Governança corporativa

'Para conquistar confiança de investidores não basta ter lucros'.

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24 de julho de 2001, 19h07

Com a implementação do Novo Mercado Bovespa, o Brasil começa finalmente a adotar padrões de governança corporativa. Nosso atraso é grande, e pode ser atribuído a diversos fatores, como o conservadorismo do investidor nacional, nosso incipiente mercado de ações, em que os recursos financeiros disponíveis de pessoas físicas e jurídicas estão concentrados em papéis de poucas dezenas de companhias de capital aberto, e ao fato de minoritários e preferencialistas serem tratados pela Lei das Sociedades Anônimas, de acordo com Modesto Carvalhosa, como “acionistas de segunda classe”, ou, segundo Scheinkman, serem “roubados pelas empresas”.

Sobre nosso conservadorismo, com a palavra historiadores e sociólogos. Sobre nosso embrionário mercado de ações, digam economistas e analistas financeiros. Sobre os direitos, deveres e responsabilidades de acionistas controladores, minoritários e preferencialistas, permitam-me breves considerações.

As empresas pátrias, para enfrentarem a concorrência das multinacionais em todos os campos de atividade, precisam estar (altamente) capitalizadas. Para capitalizarem-se, depende de um eficiente mercado de ações. Para o mercado de ações tornar-se eficiente, é mister que, na Bovespa, sejam negociadas ações de companhias que mereçam a confiança dos investidores. Para conquistarem a confiança dos investidores, as companhias devem não apenas produzir lucros, fim último de suas atividades sociais e, até mesmo, de suas existências, e ter os seus papéis valorizados nos pregões diários, mas também, e principalmente, reconhecer e respeitar os direitos dos investidores em ações.

Porém, se tem razão Carvalhosa e Scheinkman, como atrair o interesse, conquistar a confiança e obter a maciça adesão dos investidores nacionais e estrangeiros ao mercado brasileiro de ações?

Criando uma nova cultura sobre investimentos em ações; exigindo uma nova postura de controladores, minoritários e preferencialistas na defesa de seus direitos e interesses; enfatizando que os interesses da empresa estão acima dos interesses individuais de seus acionistas; evidenciando que, quanto mais forte, competitiva e rentável for à companhia, mais haverão de lucrar seus acionistas, independentemente do tipo de ações que possuam.

Contudo, como atingir esses objetivos sem depender de uma nova reforma da Lei das S.A., que sempre põe em campos opostos controladores, minoritários e preferencialistas? A primeira providência prática seria criar um fórum de debates, a exemplo do que ocorreu na Inglaterra em 1991/2, com a formação da Comissão Britânica Cadbury, e nos EUA, no âmbito do American Law Institute, os quais, em virtude da rápida globalização dos mercados financeiros e de capitais e do crescimento do número dos investidores institucionais, da conscientização de que os dirigentes das empresas tiravam vantagens pessoais e enriqueciam em detrimento de acionistas, empregados e credores e da multiplicação de escândalos financeiros e bancarrotas de grandes grupos industriais e financeiros, concluíram pela imperiosa necessidade da instituição de princípios básicos de como deve ser a administração de uma companhia aberta.

Quem poderia integrar, no país, esse forum de debates? Representantes do IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros, do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, das Escolas de Magistratura de diversos Estados, dos Departamentos de Direito Comercial de nossas principais Faculdades de Direito, da Bovespa do BNDES, da CVM, da ANIMEC – Associação Nacional de Investidores do Mercado de Capitais, da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais, e da ABRASCA – Associação Brasileira das Companhias Abertas, entre outros.

Quais as questões que poderiam ser examinadas nesse fórum? A separação da administração do controle da sociedade anônima, a composição, organização e funcionamento do conselho de administração e a obrigatoriedade de informar e prestar contas periodicamente aos acionistas sobre decisões de relevante interesse para a companhia seria algumas delas. Outra, o exame dos conflitos entre acionistas e gestores, porque, por vezes, os dirigentes maximizam suas funções, remunerações e bônus em detrimento dos dividendos, enquanto, em outras, os acionistas apenas se preocupam com a percepção de lucros.

Outros pontos seriam: a capacidade dos acionistas influenciarem as decisões do conselho de administração e da diretoria; o acúmulo de mandatos dos administradores; a divulgação, no relatório anual, da remuneração e das gratificações dos dirigentes, inclusive a de seus antecessores; a descrição precisa dos objetivos e estratégias da empresa, com ênfase para os riscos e mecanismos de segurança e de auditoria; e a efetiva proteção dos acionistas minoritários e preferencialistas, assegurando-se a estes, inclusive, direito de voto.

Por fim, poderíamos também colocar em discussão a garantia da plena autonomia dos membros do conselho fiscal, com a instituição de comitês de auditoria verdadeiramente independentes; a transparência das informações sobre os negócios sociais; as ofertas públicas de alienação e de compra do controle; e a adoção de código de boa conduta.

Anote-se que, no Brasil, embora a “luta” não se dê entre administradores e acionistas, como no exterior, mas, sobretudo, entre controladores, as mais das vezes exercendo também funções administrativas, de um lado, e minoritários e preferencialistas, de outro, os princípios da governança corporativa podem ser úteis e eficazes também no país.

Creio, com William Dale Crist, professor de Economia da Universidade do Estado da Califórnia, que “a era dos acionistas passivos, dispersos e desinformados está chegando ao fim”.

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