Reação trabalhista

Juízes trabalhistas atuam no Congresso em favor de projetos

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29 de julho de 2001, 16h11

A condução da política macro-econômica do Brasil enxerga no Judiciário um entrave ao desenvolvimento. Dentro dessa visão, pretende-se alterar o quadro legal para permitir a transfusão do custo com a mão de obra para alavancar o lucro empresarial e atrair investimentos, afastando a Justiça da arbitragem nas relações de trabalho.

É este o raciocínio que se pode depreender das recentes entrevistas do novo presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Hugo Cavalcanti Melo Filho. No ano passado, os trabalhadores brasileiros tiveram de volta R$ 5,8 bilhões em valores que deixaram de ser pagos por seus patrões.

Oriundo de Pernambuco, o juiz trabalhista enumera uma série de iniciativas recentes dentro de uma escalada para a desregulamentação das relações de trabalho no país.

“A livre negociação, em situação de desigualdade de forças, possibilita a exploração dos mais fracos”, opina o presidente da Anamatra, referindo-se à proposta em gestação no Ministério do Trabalho, que pretende sobrepor às leis o que patrões e empregados decidirem em acordos coletivos.

Hugo Melo vê aí uma avenida para o esvaziamento da justiça trabalhista, uma vez que “o Judiciário examina a relação formal de trabalho”.

Outros exemplos nessa direção, cita o juiz, são a adoção do prazo prescricional para o trabalhador rural, a criação do banco de horas e a contratação por tempo determinado. “Ou seja a relação de trabalho, em vez de ser aprimorada vem sendo precarizada”, argumenta Hugo Melo.

No dia 17 de agosto, os dirigentes da magistratura trabalhista vão se reunir para debater outra proposta de cunho neoliberal. Trata-se do mecanismo da transcendência, em que os ministros do TST teriam o arbítrio de escolher o tipo de recurso que querem examinar.

Como resposta a essa situação, Hugo Melo está apresentando os projetos de lei defendidos para equilibrar a situação e as idéias de novas propostas a serem levadas ao Congresso.

A Anamatra conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados, dentro do contexto da reforma do judiciário uma ampliação do rol de reclamações passíveis de exame da justiça trabalhista. Isso se dá com a troca da expressão “relação de emprego” para “relação de trabalho”.

A alteração introduzida permitirá que autônomos, trabalhadores eventuais e servidores públicos possam ter também as lesões a seus direitos examinadas.

Na última semana de julho, em São Paulo, em encontro com a imprensa, Hugo Melo divulgou o Projeto de Lei 4.910, apresentado pelo deputado Luiz Antônio Fleury que amplia as atribuições da JT em caso de acidente de trabalho.

A proposta prevê que a competência para o exame das ações de indenização por danos materiais ou morais decorrentes de acidente de trabalho. Leia a íntegra do Projeto.

O grupo de trabalho de formulação legislativa criado pela Anamatra está trabalhando também em uma proposta para a regulamentação do artigo 7º da Constituição, onde se prevê o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.

Outro ponto em estudo é que firma a competência do juízo para executar multas por infração à CLT.

A proposição que mais tem movimentado Hugo Melo, neste momento é o projeto que cria 271 novas Varas Trabalhistas no país. Leia a íntegra da Proposta.

O Brasil, relata o juiz, ainda tem cidades que ficam a mais de 100 quilômetros da Vara Trabalhista mais próxima. “Isso dificulta o acesso à Justiça previsto na Constituição Federal”, afirma Hugo Melo. A relação entre o número de Varas por habitante é de 1 juiz para cada 160 mil brasileiros, quando o ideal seria de 1 para 13 mil.

O Brasil tem hoje 1.109 Varas. A proposta em tramitação no Congresso diminuiria em 25% a carência existente. Cada Vara recebe hoje, em média, 1.900 processos por mês. Algumas recebem o absurdo de 4 mil reclamações.

Em defesa do projeto, junto ao governo, a Anamatra está demonstrando que o sistema judiciário trabalhista gera receitas expressivas, superiores à despesa de criação e manutenção das Varas. Essas receitas decorrem da arrecadação para o INSS e do Imposto de Renda recolhido sobre as verbas salariais.

Através da Justiça do Trabalho, o governo recebeu no ano 2000 cerca de R$ 1,3 bilhão que, no cálculo dos valores devidos aos trabalhadores, constatou-se não terem sido recolhidos aos cofres públicos.

Só para a Previdência, a arrecadação por semestre é de cerca de R$ 400 milhões. Em maio deste ano, só a primeira instância arrecadou R$ 80 milhões. Dividido pelas 1.109 Varas, isso significa uma receita de R$ 77 mil por unidade. Com as custas, tem-se que, no ano 2000, cada uma levantou R$ 5 mil.

No Imposto de Renda, considerado o total de R$ 5,8 bilhões pagos a trabalhadores por decisão da justiça, no ano passado, o cálculo é de que cada Vara arrecadou cerca de R$ 30 mil reais por mês.

Somada essas arrecadações, tem-se um ganho para o Erário de R$ 100 mil mensais, enquanto o custo por Vara (incluindo verba de custeio e investimento), com dois juízes e 13 servidores é inferior a R$ 45 mil.

O projeto prevê a instalação paulatina das Varas, na medida da disponibilidade orçamentária de cada Tribunal. Igualmente, os cargos serão providos dentro da possibilidade.

Em termos relativos, o volume de causas por juiz se reduzirá o que, certamente vai se traduzir na celeridade dos processos e na sua qualidade de apreciação. Caso a proposta seja aprovada e sancionada este ano, sua implantação poderá ser prevista no orçamento de 2002, para serem instaladas em 2003.

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