Desvirtuamento no trabalho

Cooperativas não podem fornecer mão-de-obra a terceiros

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16 de junho de 2001, 0h00

A contratação de trabalhadores, sem o pagamento dos direitos previstos na legislação, continua sendo severamente combatida pela Justiça do Trabalho. Em especial, quando se trata das cooperativas de mão de obra que, mais fortemente longe das capitais, buscam explorar a atividade agrícola sazonal.

O debate opõe dois conjuntos de idéias. As cooperativas invocam a tese neoliberal de que é necessário reduzir o custo Brasil e flexibilizar as relações trabalhistas para, diminuindo encargos, aumentar o nível de emprego. O Ministério Público e a Justiça têm levado em conta uma outra abordagem do problema: o Brasil é o campeão mundial da concentração de renda. O sistema pseudo-cooperativado não atenua o problema – agrava-o.

Em uma sentença bem costurada e solidamente fundamentada, o juiz Marcos da Silva Pôrto, de Ribeirão Preto, desferiu um golpe fulminante contra a empresa de agenciamento Coopertrab.

Porto entendeu que a pretensa cooperativa foi constituída “com o único fito de agenciar mão-de-obra barata para produtores rurais, de forma a reduzir os custos da produção”. O esquema, concluiu o juiz, maquiou as “verdadeiras relações subordinadas sob a aparência de legalidade ditada pelo artigo 442, parágrafo único, da CLT”, para impedir vínculo empregatício formal entre os trabalhadores e os produtores rurais, “acarretando o comprometimento de direitos sociais indisponíveis”.

O juiz considerou procedente a Ação Civil Pública do Ministério Público do Trabalho e determinou que a Cooperativa dos Trabalhadores Autônomos de Serviços Rurais e Urbanos (Coopertrab) deixe de fornecer mão-de-obra de trabalhadores rurais a terceiros.

O juiz condenou, ainda, dois coordenadores da cooperativa ao pagamento de indenização correspondente a R$ 25 mil para cada um dos trabalhadores rurais a fim de “reparar os danos causados”. O dinheiro deve ser revertido ao Fundo de Amparo

Leia a íntegra da decisão.

5a VARA DO TRABALHO DE RIBEIRÃO PRETO

PROCESSO no 2.710/99

Vistos, etc.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por intermédio da Procuradoria Regional do Trabalho da 15a Região, ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face COOPERTRAB – COOPERATIVA DOS TRABALHADORES AUTÔNOMOS DE SERVIÇOS RURAIS E URBANOS, JESUS ANTÔNIO DE CARVALHO, JOSÉ ROBERTO DE OLIVEIRA, FRANCISCO CASTILHO, ANTÔNIO SOARES DE OLIVEIRA FILHO e CONDOMÍNIO RURAL EDUARDO BIAGI E OUTROS alegando, em resumo, que em sede de inquérito civil público apurou que os Requeridos vêm frustrando o cumprimento da legislação laboral mediante desvirtuamento do sistema de cooperativas, eis que a COOPERTRAB atua de forma ilícita no fornecimento de mão-de-obra rural a diversos produtores.

Afirmou que a COOPERTRAB não preenche os requisitos legais necessários à validade deste tipo de sociedade; que inexiste, no caso, affectio societatis a vincular a entidade e os trabalhadores; que os Requeridos JESUS e JOSÉ ROBERTO são os mentores da fraude, ao passo que os demais Requeridos são produtores rurais beneficiários da exploração do labor dos trabalhadores; que na constituição da COOPERTRAB muitos associados falsearam suas respectivas qualificações, eis que jamais se ativaram no passado como trabalhadores rurais; que o trabalho no campo desenvolve-se sob a indisfarçável nota da subordinação jurídica; que os atuais “coordenadores” da cooperativa são os antigos “gatos” ou “turmeiros” que sempre atuaram de forma ilícita na intermediação de mão-de-obra rural; e que a COOPERTRAB, na verdade, atua como simples agenciadora de trabalhadores, posto que não presta qualquer tipo de serviço aos seus associados, não se alicerçando, portanto, nos princípios e postulados básicos do cooperativismo.

Alegou, ainda, que a Lei 5.889, de 08/06/1973, que regulamenta o trabalho rural, contempla em seu artigo 4o vedação expressa a qualquer forma de intermediação de mão-de-obra no campo, e que por força do seu artigo 1o não permite a aplicação do artigo 442, par. único, da CLT, no tocante à contratação de rurícolas. Assim, afirmando que a conduta dos Requeridos é ilegal, posto que fragiliza as relações de trabalho no campo, sustenta a ocorrência de lesão aos interesses difusos de toda uma coletividade de trabalhadores rurais, razão porque pleiteia que a COOPERTRAB e seus mentores se abstenham de fornecer mão-de-obra de trabalhadores rurais através da falsa cooperativa; que os produtores se abstenham de contratar trabalhadores para as suas atividades agrícolas através da COOPERTRAB; e que todos sejam condenados a reparar o dano social causado à comunidade de trabalhadores rurais, mediante indenização correspondente a R$ 25.000,00 para cada um, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Mais do que isto, requereu a concessão de medida liminar, atribuiu à causa o valor de R$ 25.000,00 e juntou os documentos de fls. 24/158.


