Massacre no Carandiru

Carandiru - Veja a decisão que condena coronel a 632 anos de prisão.

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4 de julho de 2001, 0h00

Depois de quase nove anos do maior massacre da história das penitenciárias brasileiras, que resultou em 111 mortes, o Coronel Ubiratan Guimarães foi condenado a 632 anos de prisão, no dia 30 de junho. Ele foi responsabilizado por 102 mortes (9 mortes por armas brancas não foram imputadas ao coronel) e 5 tentativas de homicídio, ocorridas em 2 de outubro de 1992.

A Justiça arbitrou 612 anos pelas 102 mortes e mais 20 anos pelas 5 tentativas de homicídio. Mas o coronel tem o direito de recorrer da decisão em liberdade.

O julgamento demorou dez dias e foram ouvidas 15 testemunhas – dez da acusação e cinco da defesa.

Veja a sentença.

Poder Judiciário

São Paulo

Comarca de São Paulo

2ª Vara do Júri

Processo nº 223-A/96

Ubiratan Guimarães, qualificado nos autos, foi denunciado e pronunciado como incurso nos artigos 121, parágrafo 2º, inciso IV (cento e onze vezes) e artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV, combinado com o artigo 14, inciso II, por cinco vezes, todos do Código Penal, porque no dia 02 de outubro de 1992, a partir das 16:00 horas, nas dependências do pavilhão nove da Casa de Detenção Fláminio Fávero, localizada na Avenida Cruzeiro do Sul, nº 2936, nesta Capital, na condição de Comandante do Policiamento Metropolitano portando uma metralhadora HK MP5K-21362, calibre 9mm, decidiu pelo início da operação que resultou na invasão daquele estabelecimento prisional, ordenando que seus comandados munidos de grande poder de fogo, sem medir, ou melhor, avaliar da necessidade e conseqüências da medida, conhecendo perfeitamente a violência com que agiam alguns de seus comandados, agindo assim, com dolo eventual, na medida em que teria admitido e aceitado “o risco de produzir o danoso evento (anteviu o resultado e agiu)”, pois, “percebeu que era possível causar o resultado e, não obstante, realizou o comportamento.

Entre desistir da conduta, mesmo após iniciada a operação, onde já se desenhava a tragédia, com as rajadas de metralhadoras e causar o resultado, preferiu que este se produzisse” (fls. 64/65). Por conseguinte, o Ministério Público responsabiliza o coronel Ubiratan por todos os crimes dolosos contra a vida, consumados e tentados, ocorridos no pavilhão nove da Casa de Detenção, onde são vítimas José Pereira da Silva e outros mencionados.

Processo em ordem foi o réu submetido a julgamento nesta data.

Composto o Conselho de Sentença, foi submetida à apreciação dos Senhores Jurados a primeira série de quesitos, no tocante à vítima José Pereira da Silva, bem como as demais vítimas, com relação aos crimes de homicídios consumados, mediante o uso de armas de fogo, por unanimidade de votos, afirmando o primeiro e segundo quesitos, reconhecendo, assim, a materialidade e a letalidade dos mesmos.

Por maioria de votos, os Senhores Jurados afirmaram no terceiro quesito que o réu concorreu para a prática do crime homicídio simples. Quanto às outras séries de quesitos às respostas dos Senhores Jurados, também por maioria de votos, negaram a conduta omissiva do réu; ainda, por maioria de votos, negaram ter o réu agido no estrito cumprimento do dever legal, razão pela qual tornaram-se prejudicados, respectivamente o sexto e sétimo quesitos.

Também por maioria de votos, os Senhores Jurados negaram ser exigível conduta diversa, mas votaram, também por maioria de votos que o réu incorreu em excesso doloso. Tangente à qualificadora, os Senhores Jurados reconheceram a existência da mesma, por maioria na votação. Por fim, reconheceram a existência de atenuantes em favor do réu.

Com respeito à acusação de homicídio consumado mediante a utilização de objeto perfuro cortante, por unanimidade, responderam os Senhores Jurados afirmativamente ao primeiro e segundo quesitos, reconhecendo assim a materialidade e letalidade dos mesmos; todavia, votaram negativamente, por maioria de votos, a autoria delitiva, razão pela qual restaram prejudicados os demais quesitos desta série.

Na seqüência, por unanimidade, absolveram o réu pela prática dos nove homicídios praticados mediante o uso de objetos perfuro cortantes.

Com relação à série de quesitos referentes aos crimes de tentativa de homicídio, votaram afirmativamente, por maioria de votos, o primeiro e o segundo quesitos, reconhecendo a materialidade e a interrupção da conduta por circunstâncias alheias à vontade do réu. Por maioria de votos, os Senhores Jurados negaram que o réu tenha agido por conduta omissiva; contudo reconheceram por maioria de votos, que o réu agiu dentro do estrito cumprimento de seu dever legal; ainda com relação às tentativas de homicídio, por maioria de votos, reconheceram o excesso doloso na conduta do agente.

Ainda por maioria de votos, reconheceram que era exigível conduta diversa por parte do réu, com o que restaram prejudicados a votação dos quesitos afirmativos dos excessos culposo e doloso. Por fim, por maioria na votação, negaram os Senhores Jurados a qualificadora delitiva e reconheceram a existência de atenuantes em favor do réu.

Derradeiramente, responderam afirmativamente, por maioria de votos o quesito relativo ao crime de falso testemunho de Antonio Luiz Filardi, testemunha ouvida em plenário.

Apurada a autoria e a materialidade do crime pelos senhores Jurados, passo à dosimetria da pena. O acusado é primário e não havendo outras causas que justifiquem o acréscimo da reprimendam fixo a pena-base no mínimo legal, qual seja, seis anos de reclusão por cada um dos crimes de homicídio consumado, por cento e duas vezes; no tocante aos crimes de homicídio na forma tentada fixo a pena-base, para cada crime, no mínimo legal, diminuo-a em 1/3 pela tentativa, tendo-se em conta que o “itercriminis” foi totalmente percorrido; torno-a definitiva em quatro anos de reclusão, por cinco vezes. As penas serão aplicadas em cúmulo material.

Ante o exposto julgo Parcialmente Procedente a pretensão punitiva do Estado a fim de Condenar o acusado Ubiratan Guimarães, como incurso no artigo 121, “caput” (cento e duas vezes) combinado com o artigo 23, inciso III, e artigo 121, “caput”, combinado com o artigo 14, inciso II, por cinco vezes, todos do Código Penal, a cumprir pena de Seiscentos e Trinta e Dois (632) anos de reclusão. Absolvo-o pela infração ao artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV, do Código Penal, por nove vezes, com fundamento no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal.

O acusado iniciará o cumprimento da pena no regime fechado. Considerando-se que o acusado é primário, bem como que respondeu ao processo em liberdade, residindo no distrito da culpa, concedo-lhe o direito de recorrer em liberdade.

Transitada em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados, expedindo-se mandado de prisão.

Oficie-se à Egrégia Presidência do Tribunal de Justiça, para as providências cabíveis, no tocante ao crime de falso testemunho ora reconhecido.

Registre-se.

Processo nº 223-A/96 fls. 6

Cumpra-se.

Publicada em plenário, saem os presentes cientes e intimados.

Maria Cristina Cotrofe

Juíza de Direito

Presidente

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