehon (A Responsabilidade Civil e o Provedor de Internet, in “Internet e Direito -Reflexões Doutrinária”, coord. Roberto Roland Rodrigues da Silva Júnior, Ed. Lumen Juris, 2001, pp. 200/201).

Outra não foi, em princípio, a conclusão do Agravo de Instrumento n. 122.834.4/O, relatado pelo Des. Cintra Pereira (TJSP, j. 26/10/1999), quando da apreciação da tutela antecipada nestes autos. E nem se alegue, no caso, de que não se sabia da falta de autorização ou algo semelhante, pois deve o provedor zelar pela conduta lícita daqueles que o utilizam, ou seja, se não é diligente no controle da utilização de espaço, responde por sua negligência. Ou seja, os três réus têm responsabilidade pela utilização indevida dos trabalhos do autor, já que pode ele autorizar ou não a sua divulgação.

Carlos Alberto Bittar (Direito Autoral, 2.8 ed., Ed. Forense Universitária, 1997, p. 8) bem delimita a questão dos danos morais e patrimoniais no Direito Autoral: “As relações regidas por esse Direito nascem com a criação da obra, exsurgindo, do próprio ato criador, direitos respeitantes à sua face pessoal (como os direitos de paternidade, de nominação, de integridade da obra) e, de outro lado, com sua comunicação ao público, os direitos patrimoniais (distribuídos por dois grupos de processos, a saber, os de representação e os de reprodução da obra, como, por exemplo, para s músicas, os direitos de fixação gráfica, de gravação, de inserção em fita, de inserção em filme, de execução e outros)”.

Com relação ao dano moral (a face pessoal nas palavras de Carlos Alberto Bittar), em razão da utilização de computadores, a preocupação já havia sido anotada por Antônio Chaves (Direitos Autorais na Computação de Dados, L Tr, 1996) que o Grupo de Trabalho da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual): “manifestou igualmente sua preocupação com relação ao DIREITO MORAL dos autores decorrente do fato de que a utilização de computadores para aceder às obras multiplica os riscos de violação a este direito (omissão do nome do autor, deformação ou mutilação das obras devido a falhas técnicas etc.)”.

No caso, porém, não houve violação de direitos morais do autor, pois: a) não é omitido o nome do autor, sendo assegurado a identificação do autor como criador de sua obra; b) a obra foi publicada na íntegra, sem que de qualquer forma atingir a sua honra ou reputação; c) não era obra inédita. Em outras palavras, não ocorrem qualquer das hipóteses de incidência do art. 24 da Lei 9.610/98.

E aqui, pode afirmar-se, sem qualquer margem de erro, que o fato dos artigos do autor serem divulgados pelos réus não atingem a sua honra ou reputação, pois não se verifica no “site”, ao menos pelo que consta dos autos, qualquer indício de conduta desonrosa ou que macule a reputação do autor. As conversas nos “chats” (ou coisa semelhante), além de não se relacionarem com o direito autoral, e pelo fato do autor posteriormente a propositura da ação sustentar serem desabonadoras, não se prestam a caracterizar ofensa a honra ou reputação do autor.

Todavia, não há como se afastar a violação dos direitos patrimoniais do autor, elencados no art. 29 da Lei 9.610/98, pois não houve autorização prévia do autor para: a) reprodução dos seus artigos; b) para inclusão em base de dados e o armazenamento em computador.

Não é necessário para a violação do direito patrimonial do autor, que este tenha “reservado” seus direitos. A lei não exige essa reserva de direitos, pois é expressa em afirmar a necessidade de autorização do autor. Com relação ao valor da indenização por danos patrimoniais, pretende o autor que seja fixado de acordo com a norma do parágrafo único do art. 103 da Lei 9.610/98, ou seja, o valor correspondente a 3.000 (três mil) exemplares. Todavia, o “caput” do dispositivo fixa tal norma somente ante a impossibilidade de verificarem a quantidade de exemplares editados e que foram vendidos.

Assim, há a necessidade de liquidação para verificação quanto a quantidade de utilização dos trabalhos do autor e não pura e simplesmente a utilização da quantidade de 3.000 exemplares. Isso é relevante pelo fato de que pela contestação de Mário César Bucci há a possibilidade de verificação dos arquivos acessados, (fls. 87/150), onde este réu destaca as fls. 100, 108, 109, 111 e 147, os acessos aos trabalhos do autor.

Em princípio, portanto, há a possibilidade de efetiva quantificação das consultas formuladas nos artigos do autor, poucas pelo relatório (fls. 87/50), embora tenha participado do “1° Simpósio Internacional de Direito Bancário” (fls. 3) e tenha onze cursos de extensão em direito civil, comercial e processo civil ministrados pela Escola Superior da Advocacia do Rio Grande do Sul (fls. 3, nota I), além de membro de várias entidades.

Isto posto, julgo a ação movida por JOÃO ANTÔNIO CÉSAR DA MOTTA contra JURINFORMÁTIA S/C LTDA., WIDESOFT SISTEMAS e MARIO CÉSAR BUCCI: a) IMPROCEDENTE quanto ao pedido de danos morais; b) PROCEDENTE o pedido de danos patrimoniais, sendo que o valor deverá ser arbitrado por liquidação de sentença.

Com fundamento no art. 21, “caput”, do CPC, os réus arcarão com metade das custas e despesas processuais, sendo que cada parte arcará com os honorários de seus advogados. Tendo em vista o anotado no início da fundamentação desta sentença, em face do que consta na petição inicial as fls. 5 (nota de rodapé n. 2: “administrado pelo filho do Juiz Federal da 28 Turma do TRF da sa Região, Dr. Lázaro Guimarães”) e as fls. 6 (nota de rodapé n. 3: “administrado pelo Juiz Dr. Demócrito Reinaldo Filho (filho do Ministro da 1ª Turma do STJ)”), encaminhe-se cópia da petição inicial e desta sentença ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105 da Constituição Federal), pois envolve Ministro dessa c. corte e Juiz de Tribunal Federal, para as providências que entender necessária, pois há a utilização do nome deles para fins estranhos a atividade jurisdicional, independentemente do trânsito em julgado.

P.R.I.C.

São Paulo, 23 de abril de 2001-06-12

Alexandre Alves Lazzarini

Juiz de Direito Titular

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