Submetido o feito à conclusão, decidiu o Juízo deferir a medida liminar postulada pelo Parquet, com amparo no artigo 12 da Lei 7.347, de 24/07/1985 (fls. 160/163), determinando a imediata suspensão do fornecimento de trabalhadores rurais pela COOPERTRAB e seus mentores, bem como a imediata suspensão da contratação de trabalhadores “cooperados” pelos produtores rurais.

A referida medida, contudo, restou cassada por decisão liminar proferida nos autos de Mandado de Segurança impetrado pela COOPERTRAB perante o E. TRT (fls. 179/180). Na audiência inicial (fls. 240/241), após rejeitada a conciliação (com exceção do Requerido FRANCISCO CASTILHO), apresentaram os Requeridos cinco contestações escritas com preliminares e documentos, a saber:

A Requerida COOPERTRAB argüiu a incompetência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito, eis que o decreto da procedência dos pedidos implicaria, forçosamente, na extinção da sociedade cooperativa regulada pela Lei 5.764, de 16/12/1971, matéria esta afeita à competência da Justiça Comum dos Estados. Argüiu, ainda, a ilegitimidade ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO para propor a presente demanda, haja vista que não se trata da defesa de interesses difusos e coletivos que trazem a nota da supraindividualidade e do impacto de massa, mas sim da defesa de interesses individuais homogêneos dos associados, os quais, além de não serem muitos são perfeitamente identificáveis.

No mérito, pugnou pela improcedência dos pedidos, afirmando que não houve fraude na sua constituição; que as suas atividades são perfeitamente legais, posto que adequadas aos ditames da CLT e da Lei 5.764/71; que o labor prestado através do sistema de cooperativas não é desvantajoso em comparação ao prestado mediante o regime celetista; que o sistema cooperativo é estabelecido e estimulado na Constituição Federal; que o acolhimento das pretensões implicaria em ofensa direta aos artigos 3o e 170 da Carta Política de 1988, que contemplam os objetivos da República Federativa e o princípio da livre iniciativa; que a cooperativa tem como escopo a elevação sócio econômica de seus associados, eis que sua união se faz na busca de melhores preços para os respectivos serviços; que o trabalho prestado pelos associados aos tomadores diversos não guarda a nota da subordinação jurídica, a qual não pode ser confundida com coordenação e organização; que a conjuntura econômica vem alterando sobremaneira o mercado de trabalho, de modo a substituir o emprego formal pelo trabalho informal, na busca de amenizar o desemprego; que a edição do artigo 442, parágrafo único, da CLT, teve o objetivo de incentivar a criação de cooperativas de trabalho; que é equivocada a tese de que o dispositivo retro referido não se compatibiliza com as relações de trabalho rurais, haja vista que a Lei 5.764/71 não estabeleceu qualquer distinção neste sentido; que a Lei 5.889/73 não afasta a aplicação subsidiária da CLT, inclusive do seu artigo 442, par. único; que a edição da Lei 8.949, de 09/12/1994, fez desaparecer todo e qualquer obstáculo para a terceirização de serviços, sejam ligados à atividade-fim ou atividade-meio do tomador, desde que a intermediação se faça através de cooperativas de trabalho, razão porque não se cogita da aplicação do Enunciado 331 do TST à hipótese vertente; que sempre atuou de forma regular, inexistindo má fé em sua constituição; e que de todo incabível é a fixação de atreintes e de indenização por danos sociais difusos, haja vista a legalidade e os benefícios sociais de sua atuação.

No mais, impugnou os pedidos formulados, colacionou vasta jurisprudência em abono de suas teses e juntou os documentos de fls. 307/512. Os Requeridos JESUS ANTÔNIO DE CARVALHO e JOSÉ ROBERTO DE OLIVEIRA reiteraram em suas defesas os argumentos processuais e meritórios expendidos pela Requerida COOPERTRAB. Mais do que isto, sustentaram que não detém legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual, posto que na condição de presidente e tesoureiro, respectivamente, não se confundem com a sociedade, detentora de personalidade jurídica própria, especialmente em não havendo a alegada fraude.

De resto, reiteraram que a cooperativa foi constituída de forma regular e que suas atividades são agasalhadas pelo ordenamento jurídico; reafirmaram a inexistência de subordinação na dinâmica do serviço dos associados; refutaram todos os pleitos formulados na inicial e juntaram os mandatos de fls. 544 e 578.

O Requerido ANTÔNIO SOARES DE OLIVEIRA FILHO alegou que as cooperativas vem atuando no campo da prestação de serviços, abrindo postos de trabalho; que a terceirização de serviços agrícolas constitui prática bastante difundida nos dias de hoje e perfeitamente admitida em nosso ordenamento jurídico; que a prática aumenta o número de postos de trabalho e traz inegáveis benefícios sociais; que a aglutinação de trabalhadores deve ser incentivada, eis que propicia a obtenção de melhores preços para os respectivos serviços; que o labor através de cooperativas oferece vantagens superiores aos benefícios previstos na CLT; e que com relação a si jamais houve os requisitos da pessoalidade ou subordinação, necessários à formação de vínculo de emprego com os trabalhadores. No mais, impugnou os pedidos formulados e juntou os documentos de fls. 588/589.


