Bate-bola complicado

Veja a decisão que manda a CBF incluir o Remo no Brasileirão

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27 de julho de 2001, 16h34

O Campeonato Brasileiro está no meio de uma batalha judicial para poder começar. A Confederação Brasileira de Futebol havia conseguido uma liminar no Superior Tribunal de Justiça que excluía o Remo do campeonato. Mas o time paraense conseguiu nova liminar para ser incluído na primeira divisão do Brasileirão.

De acordo com a decisão, o Remo terá direito a uma indenização no valor de R$ 20 mihões, caso a CBF não o inclua na competição.

Veja, na íntegra, a decisão

Ação Popular – Classe 07200

Autor: Luiz Gonzaga da Costa Neto

Réu: CBF e Outros

Juiz Federal Substituto: Eduardo Luiz Rocha Cubas

Decisão

Visto, etc.

Trata-se de ação popular onde se busca a proteção do patrimônio cultural do Estado do Pará em ver mantido no campeonato brasileiro do corrente ano o Clube de Futebol Remo, ao argumento de que o time possui direitos de participação em tal festejo popular.

Aponta, entre outros fundamentos, omissão dos órgãos responsáveis pelo controle do esporte nacional e o direito líquido e certo da população do Estado do Pará em ter um representante no campeonato, narrando a existência do deferimento de medida liminar concedida pela Justiça Estadual Paraense, uma vez que o time obteve classificação melhor que outras agremiações convidadas.

É breve o relatório.

Decido.

O futebol é, segundo a trilogia do povo, um dos pilares da máxime expressão da cultura popular brasileira, calcada no samba, no futebol e na feijoada. Tamanha significância que o próprio Ministro Presidente do Supremo Tribunal reconheceu ao postular que a vergonhosa seleção Brasileira usasse a camisa verde amarela em data recente. Tal identificação ocorre entre os demais clubes que fazem a alegria de todas as comunidades, sejam elas do Estado de São Paulo, do Rio de Janeiro, e, até mesmo, do Estado do Pará, que ora está sofrendo.

Para satisfação do pedido liminar é fundamental a presença dos requisitos da fumaça de bom direito e do perigo de dano. Quanto ao segundo, resta caracterizado pelo próximo desenrolar do campeonato. Com relação ao primeiro, é inquestionável, bastando-se analisar que times que ficaram em classificação pior do que o Remo foram “convidados” a integrar a elite do futebol Brasileiro, em situação de completa injustiça, aliás, como amplamente divulgado e conhecido, até mesmo com deferimento de medida liminar proferida na Justiça Estadual.bem assim reconhecido pelo próprio STJ ao sequer negar a existência do direito, decidindo por questão eminentemente processual.

A propósito, saliento a decisão proferida pelo STJ e que peço vênia para adotar como razão de decidir a própria e brilhante fundamentação pelo Ilustre Min. Nilson Naves, ao apreciar a Mediada Cautelar 4.031 tal, assim dizendo S.Exa:

Decisão

O Município de Belém ajuizou ação civil pública fundada na defesa dos interesses dos torcedores do Clube do Remo (classificados na ação como “espectador pagante-consumidor-torcedor”), os quais estariam sofrendo “dano moral” causado pela “exclusão do Clube Do Remo da Primeira Divisão (divisão principal) do futebol brasileiro, pela Confederação Brasileira de Futebol – CBF” (fl. 44).

O MM. Juízo da 14ª Vara Cível da Comarca de Belém/PA deferiu a liminar “para o fim de determinar a inclusão do Clube Do Remo na Série “A” do Campeonato Brasileiro de 2.001, sob pena de suspensão da disputa da forma como estabelecida e multa diária de R$500.000,00 (quinhentos mil reais)” (fl. 61).

Interposto agravo de instrumento dessa decisão (fls. 62/79), a Desembargadora Relatora indeferiu o efeito suspensivo pleiteado. Interposto agravo regimental (fls. 84/95), foi manejado, concomitantemente, recurso especial ao fundamento de que a questão da suspensividade do agravo não seria julgada até o fim de julho, oportunidade em que o campeonato jé teria iniciado.

Daí esta cautelar, com pedido de liminar, na qual se alega que restaram “obstruídas à CBF as vias recursais próprias, ficando a mesma impedida de obter tutela jurisdicional adequada. Isso porque, considerando que o Campeonato Brasileiro de 2001 inicia-se ainda no mês de julho e que o recesso forense finda somente no dia 1º de agosto, a apreciação do agravo regimental interposto restará prejudicada pela superveniente perda de seu objeto” (fl. 4).

Afigura-se-me sem probabilidade de trânsito o recurso especial tirado de decisão que ainda se submete a recurso ordinário na origem (aliás, já interposto).

Ao indeferir, recentemente, o pedido de liminar na Medida Cautelar nº 3.992, assim me manifestei, no particular:

“omissis”

O caso dos autos (paralisação do campeonato brasileiro) convoca, todavia, atenção especial tendo em vista os interesses nele envolvidos: de um lado, expressiva parcela da população brasileira freqüentadora de estádios e torcedores dos clubes de futebol espalhados por todo o país; de outra parte, todos os demais envolvidos com essa modalidade esportiva: dos próprios clubes e seus atletas aos promotores do evento, os patrocinadores e a mídia em geral. A decisão do MM. Juízo da 14ª Vara Cível de Belém, se permanecer em vigor, significa a frustração de um evento de proporções, como se disse, nacionais.