Por fim, argüiu o Requerido CONDOMÍNIO RURAL EDUARDO BIAGI E OUTROS a incompetência material da Justiça do Trabalho para conhecer de ações que versem sobre a licitude ou ilicitude de contratos de natureza civil; a ilegitimidade ativa do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO para propor a presente ação civil pública, haja vista a inexistência de tutela específica de interesses difusos e coletivos; a impossibilidade jurídica do pedido, posto inexistir em nosso ordenamento qualquer obstáculo legal ao funcionamento de cooperativas de trabalho e ao fornecimento de mão-de-obra por seu intermédio; e também a sua ilegitimidade passiva, pelo fato de que eventual irregularidade na constituição da COOPERTRAB não lhe pode ser atribuída. No mérito, pugnou pela improcedência, sustentando que não houve qualquer demonstração de fraude; que o serviço cooperado traz inegáveis vantagens ao trabalhador; que com a cooperativa celebrou contrato de prestação de serviços absolutamente válido sob ponto de vista legal; que o cooperativismo é incentivado pela Constituição Federal; que a contratação de trabalhadores rurais pelo sistema de cooperativas é absolutamente compatível com a CLT, mais precisamente com o artigo 442, par. único; que este dispositivo é sim aplicável ao trabalho rural; e que não se pode aderir a um modelo fixo de relação de emprego, dada a necessidade emergente de obtenção de número maior de postos de trabalho. No mais, impugnou os pedidos formulados e juntou os documentos de fls. 635/663.

Ainda na mesma sessão, decidiu o Requerido FRANCISCO CASTILHO celebrar termo de ajuste de conduta com o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, através do qual se absteve de contratar mão-de-obra rural através da Requerida COOPERTRAB ou de qualquer outra cooperativa de trabalho. Desta feita, restou o feito extinto sem apreciação de mérito quanto a tal pessoa, seguindo a ação apenas em face dos demais Requeridos.

Sobre as contestações e documentos apresentados, manifestou-se o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (fls. 670/678). Em seguida, proferiu o Juízo despacho saneador (fls. 679/680), determinando a inclusão do feito na pauta de instruções, haja vista a inexistência de obstáculos processuais ao conhecimento do mérito.

A respeito do retro referido ato judicial manifestou-se a Requerida COOPERTRAB, registrando o seu inconformismo com o fito de evitar os efeitos de preclusão temporal. Na sessão em prosseguimento (fls.720/726), foi rejeitada a conciliação no que toca à Requerida COOPERTRAB e aos Requeridos JESUS ANTÔNIO DE CARVALHO e JOSÉ ROBERTO DE OLIVEIRA.

Por sua vez, celebraram os Requeridos ANTÔNIO SOARES DE OLIVEIRA FILHO e CONDOMÍNIO RURAL EDUARDO BIAGI E OUTROS termo de ajuste de conduta com o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, pelo qual assumiram a obrigação de não mais contratar trabalhadores rurais através de cooperativas de trabalho. Com isto, restou o feito extinto sem apreciação de mérito quanto a estas pessoas, seguindo a ação, agora, apenas em face da Requerida COOPERTRAB e dos Requeridos JESUS ANTÔNIO DE CARVALHO e JOSÉ ROBERTO DE OLIVEIRA.

Após a oitiva dos depoimentos pessoais dos Requeridos e de duas testemunhas, restou encerrada a instrução processual e rejeitada a derradeira proposta conciliatória. Memoriais escritos foram apresentados pela Requerida COOPERTRAB (fls. 732/736) e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (fls. 738/743).

Em seguida, por conta de provimento dado a Agravo Regimental requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO foi revogada a liminar concedida nos autos do Mandado de Segurança impetrado pela Requerida COOPERTRAB, de forma a restabelecer a decisão liminar proferida por este Juízo nestes autos.

É O RELATÓRIO.

DECIDE-SE:

1. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO:

Trata-se de ação civil pública através da qual pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ver os Requeridos condenados em obrigação de não fazer, qual seja, não mais fornecer mão-de-obra rural a produtores agrícolas diversos, bem como a indenizar o dano social que causaram, tudo em absoluta consonância com o disposto nos artigos 3o, 11 e 13 da Lei 7.347, de 24/07/1985.

Não se trata, a toda evidência, de pedido de extinção de sociedade cooperativa, mas sim de cessação de atividade tida pelo Parquet como ilegal, razão porque afigura-se clara a competência material desta Justiça Especializada, à luz do disposto nos artigos 114, caput, da Constituição Federal, e 83, III, da Lei Complementar 73, de 20/05/1993.

Afasta-se, deste modo, a argüição de incompetência material da Justiça do Trabalho.

2. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO:

Afirmam os Requeridos que a matéria discutida nestes autos não se adequa àquelas prescritas nos artigos 127 e 129, III, da Constituição Federal, haja vista que os interesses que pretende tutelar o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO somente podem ser classificados como individuais homogêneos, posto que os associados da COOPERTRAB são perfeitamente identificáveis, não existindo, no caso, o fenômeno da supraindividualidade e tampouco o chamado impacto de massa.


Leciona o professor Rodolfo de Camargo Mancuso, da Universidade de São Paulo, que “os interesses juridicamente protegidos, isto é, os direitos subjetivos (Rudolf Von Ihering), guardam uma relação necessária com a sua titularidade, isto é: somente os interesses relevantes para a ordem jurídica e referíveis a um titular são suscetíveis de tutela estatal (Barbosa Moreira), visto que só estes são qualificados por uma sanção para a hipótese de não serem respeitados, o que acrescenta o aspecto coercitivo à sua exigibilidade. Ora, os interesses difusos, por isso que são referíveis a um conjunto indeterminado ou dificilmente determinável de sujeitos, contrapõem-se fundamentalmente a esse esquema tradicional, visto que a tutela não pode mais ter por base a titularidade, mas a relevância em si, do interesse, isto é, o fato de sua relevância social. … Altera-se, assim, fundamentalmente, o esquema tradicional; a relevância jurídica do interesse não mais advém de sua afetação a um titular determinado, mas, ao contrário, do fato de que este interesse concerne a uma pluralidade de sujeitos. Dir-se-ia que o raciocínio passa a ser o seguinte: se o interesse individualizável pode merecer a atenção do Direito, a fortiori deve merecê-la os interesses de muitos, ainda que não identificáveis. Quando os muitos sujeitos estão aglutinados em grupos bem estruturados, definidos, o Direito já se encarregou, em certa medida, de lhes atribuir tutela razoavelmente adequada, como sucede com os Sindicatos enquanto portadores de interesses coletivos. Mas resta sem solução a situação dos interesses que, por natureza, são difusos, isto é, não comportam aglutinação em grupos sociais definidos a priori. Paradoxalmente, como já lembrado, são justamente estes os que mais carecem de tutela, visto que soem emergir das “classi più deboli, incapaci di darsi uma adequata organizzazione ma proprio per questa loro debolezza più bisognevoli di protezione”. Quer dizer, se o interesse é sempre uma relação entre uma pessoa e um bem quod inter est, no caso dos interesses difusos esta relação é super ou metaindividual, isto é, ela se estabelece entre uma certa coletividade, como sujeito, e um dado bem de vida “difuso”, como objeto”. (“INTERESSES DIFUSOS”, Editora RT, 1996, página 65).

Difusos são, portanto, os interesses que não se unem por critérios objetivos a uma determinada coletividade de pessoas, e que, por isto, merecem tratamento legal diferenciado e tutela constitucional pelo Parquet. Pretendendo o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO exterminar forma de contratação de trabalhadores que reputa ser antijurídica, nenhuma dúvida resta de que a tutela estatal pretendida destina-se a uma coletividade indeterminável de pessoas, homens e mulheres, jovens e idosos, experientes e novatos, paulistas e migrantes, enfim, não somente os trabalhadores já arregimentados através da cooperativa supostamente fraudulenta, como também todos aqueles passíveis de sê-lo no futuro, seja na atividade canavieira ou em outra qualquer, na área agrícola.

Equivocam-se os Requeridos quando sustentam que a tutela pretendida recai sobre o interesse de indivíduos determinados. Olvidam-se que a massa de trabalhadores rurais que vaga pelo interior do Estado de São Paulo em busca de subsistência é bem maior do que a capacidade dos noticiários de televisão de estigmatizá-los, mostrando invasões de propriedades e atos de violência. Olvidam-se do já velho fenômeno social denominado de “êxodo rural”, que identifica milhares de trabalhadores deixando residências fixas em propriedades rurais para buscar a subsistência nas cidades e grandes centros de produção. Olvidam-se que já no final dos anos cinqüenta e no início dos sessenta, a discussão sobre a questão agrária fazia parte da polêmica sobre os rumos que deveria seguir a industrialização brasileira. Olvidam-se que, ainda hoje, o remédio da reforma agrária se coloca dentro de uma resolução para a crise agrária do país, que não se confunde com a crise agrícola.

A legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO decorre do que dispõem os artigos 129, I e III, da Constituição Federal, e 83, III, da Lei Complementar 75/93. Rejeita-se a preliminar.

3. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS REQUERIDOS JESUS E JOSÉ ROBERTO:

Dispõe o artigo 173, par. 5º, da Constituição Federal, que a lei estabelecerá a responsabilidade das pessoas jurídicas, sem prejuízo da responsabilidade individual de seus dirigentes. Por seu turno, dispõe o artigo 28 da Lei 8.078, de 11/09/1990, subsidiariamente aplicável ao Direito Processual do Trabalho por força do artigo 769 da CLT, que a personalidade jurídica da sociedade poderá ser desconsiderada pelo juiz sempre que houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos sociais, diante do que há muito encontra-se sepultada em nosso ordenamento a teoria invocada nas defesas dos Requeridos JESUS e JOSÉ ROBERTO.


Alegando o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO que a cooperativa foi constituída de forma fraudulenta e com o claro objetivo de desvirtuar a sua finalidade legal, e que os Requeridos JESUS e JOSÉ ROBERTO foram os mentores dos respectivos atos jurídicos, não há o que se falar em ilegitimidade passiva ad causam, sendo que suas responsabilidades podem e devem ser apuradas juntamente com a da sociedade.

Rejeita-se, assim, mais esta preliminar.