Impende salientar esse aspecto da causa para pôr em destaque o periculum in mora recíproco. Se é provável que os torcedores do Clube do Remo sofram algum prejuízo com o alijamento do clube do certame, não tenho dúvida alguma de que a não-realização do campeonato acarretará dano irreparável a um universo muito maior de interessados.

De qualquer forma, ainda que venha ocorrer sucesso do Município, já existe previsão de se responder por perdas e danos (arts, 159, 1.059 e seguintes do Cód. Civil.), de modo que não se apresenta irreparável a composição de eventual prejuízo do Clube do Remo.

Em situações assim excepcionais, relevo maior assume a função constitucional do Poder Judiciário de prestar jurisdição para a composição dos interesses em conflito. Na espécie, postula-se, em última análise, suspender a decisão do MM. Juízo da 14ª Vara Cível, que restou confirmada com a negativa de efeito suspensivo ao agravo.

“omissis” (grifei)

Prudente e elogiável a preocupação do estóico Ministro em procurar evitar a não ocorrência do campeonato nacional, que é de suma importância para o nosso sofrido povo, no entanto, S.Exa. esqueceu-se que o clube do Remo detêm cerca de 50% da torcida do Estado do Pará, posto que esta Unidade da Federação fica polarizada entre o time do Paysandu (vulgo Papão) e o Remo (conhecido por Leão), sendo o melhor time eis que na época obteve posição louvável ao passo, diferente de outros Estados, que possuem várias equipes e dividem, entre sua população, a paixão entre os torcedores com mais de um time. Basta conferir a tabela de escalação fls. 41 onde consta, v.g., três times mineiros, quatro cariocas e assim por diante.

Ad argumentandum tantun, não é justo ao Estado do Pará, que exporta 70% da energia que produz, e ainda assim é obrigado ao racionamento, sob pena de apagão, ficar no escuro também em relação a uma manifestação cultural de extrema relevância para o seu povo, apenas porque o réu (CBF) ameaça não realizar um campeonato, como se divulga pela imprensa e apontado brilhantemente pelo Ilustre Min. Nilson Naves, que é de dimensão nacional, parecendo querer impor ao Judiciário quando e de que forma decidir.

Todavia, embora correta a premissa da decisão proferida na Medida Cautelar, ao afirmar que a exclusão do Clube do Remo se resolveria em perdas e danos, significou dizer em outras palavras que a CBF poderá não incluir o time no campeonato, ou seja, descumprir a decisão judicial, entretanto, arrostará o pagamento da multa fixada em caso de não cumprimento.

É o que se extrai de melhor da decisão do eminente Ministro, ou seja, não há que se excluir o time do Remo, nem tão-pouco suspender o campeonato, mas, sim, criar mecanismos para que decisões judiciais sejam cumpridas, obviamente.

De fato, parece contraditório dizer que o time do Remo tem direito a participar do campeonato (fumus boni jures presente) mas excluí-lo sob pressão da CBF, impondo como reparação do dano futuro, o pagamento de perdas e danos. Seria como pagar a indenização por morte em acidente de trânsito, antecipadamente, e em seguida atropelar o desafeto. O Remo é, no caso, o “defunto”.

Entretanto, aqui a hipótese é outra, pois a violação é contra o patrimônio cultural do povo do Pará, que ficará sem a possibilidade de torcer por um time local e, em última análise, será diluída um a um entre os desolados torcedores.

Ora, penso até que a quantia fixada pela Justiça Estadual é módica (já que a favor do Clube do Remo por conversão processual), eis que R$ 500.000,00 não satisfazem ao povo paraense, que deverá ser indenizado por quase metade (ou a totalidade) de sua população, segundo as razões do Ministro, considerando que, aqui, só existem dois times preponderantes, girando em torno de quase dois milhões de torcedores para cada, o que representa, pelas premissas acima R$ 0,25 (vinte e cinco centavos) de indenização por torcedor em caso de reparação ao patrimônio cultural (dano moral fixável por arbitramento), o que é no mínimo ridículo.

Finalmente, nos termos do art. 6º da Lei de Ação Popular, sendo o dito patrimônio cultural (latu sensu, in Pinto Ferreira, Comentários à CF, notas ao art. 5º) afetado vinculado à população do Estado do Pará, e o autor popular ser substituto processual do ente público lesado, tenho que o Estado do Pará deverá figurar no pólo passivo, para os fins do art. 6º, parágrafo 3º da mesma Lei, estando a União Federal na qualidade de “ré material”.

Isto posto, presentes os pressupostos, defiro o pedido liminar para Tão-Somente incluir o Clube do Remo no atual campeonato brasileiro, devendo a CBF providenciar as medidas que se fizerem necessárias, sob pena de multa, que ora fixo em R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) a título de astreintes que se reverterão à favor do ente público lesado em caso de descumprimento (art. 22 da LAP c/c/ art. 287 do CPC).

Promova o autor popular a citação do Ente Público citado (Estado do Pará).

Após, cite-se.

Intime-se com urgência.

Cumpra-se.

Belém, 26 de julho de 2001.

Eduardo Luiz Rocha Cubas

Juiz Federal Substituto da 4ª Vara

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