4. MÉRITO:

4.1 A FRAUDE NA CONSTITUIÇÃO E NO FUNCIONAMENTO DA COOPERATIVA:

Apurou o Juízo, sobretudo através dos depoimentos dos Requeridos JESUS e JOSÉ ROBERTO, que estes participaram da assembléia de fundação da Requerida COOPERTRAB, em julho de 1996, e que, desde então, ocupam respectivamente os cargos de presidente e tesoureiro, com retiradas mensais de pro labore. Apurou, também, que apesar de possuírem formações profissionais como técnico agrícola e administrador de empresas (curso incompleto), respectivamente, falsearam suas qualificações nos respectivos atos constitutivos, dizendo-se trabalhadores rurais.

Mais do que isto, demonstraram os depoimentos:

a-) que ambos, amigos pessoais, laboraram juntos para tradicional empresa rural deste região durante vários anos, onde adquiriram grandes conhecimentos pertinentes à dinâmica da produção agrícola, incluindo-se aí as questões ligadas ao custo da mão-de-obra;

b-) que o custo da mão-de-obra rural fornecida pela cooperativa é muito mais baixo do que aquele da mão-de-obra contratada pelo regime da CLT, sobretudo pela ausência de encargos sociais;

c-) que todas as turmas de trabalhadores são “coordenadas” por uma pessoa, que aufere ganhos superiores aos dos trabalhadores diretamente envolvidos nas colheitas, apurados sobre a produção final da turma; e que esta pessoa, chamada de “coordenador”, é quem se encarrega de arregimentar os trabalhadores e de transportá-los até os locais de colheita;

d-) que sobretudo nas colheitas de laranja e café ocorre a presença física de representante do tomador nas lavouras, com o fito de indicar os locais onde deve ser desenvolvido o trabalho;

e-) que a COOPERTRAB nunca teve em seus quadros um produtor rural, que pudesse se beneficiar da mão-de-obra dos demais “associados”;

f-) que desconhecem se os seus “coordenadores” atuavam no passado como turmeiros ou “gatos” – circunstância que impõe a ambos a aplicação da pena de confissão ficta;

g-) e que a COOPERTRAB nunca assegurou remuneração mínima ou direito à sindicalização de seus associados.

A par de todas as irregularidades formais apuradas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO no inquérito civil que antecedeu à propositura da presente ação, constatou este Juízo que a Requerida COOPERTRAB funciona como verdadeira empresa de intermediação de mão-de-obra rural, cedendo a força de trabalho dos seus associados a produtores rurais diversos, como um “produto” diferenciado destinado a reduzir os custos e os riscos da produção. Mais ainda, constatou que o Requeridos JESUS e JOSÉ ANTÔNIO são os verdadeiros dirigentes do “negócio”, o qual se propaga pela região por conta da aparência de legalidade que lhe transmite o dispositivo do artigo 442, par. único, da CLT.

Esta é a realidade que emerge destes autos!

4.2 A IMPERATIVIDADE DO TRABALHO SUBORDINADO NAS ATIVIDADES AGRÍCOLAS:

O contrato individual de trabalho, com suas características e contornos próprios, assemelha-se em diversos aspectos ao contrato de prestação de serviços por trabalhador autônomo, em especial no que se refere à continuidade, onerosidade, pessoalidade e objeto (eis que ambos são contratos “de atividade”). O que os difere, na essência, é a subordinação existente no primeiro e a autonomia existente no segundo, elemento esse que permite definir com clareza a natureza da vinculação.

A tese dos Requeridos de que o trabalho nas lavouras canavieira e cafeeira, e também na citricultura, pode ser desenvolvido de forma autônoma agride a realidade fática e o princípio da razoabilidade.

A prova dos autos mostra-se cristalina quanto à existência de um coordenador a dirigir a atividade produtiva, e também a presença de representantes do tomador aptos a indicar os pés a serem colhidos (sobretudo na citricultura, onde há a necessidade de organização do trabalho de colheita em virtude do ponto de maturação da fruta). Ademais, é evidente que o trabalho na lavoura somente pode ser desenvolvido mediante a observância de horários determinados, inclusive para o transporte da turma, e com absoluta organização dos fatores da produção. A presença do poder modular, ou seja, de dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador é inexorável, razão porque é dogmática a conclusão esposada pelo Juiz Manoel Carlos Toledo Filho e transcrita pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO na peça de ingresso (fls. 15).


Sendo impossível ao trabalhador rural desenvolver o seu trabalho da forma que melhor lhe aprouver, e menos ainda por conta própria, forçoso é o reconhecimento da presença da subordinação jurídica nas relações de trabalho intermediadas pela Requerida COOPERTRAB.

4.3 A ILEGALIDADE DA “TERCEIRIZAÇÃO” NO MEIO RURAL:

O fenômeno econômico denominado “terceirização”, consistente no fracionamento da cadeia produtiva do empregador conjugado à entrega parcial da atividade a terceiros, vem encontrando resistências à sua generalização no âmbito do Direito Laboral, em especial no tocante à proteção da relação de emprego quando os serviços são confiados a empresas sem idoneidade financeira para suportar os ônus da relação. Por essa razão, a jurisprudência do E. TST, cristalizada no Enunciado 331, firmou-se no sentido de que o repasse a terceiros de parte das atividades que compõem a cadeia produtiva somente é admissível na hipótese de serviços especializados ligados à atividade-meio do empregador, como vigilância, conservação e limpeza, e, ainda assim, mantida a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto aos créditos trabalhistas dos empregados contratados nessas condições.

Na hipótese específica do trabalho rural, é certo que a Lei 5.889/73, em seu artigo 3o, define o empregador como “a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com o auxílio de empregados”, a ele equiparando, no artigo 4o, “a pessoa física ou jurídica que, habitualmente, em caráter profissional, e por conta de terceiros, execute serviços de natureza agrária, mediante utilização do trabalho de outrem”.

De forma nítida, verifica-se que o legislador, atentando para as peculiaridades e sobretudo para as dificuldades enfrentadas pelos homens que entregam sua vida ao trabalho no campo, extirpou de vez a figura do intermediário, turmeiro, empreiteiro, “gato” ou fornecedor de mão-de-obra, equiparando-o àquele que desenvolve a atividade agroeconômica em caráter permanente. Desse fato, extrai-se de forma clara a vedação legal à prática da “terceirização” no meio rural, ainda mais em se tratando de serviços ligados à atividade-fim do produtor rural (como a colheita), diante do que afigura-se clara a inaplicabilidade do par. único do artigo 442 da CLT às relações de trabalho rurais.

A “terceirização”, como dito alhures, constitui fenômeno econômico, concebido para diminuir os custos da produção. Por conta de princípios constitucionais e da natureza jurídica dos direitos sociais estabelecidos no artigo 7º da Carta, veda a nossa ordem jurídica a propagação generalizada do princípio da irresponsabilidade do tomador, outorgando roupagem protecionista às respectivas relações. Por certo, a Lei 8.949/94 não veio à lume com a força de revogar mandamentos e princípios constitucionais e, menos ainda, de autorizar, mediante rachadura do arcabouço protecionista, a propagação da fraude, da informalidade, enfim, da irresponsabilidade.

4.4 A NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS BÁSICOS DO COOPERATIVISMO:

A tese dos Requeridos de que os trabalhadores aderem voluntariamente ao sistema de trabalho por cooperativas esbarra na própria realidade fática que se extrai dos autos, em especial no tocante aos frutos do trabalho e à affectio societatis.

A atividade das cooperativas encontra-se regulamentada pela Lei 5.764/71, declarando o seu artigo 4o que as mesmas são constituídas para “prestar serviços aos associados”, sendo os cooperados, ao mesmo tempo, sócios e destinatários dos serviços, o que constitui o chamado princípio da dupla finalidade. De outro lado, preceitua o artigo 7º que as cooperativas singulares caracterizam-se pela “prestação direta de serviços aos associados”, donde infere-se que tal instituição não se presta à intermediação pura e simples de mão-de-obra, na medida em que os resultados da atividade não se revertem em favor dos seus associados, mas sim de terceiros.

Nesse sentido, a posição da Juíza Iara Alves Cordeiro Pacheco:

“Como vimos, o cooperativismo não visa a excelência das empresas, mas a reunião voluntária de pessoas, que juntam seus esforços e suas economias, para a concretização de um objetivo comum – objetivo delas e não de nenhuma empresa. Outrossim, não pode a cooperativa ser utilizada para substituição da mão-de-obra interna das empresas. A “merchandising” sempre foi coibida no sistema jurídico trabalhista, consoante inúmeros julgados da Justiça do Trabalho e, inclusive do Tribunal Federal de Recursos, como se lê em voto do Ministro EVANDRO GUEIROS LEITE: “Ora, não vejo qualquer sentido cooperativista no exercício de atividades isoladas e diversificadas, que recebem contraprestação do beneficiário e proporcionam vantagem pecuniária à sociedade. Não será possível caracterizar-se, tampouco, o cooperativismo, em face da existência de um terceiro beneficiário das atividades da sociedade, no caso do IBC, que dela não faz parte.” E conclui: “Contra os sistemas de merchandising ou leasing já se tem manifestado a OIT, em alerta contra a quebra do equilíbrio dessas relações, seriamente ameaçado pelo açambarcamento do mercado de trabalho pelas sociedades do tipo Cooperativa de Trabalho de Profissionais Especializados.” (Revista LTr, volume 60, agosto/1996).


Outra não é a conclusão do Juiz Márcio Túlio Vianna, da 3a Região da Justiça do Trabalho:

“… quando a lei exclui da CLT os cooperados, refere-se apenas àqueles que realmente são cooperados, mantendo entre si relação societária. Em outras palavras: pessoas que não se vinculam ao tomador de serviços, nem à própria cooperativa, pelos laços da pessoalidade, da subordinação, da não – eventualidade e do salário. … O que a lei quer dizer é exatamente o que está escrito nela, ou seja, que não importa o ramo da cooperativa. Mas, é preciso que se trate realmente de cooperativa, não só no plano formal, mas especialmente no mundo real. Ou seja: que o contrato se execute na linha horizontal, como acontece em toda a sociedade, e não na linha vertical, como no contrato de trabalho. Em outras palavras, é preciso que haja obra em comum e não trabalho sob a dependência do outro”. (“COOPERATIVAS DE TRABALHO: UM CASO DE FRAUDE ATRAVÉS DA LEI” – “O QUE HÁ DE NOVO EM DIREITO DO TRABALHO”, LTr, 1997).

E, também, a de Arnaldo Süssekind, referindo-se ao texto do artigo 442, par. único, da CLT, em comparação com o texto do artigo 90 da Lei 5.794/71:

“Esse acréscimo, porque óbvio e desnecessário, gerou a falsa impressão e o conseqüente abuso no sentido de que os cooperativados podem prestar serviços às empresas contratantes, sob a supervisão ou direção destas, sem a caracterização da relação de emprego. Na verdade, porém, somente não se forma o vínculo empregatício com o tomador dos serviços quando os cooperativados trabalham na cooperativa e para a cooperativa de que são partes, como seus associados. O tomador dos serviços da cooperativa deve estabelecer uma relação jurídica e de fato com a sociedade e não uma relação fática, com efeitos jurídicos, com os cooperativados. Destarte, as cooperativas de trabalho permanecem fora do campo de incidência do art. 7º da Constituição, sempre que operarem de conformidade com a sua estruturação jurídica e finalidade social. Inversamente, quando os cooperativados trabalharem, na realidade, como empregados do tomador dos serviços da cooperativa, configurada estará a relação de emprego entre eles e a empresa contratante. Aplicar-se-á ao caso o princípio da primazia da realidade consagrado no art. 9º da CLT, tal como referido no Enunciado TST n. 331. Neste sentido, prevalecem a doutrina e jurisprudência.” (“DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO”, Ed. RENOVAR, 1998, página 87/88 – os grifos são do original).

A prova documental produzida nos autos revela que a cooperativa foi formada por pessoas ligadas a empresas rurais e por antigos empreiteiros ou líderes de turma, e não por colhedores de laranja ou trabalhadores rurais, fato esse que por si só já evidencia a fraude perpetrada, bem como a inexistência de affectio societatis na adesão dos trabalhadores.

A confirmar a conclusão do Juízo, as próprias testemunhas da Requerida COOPERTRAB, a primeira informando que os preços dos serviços eram fixados pelo Requerido JESUS, presidente da cooperativa, e a segunda dizendo que somente participava das reuniões para “fazer número”, já que nunca votara qualquer matéria.

Onde, então, encontra-se a união de esforços destinada a objetivo comum?????

O único “objetivo” da cooperativa, aos olhos deste Juízo, repousa no “esforço” de barateamento da mão-de-obra rural, e isto, claro, para beneficiar os produtores, seus verdadeiros clientes, e não os trabalhadores “associados”, com melhores ganhos.

4.5 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E OS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA:

Afirmam os Requeridos que o acolhimento da pretensão e o conseqüente afastamento da COOPERTRAB de sua atividade precípua constitui violação aos mandamentos constitucionais estabelecidos no artigo 3º, incisos II e II, e 170, incisos II, IV, VI, VIII e par. único, todos da Carta Política de 1988.

Razão, contudo, não lhes assiste.

O artigo 1o da Carta assenta que o Estado Democrático de Direito possui como fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (incisos III e IV). O seu artigo 6o, estabelece o trabalho como um direito social, inerente à cidadania, e o seu artigo 7o uma série de direitos destinados aos trabalhadores urbanos e rurais, sem os quais não vislumbra a melhoria de sua condição social. Mais adiante, em seu artigo 170, estabelece que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem como escopo assegurar a todos uma existência digna, consoante ditames de justiça social, e mediante observância dos princípios da garantia da propriedade privada com função social, redução das desigualdades sociais e busca do pleno emprego (incisos II, III, VII e VIII).

Embora alguns dos princípios especiais do Direito do Trabalho venham sendo postos em dúvida pela crescente onda neoliberalista, a verdade é que, “enquanto houver contrato de trabalho, subordinado, haverá sempre um Direito do Trabalho protetor e cogente”. A frase, de autoria de Evaristo de Moraes Filho, evidencia que é da própria essência do Direito do Trabalho o seu caráter de intervenção inderrogável nas relações empregatícias. Essa limitação à atividade negocial das partes, como se sabe, decorre do fato de que a maioria das normas trabalhistas é de ordem pública, possui caráter imperativo e não admite derrogação através de convenção entre os particulares.


A primazia dos preceitos de ordem pública na formação do contrato de trabalho está, aliás, expressamente enunciada em nossa legislação, dispondo o artigo 444 da CLT que “as relações de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha as disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”. Disso resulta que a atuação dos particulares na defesa de seus interesses move-se dentro de fronteiras previamente demarcadas pelo legislador, conjugando, de um lado, ausência de atividade normativa pública e, de outro, inexistência de transgressão às normas dela resultantes.

A tese da flexibilização das relações de trabalho, desenvolvida com o objetivo de impedir que as crises econômicas ou ciclos econômicos negativos gere a extinção de empresas, e, consequentemente de empregos, pressupõe, na sua essência, a introdução de derrogações a normas inderrogáveis de lei, em atenção a particulares exigências conjunturais. Entretanto, como destaca Arnaldo Süssekind, se é certo que esse procedimento abre uma frente ao princípio da inderrogabilidade das normas de ordem pública, não menos certo é que essa exceção apenas confirma o princípio protetor do Direito do Trabalho.

Conquanto necessária a adoção reiterada de medidas que visem garantir a abertura de postos de trabalho, não se vislumbra crescimento econômico com desenvolvimento social sem a presença da clássica figura da relação de emprego.

Nelson Mannrich, tratando da retipificação do contrato de trabalho, diante da necessidade de gerar novos empregos, manter os existentes e regularizar a situação daqueles que se encontram à margem da lei, propõe a introdução de novos tipos de contrato a prazo, sem prejuízo da garantia de direitos fundamentais, que considera indispensável na batalha pela prosperidade econômica.

Neste contexto, afirma “as questões do desemprego e geração de emprego situam-se num contexto de reorganização do capital, provocado pelo neoliberalismo. A introdução de novos padrões de tecnologia e gerência, pelo seu caráter excludente e concentrador, cria uma multidão de desempregados, o que acaba favorecendo a utilização do trabalho precário e marginal. … A resposta à nova questão social não pode limitar-se apenas à introdução de regras mais flexíveis, ditadas pelo mercado, ou simplesmente eliminando qualquer tipo de regra, o que contribuirá, apenas, para tornar mais precárias as relações entre empregado e empregador. No embate das mudanças técnicas e políticas, os primeiros afetados são os direitos dos trabalhadores”. (“A MODERNIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO”, LTr, 1998).

Como se vê, ainda que necessária a retipificação dos modelos contratuais, o Estado Social contemplado na nossa Constituição Federal impõe o respeito aos valores fundamentais do homem, do cidadão, do trabalho e da propriedade com finalidade social. Não se concebe como jurídica a busca não regrada de postos de trabalho, que não preserve a dignidade do pleno emprego, que precarize as relações laborais e humanas, e que mascarem a realidade.

4.6 CONCLUSÕES:

A prova dos autos mostrou que a Requerida COOPERTRAB foi constituída com o único fito de agenciar mão-de-obra barata para produtores rurais, de forma a reduzir os custos da produção. Maquiando verdadeiras relações subordinadas sob a aparência de legalidade ditada pelo artigo 442, par. único, da CLT, vem impedindo a formação de vínculo empregatício formal entre os trabalhadores e os produtores rurais, e acarretando o comprometimento de direitos sociais indisponíveis. Mais do que isto, restou evidente que os fins do verdadeiro cooperativismo vêm sendo desvirtuados, quer pela ausência de affectio societatis, quer pela absoluta inexistência de comunhão de esforços para o atendimento de resultados comuns.

Melhor preço para os serviços de colheita poderiam, sim, ser obtidos mediante a garantia do direito dos trabalhadores subordinados à sindicalização, tal como, aliás, preconiza a Convenção n. 11 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 25/04/1957. A prova, contudo, mostrou que este “preço” sempre foi, na verdade, fixado pelo presidente da cooperativa, certamente para valorizar o “produto” que criara e colocara no mercado.

As teses levantadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO encontram-se agasalhadas pelo melhor direito e são corroboradas por sólido conjunto probatório.

Sendo inegável a ocorrência de dano social, decide este Juízo acolher os pedidos formulados nas alíneas “a” e “c” da petição inicial, determinando que a Requerida COOPERTRAB se abstenha de fornecer mão-de-obra de trabalhadores rurais a terceiros, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 1.000,00 por trabalhador irregularmente arregimentado, e condenando os Requeridos JESUS ANTÔNIO DE CARVALHO e JOSÉ ROBERTO DE OLIVEIRA a repararem os danos causados aos direitos difusos dos trabalhadores rurais, na base de R$ 25.000,00 cada um, valores estes reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.

5. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA:

Tratando-se de ação de rito especial, para defesa de interesses difusos, e na qual o Parquet atua como parte, não há o que se falar em condenação dos Requeridos na satisfação de honorários advocatícios. Suportarão, todavia, as custas processuais, na forma do disposto no artigo 789 da CLT.

DISPOSITIVO:

Diante de todo o exposto, decido rejeitar a argüição de incompetência material da Justiça do Trabalho para conhecer do litígio; rejeitar a preliminar de ilegitimidade ativa do Parquet para propor a presente ação; rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva do 2º e 3º Requeridos; e julgar PROCEDENTE a ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de COOPERTRAB – COOPERATIVA DOS TRABALHADORES AUTÔNOMOS DE SERVIÇOS RURAIS E URBANOS, JESUS ANTÔNIO DE CARVALHO e JOSÉ ROBERTO DE OLIVEIRA, condenando a 1a Requerida a se abster de fornecer mão-de-obra de trabalhadores rurais a terceiros, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 1.000,00 por trabalhador irregularmente arregimentado, e condenando o 2º e 3º Requeridos a repararem os danos causados aos direitos difusos dos trabalhadores rurais, mediante o pagamento de indenização correspondente a R$ 25.000,00 para cada um, valores estes reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Custas processuais pelos Requeridos, calculadas sobre o valor da condenação, ora arbitrado em R$ 50.000,00, no importe de R$ 1.000,00.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes.

Ribeirão Preto, 12 de janeiro de 2001.

MARCOS DA SILVA PÔRTO

JUIZ DO TRABALHO

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